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A proposta de reforma da Previdência - Desafios e soluções

A proposta de reforma da Previdência - Desafios e soluções.

18/3/2019

Como havia dito na última coluna, vamos, ao longo desse ano, analisar os aspectos mais relevantes da reforma previdenciária proposta pelo governo Bolsonaro. Confesso que não estou particularmente otimista com a realidade atual. Temos um governo com algumas fragilidades, uma base parlamentar ainda em formação no Congresso Nacional e, para piorar, uma proposta de emenda constitucional de 40 páginas!

A desconstitucionalização da matéria previdenciária é correta, pois, como já disse nessa coluna, a cristalização de requisitos de elegibilidade no texto constitucional representa engessamento do plano de benefícios que compromete as mudanças naturais no modelo protetivo em favor do equilíbrio financeiro e atuarial. No entanto, a proposta apresentada apresenta algumas dificuldades e contradições.

De saída – e contraditoriamente – a PEC 06/2019 constitucionaliza outros assuntos, como a controvertida capitalização do modelo previdenciário. Por qual motivo caberia incluir isso na Constituição? Ademais, ao estabelecer a competência de lei complementar para os requisitos de elegibilidade dos benefícios, reproduz a proposta vários itens que devem constar da lei. Para que tamanho detalhamento? É natural que a lei complementar terá de estabelecer, de forma adequada, o plano de custeio e benefício do sistema. Não é necessário que Constituição venha a tutelar a atividade legislativa dessa forma.

Em continuidade, a PEC 06/2019 extingue regras transitórias de aposentadoria dos servidores (mais uma vez!) e cria novas regras provisórias, inclusive no RGPS. Ou seja, temos na proposta regras transitórias para as pessoas já participantes do sistema e regras provisórias para ambos os regimes. A medida é compreensível, pois não se sabe quanto tempo o Congresso Nacional levará para disciplinar o tema (basta lembrar que, até hoje, há temas da reforma de 1998 que não foram disciplinados pelo Congresso Nacional).

Todavia, a complexidade daí decorrente é óbvia. Tal disciplina acresce desproporcionalmente o texto, complicando a eventual aprovação da reforma, que já não é simples (as reformas previdenciárias anteriores não possuíam mais de 6 páginas). Melhor seria a previsão de algum acréscimo percentual provisório ao tempo e/ou idade a todos que já participam do sistema e, imediatamente, atuar para a aprovação das leis complementares necessárias. Isso simplificaria enormemente o maior desafio, que é retirar da Constituição os requisitos de concessão das prestações previdenciárias.

Infelizmente, a pressa na reforma e no atendimento de interesses variados do Estado acabou por gerar um aglomerado que, indubitavelmente, terá enorme dificuldade de ser apreciado e aprovado em tempo hábil. Regimes de financiamento do modelo previdenciário, parâmetros de concessão de aposentadoria, tratamento favorecido para determinadas categorias e mesmo o regramento de prestações assistenciais não carecem de regramento detalhado na Constituição. Temos de superar essa cultura de desconfiança em nosso regime democrático ou, quem sabe, retornar a alguma modalidade de despotismo esclarecido.

Acredito que ainda exista tempo hábil para a adoção de proposta pragmática que, nesse momento, seja capaz de eliminar regramentos desnecessários na já extensa Constituição de 1988. Do contrário, teremos mais do mesmo: reformas "desidratadas" por concessões variadas que, se aprovadas, terão de sofrer revisões poucos anos depois.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.