Previdencialhas

Reforma da Previdência Social e combate aos privilégios – Parte Final (Exercentes de mandato eletivo)

Reforma da Previdência Social e combate aos privilégios – Parte Final (Exercentes de mandato eletivo).

19/3/2018

Na última parte do debate sobre privilégios na previdência social, discorro sobre a terceira categoria usualmente apontada como provocadora da falência do sistema previdenciário estatal. Os exercentes de mandatos eletivos, o que inclui deputados, senadores, vereadores, governadores, prefeitos e presidentes da República. Na percepção da sociedade, seriam todos favorecidos por regras desproporcionalmente vantajosas para fins de aposentadoria.

Tais pessoas, assim como muitos servidores do passado e mesmo trabalhadores do Regime Geral de Previdência Social, se beneficiavam de regras frouxas para fins de concessão de benefícios, com pouco tempo de contribuição, quando havia. Não raramente, entes federativos também previam retribuições vitalícias para agentes políticos ao final do mandato, incluindo no Poder Executivo. O descaso com o equilíbrio financeiro e atuarial, como já disse, era a praxe em todos os setores da proteção social brasileira.

Todavia, isso muda com as reformas previdenciárias realizadas nos anos 90. A Emenda Constitucional 20/98 trouxe inovação relevante, ao demandar o cargo público efetivo para fins de vinculação a regimes próprios de previdência. Antes mesmo da emenda, a lei 9.506/97, em âmbito Federal, extinguiu o Instituto de Previdência dos Congressistas – IPC, vinculando-os ao Regime Geral de Previdência Social, ou, facultativamente, ao Plano de Seguridade Social dos Congressistas – PSSC. Para os demais exercentes de mandato eletivo (estadual e municipal), a vinculação ao RGPS tornou-se a regra.

A vinculação dos agentes políticos ao RGPS sofreu revés com a decisão do STF no RE 351.717, ao dispor que os mesmos somente poderiam sofrer tal vinculação após a EC 20/98. Com isso, foi editada a lei 10.887/04 a qual reproduziu a previsão originária da Lei nº 9.506/97. É justamente por essa razão que as leis previdenciárias possuem duas alíneas idênticas prevendo a inclusão do exercente de mandato eletivo como segurado obrigatório do RGPS. Dessa forma, ao menos desde 2004, pode-se dizer que a questão está superada, estando todos vinculados às mesmas regras dos trabalhadores em geral.

Única exceção ainda restaria no Congresso Nacional, tendo em vista a criação de vinculação facultativa ao Plano de Seguridade Social dos Congressistas – PSSC. Na hipótese de opção, o deputado federal ou senador não estaria vinculado ao RGPS, mas ao regime específico criado pela lei 9.506/97. A previsão normativa é de moralidade duvidosa, pois extingue para todos os demais mandatários do povo as regras particulares de aposentadoria, exceto os parlamentares federais.

De toda forma, mesmo assim, temos de admitir que as regras do PSSC estão longe de ser tão vantajosas quanto às previstas anteriormente, nas leis 4.284/63 e 7.087/82, com possibilidades variadas de retiro precoce, como a aposentadoria proporcional após oito anos de exercício. Pela previsão atual do PSSC, o benefício voluntário de aposentadoria somente é concedido após 60 anos de idade e trinta e cinco anos de contribuição. Apesar de algumas particularidades vantajosas, está longe de ser um regramento altamente benéfico e diverso das regras gerais dos servidores públicos e mesmo do RGPS.

Ademais, o modelo é contributivo e depende de opção do parlamentar Federal. Caso contrário, restará vinculado ao RGPS. Para os demais entes federativos, na atualidade, qualquer regime alternativo de aposentadoria para parlamentares e membros do Executivo é claramente inconstitucional. A vinculação é, necessariamente, ao RGPS. Novamente, surge a dúvida: afinal, onde estarão os privilegiados?

Sendo esse o último texto sobre o tema, me permito uma sugestão de resposta: estão em todos os locais e regimes, mas inexoravelmente no passado. Seguramente há pessoas beneficiadas por regras pretéritas de aposentadoria sem compromisso com premissas financeiras e atuariais. Até a EC 20/98, houve o ingresso de milhares de pessoas no serviço público, já na meia-idade, com a finalidade exclusiva da aposentadoria. Vi isso quando ingressei na extinta carreira de fiscal de contribuições previdenciárias em 1997. Após poucas semanas de atividade, as pessoas se aposentavam com remuneração integral, muito acima de suas contribuições históricas, e frequentemente antes dos 50 anos de idade.

Houve pensionistas que se utilizaram de brechas legais para recebimento de prestações vitalícias, sem qualquer correlação contributiva e mesmo sem dependência econômica comprovada. Há pensões vultosas que mantêm a sinecura de muitas pessoas e até de gerações de familiares. Há aqueles que, mesmo no RGPS, se aposentaram após pouco tempo de atividade – alguns antes dos 40 anos – por prestações especiais devidas por atividades insalubres, mas que, por falhas normativas, nunca aconteceram. Temos ainda aqueles que, sabedores dos meandros da legislação previdenciária, conseguiam construir elevações do período básico de cálculo das aposentadorias, gerando também incrementos injustificados atuarialmente. E por aí vai.

O que desejamos para o Brasil? Realizar expurgos sobre todos aqueles que direta ou indiretamente, conscientemente ou não, tenham se locupletado das falhas normativas da proteção social brasileira? Caso seja essa a opção, além de todos os embaraços normativos e constitucionais, que façamos corretamente, sem eleger, preguiçosamente, determinados grupos e carreiras. Caso tenhamos em mente a construção de modelo equilibrado e justo de previdência, vamos notar que é hora de deixarmos os espantalhos de lado e olhar para a frente. A previdência social é tema sério e relevante, que demanda discussões isentas de partidarismos e paixões, na busca de soluções razoáveis e comprometidas com os ideais da sociedade brasileira. Mais importante do que buscar culpados no passado, é encontrar soluções para o futuro.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.