Nos últimos anos, especialmente após a edição da Lei nº 11.430/06, a questão sobre o enquadramento acidentário de determinados benefícios previdenciários – em particular os decorrentes de incapacidade para o trabalho – tem sido substancialmente alterada, tendo em vista a evolução científica da temática acidentária no Brasil.
Historicamente, o acidente de trabalho sempre fora descrito pelos manuais como o evento súbito, imediato, incapacitante, de liame direto com o trabalho e, em regra, ocorrido no estabelecimento do empregador. Era o conceito clássico de acidente do trabalho “típico”. Tal previsão ignorava as doenças produzidas lentamente por anos de exposição a agentes agressivos e condições inadequadas de trabalho.
Muito embora a legislação previdenciária preveja as doenças ocupacionais como figuras equiparadas desde longa data, na prática, o enquadramento era incomum, até pela difícil confirmação do nexo causal, especialmente nas doenças do trabalho. A criação dos nexos técnicos previdenciários, em especial, o nexo técnico epidemiológico previdenciário – NTEP, reflete importante evolução na temática, ao gerar presunção capaz de proteger o empregado hipossuficiente.
Aqui, a hipossuficiência do empregado não é mera figura retórica da dialética nas relações laborais, mas, verdadeiramente, a incapacidade de empregados produzirem conjunto probatório capaz de evidenciar que suas patologias foram produzidas pelo labor. Não raramente, a própria ciência não gera as certezas necessárias e, na dúvida, o nexo não era estabelecido.
Pela regulamentação vigente, a depender do caso (patologia versus atividade econômica e profissional) é possível ao modelo protetivo reconhecer, até mesmo de ofício, o liame entre o trabalho e a doença, viabilizando a concessão da prestação acidentária. Todavia, o novo regramento, não obstante representar clara evolução na dinâmica protetiva e melhor cobertura no contexto laboral contemporâneo, não pode representar ficção capaz de impedir revisões administrativas ou judiciais.
Dito de outra forma, a disciplina normativa, ao estabelecer presunções favoráveis aos empregados, não impede manifestações contrárias dos empregadores, os quais podem demonstrar realidade laboral diversa, potencialmente incapaz de gerar o infortúnio sofrido pelo trabalhador. Independente dos óbvios argumentos relativos ao contraditório e ampla defesa, assegurados nos processos administrativo e judicial, é certo que eventual inadmissão de recursos dos empregadores implicaria, contraditoriamente, em descaso com a saúde do trabalhador, tendo em vista a fraca relação entre investimentos no meio-ambiente do trabalho e a sinistralidade laboral.
Na prática, inadmitir recursos dos empregadores implicaria prestigiar – ainda mais – a contratação de mão-de-obra jovem, ainda distante das patologias clássicas dos trabalhadores de meia idade. Melhor que gerir um ambiente saudável, seria opção superior, do ponto de vista econômico, contratar pessoas jovens e saudáveis. De qualquer ponto de vista, a melhor solução é propiciar ambiente adequado aos recursos e manifestações administrativas e judiciais de ambos os lados.
Neste sentido, nota-se a necessidade de aprimoramento das instâncias decisórias, as quais, ainda, não têm o hábito de se defrontarem com manifestações de empregadores em questões que, a princípio, não lhes dizem respeito. Qual seria a legitimidade do empregador ao se manifestar em mero pleito de benefício previdenciário por parte de seu empregado?
A pergunta impressiona, mas a resposta é simples. Manifestações dissonantes entre médicos assistentes (terminologia para médicos de empregadores e privados em geral) e peritos médicos do INSS propiciam enorme insegurança jurídica para ambos os lados (quem pagará os salários? Como fica a situação do empregado até a decisão final? Deve retornar ao trabalho? Poderá ser exposto a agentes nocivos? A rescisão laboral é possível? Etc...). Ademais, caso o benefício seja concedido na modalidade acidentária, há impacto fiscal direto para o empregador, com aumento de contribuições previdenciárias devido ao fator acidentário de prevenção. Isso sem falar em potenciais ações regressivas por parte do INSS e mesmo demandas indenizatórias por parte do empregado.
A verdade material é o mantra do processo administrativo. Gerar impedimentos de manifestações das partes é absurdo sob qualquer perspectiva. É sabido que as instâncias administrativas – em especial o INSS – sofrem com a brutal redução de seu efetivo e as restrições orçamentárias, mas saídas gerenciais devem ser construídas, como o incremento do processo eletrônico.
Como disse, avançamos na construção do direito material previdenciário, com o estabelecimento de nexos técnicos variados capazes de assegurar melhor cobertura a empregados que adoecem pelo trabalho, com as consequências legais devidas aos empregadores descuidados de seus encargos. É hora de avançarmos no aparato processual – em especial o administrativo – para que sejamos capazes, com eficiência, de buscar a verdade material e recompensar empregadores zelosos de seus encargos legais.
De nada servirá um regramento normativo protetor para o empregado se, na prática, as medidas de estímulo à melhor gestão do meio-ambiente do trabalho não forem capazes de produzir resultados favoráveis também do ponto de vista econômico. Tal conclusão parece fundar-se em premissas utilitaristas, mas, ao contrário, somente este aspecto conjugado ao aparato regulatório da matéria, poderá ajudar o Brasil a abandonar as piores classificações em matéria de acidentes de trabalho no mundo.