Previdencialhas

Intervenção no POSTALIS

Intervenção no POSTALIS.

9/10/2017

Como se observa nos noticiários, uma das principais entidades fechadas de previdência complementar do Brasil, o Postalis Instituto de Previdência Complementar, sofreu intervenção pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC. A referida entidade administra planos de previdência complementar voltados a empregados dos Correios.

A decisão, sem fundamento explícito nas portarias da PREVIC, nos permite inferir falhas na gestão dos recursos garantidores dos respectivos planos de benefício. A questão não é propriamente novidade, tendo em vista a coleção de escândalos envolvendo investimentos dos fundos de pensão das estatais.

Em tal situação é possível, mesmo sem maiores elementos, antecipar a realidade vindoura: imposição de contribuições extraordinárias, revisão dos requisitos de elegibilidade dos planos e, ainda, responsabilização de dirigentes. No final, o prejuízo nas expectativas de direito dos empregados dos Correios é praticamente certo.

Em tese, havendo desequilíbrio atuarial em planos de benefícios, as soluções, inexoravelmente, perpassam pela revisão dos planos de benefícios, pois qualquer estratégia adotará uma combinação de incremento de receita, diminuição de benefícios (ainda que indiretamente pelas contribuições) e majoração dos requisitos de elegibilidade das prestações.

Nesse contexto, pouco pode ser questionado, pois se demonstrada a necessidade atuarial, a solução será intramuros, cabendo aos interessados – participantes e assistidos – a adoção das medidas necessárias, sob pena de extinção da cobertura protetiva. À semelhança de um condomínio, não há responsabilidade do restante da sociedade por escolhas equivocadas e má gestão de um fundo de pensão.

Sem embargo, nem sempre as coisas são tão simples na previdência complementar brasileira, especialmente frente a entidades previdenciárias de empresas estatais. Aqui, os desenlaces já conhecidos da política brasileira dos últimos anos nos mostram, com triste crueza, a ingerência ilegal na gestão de tais entidades, impondo escolhas sabidamente prejudiciais aos participantes, com objetivos nem um pouco republicanos.

Em boa parte, a responsabilidade por tal situação é da própria legislação, pois a LC 108/2001 estabelece que o patrocinador estatal será o responsável pela gestão da entidade, tendo em vista sua prevalência no conselho deliberativo (art. 10). Muito embora o desnível tente ser compensado pela primazia dos participantes no conselho fiscal (art. 15), tal construção mostrou-se insuficiente. Afinal, o conselho deliberativo é o órgão máximo da entidade, "responsável pela definição da política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios", além de direcionar a atuação da diretoria executiva (arts. 10 e 19).

Nesse contexto de quase absoluta primazia do Estado, o dever fiduciário do patrocinador é ainda maior. É certo que, nas hipóteses de desequilíbrio atuarial ordinárias, as responsabilidades são conjugadas, não somente por mandamento constitucional, mas por expressa previsão legal (art. 202, CF/88 e art. 21, LC 109/01). Todavia, na hipótese de desequilíbrio decorrente de fraudes variadas na gestão dos recursos garantidores, o mesmo art. 21 da LC 109/01 prevê a necessidade de "ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar".

No caso concreto das entidades de previdência complementar patrocinadas pelo governo Federal, demonstrada a má gestão e o direcionamento fraudulento de investimentos, há embasamento legal para a indenização estatal superior aos parâmetros regulares de recomposição de reservas, especialmente quando comprovada a impossibilidade de participantes de rever estratégias ilegais e equivocadas. Indenização e contribuição extraordinária são conceitos diversos. A paridade vale somente para a última.

Ainda no contexto particular dos fundos de pensão das estatais, nos cabe indagar por que a PREVIC levou tanto tempo para agir. Não é novidade mesmo para o público leigo que o POSTALIS adotou políticas de investimento questionáveis, incluindo títulos públicos de duvidosa qualidade da República Bolivariana da Venezuela, como amplamente noticiado. Além da uma organização normativa deficiente, a fiscalização estatal foi, no mínimo, incompetente.

Não é razoável ou mesmo justo que participantes e assistidos sofram as consequências dos desmandos e omissões estatais em proporção maior que o restante da população. A própria percepção de culpa aquiliana, em conjunto com a LC 109/01, já fundamenta a necessidade de recomposição das reservas exauridas por desvios permitidos pelo patrocinador, usando de suas prerrogativas na formação de políticas de investimento da entidade.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.