O alcance da base-de-cálculo previdenciária, delimitado constitucionalmente pelo art. 195, I, "a" da CF/88, sempre encerrou divergências das mais variadas. Tendo em vista o aspecto material da hipótese de incidência implicitamente previsto – prestar serviços remunerados – a questão até parece simples, pois bastaria excluir da imposição fiscal qualquer verba indenizatória. Somente a retribuição pecuniária pelo trabalho seria tributada.
Todavia, a segurança se dissipa <_st13a_personname productid="em pouco tempo. Al?m" w:st="on">em pouco tempo. Além de não restar claro, em todas as situações, o que pode ser considerado como verba propriamente salarial, é também sabido que parcelas ditas "indenizatórias", no contexto laboral e previdenciário, possuem sentido mais amplo que a clássica conceituação do direito privado, decorrente de sanção de ato ilícito ou de recomposição de patrimônio de outrem. Enfim, há uma razoável zona de penumbra na identificação das rubricas tributáveis.
A lei 8.212/91, na tentativa de lançar luzes sobre a questão, apresentou descrição abstrata da base imponível e, também, excluiu determinadas parcelas, de forma expressa (art. 22 e seguintes). Tudo isso não impediu os embates entre o fisco e contribuintes. Por exemplo, não há certeza se as exclusões de incidência do art. 28, § 9º da lei 8.212/91 são taxativas ou exemplificativas, se possuem natureza de isenção ou meramente expletivas e, ainda, se devem ser interpretadas restritivamente ou não. Em um contexto no qual as empresas bonificam empregados e dirigentes por lucros e resultados, programa de ações e ganhos eventuais, a questão assume relevância brutal.
No âmbito da Administração Pública, nota-se a acolhida de teses favoráveis ao fisco, com interpretações de clara índole arrecadatória, viabilizando a incidência sobre qualquer parcela paga, devida ou credita a pessoas físicas, salvo se expressamente excluída pela lei. Confundem-se, aqui, os valores decorrentes do trabalho – passiveis de tributação previdenciária – com os valores decorrentes do contrato de trabalho, que abarcam parcelas remuneratórias, indenizatórias e ressarcimentos em geral.
Tal medida reflete, em algum grau, a tentativa do Estado em usar a lógica da "tipicidade fechada" em seu favor, adotando premissa no sentido da tributação de todas as parcelas, salvo as expressamente excluídas em lei. A pré-compreensão é interessante, mas contraria frontalmente o texto constitucional, o qual, mesmo após a edição da Emenda Constitucional 20/98, ainda delimita a incidência a valores decorrentes do trabalho, unicamente. A referida Emenda, elaborada no Governo FHC visando aprimorar nosso modelo previdenciário, somente buscou alargar as fontes de custeio quanto a trabalhadores sem vínculo empregatício, tendo em vista o entendimento pretérito do STF de que a incidência seria restrita a empregados, pois somente estes receberiam salário (ADIN 1.102-2/DF).
Na sequência, surgiram novas teses de exclusão do salário-de-contribuição (terminologia adotada pela lei 8.212/91 para qualificar a base-de-cálculo previdenciária) das parcelas sem natureza salarial direta. Com bastante exagero, tentou-se esvaziar a incidência quase que à retribuição com liame direto e evidente ao trabalho, em posição diametralmente oposta àquela defendida pelo fisco. Aqui, além de novo erro quanto à apreciação da competência constitucionalmente estabelecida, havia o esquecimento da base tributável conectada com a base de quantificação da renda mensal de benefícios previdenciários. Quanto menor aquela, menor esta.
Após algumas idas e vindas, o STJ acabou por fixar entendimento quanto a não incidência da contribuição previdenciária somente sobre a gratificação de férias (1/3 de férias), aviso prévio indenizado e os primeiros 15 dias que antecedem o auxílio-doença (acidentário ou não)1. Todavia, os problemas estavam longe de serem resolvidos. A jurisprudência consolidada sobre as rubricas citadas, na imensa maioria, somente exclui a cota patronal previdenciária, prevista no art. 22, I da lei 8.212/91. Restaram as demais incidências, como o seguro de acidentes, o Sistema S e o FGTS.
Aproveitando-se das falhas de controle do fisco, muitas empresas simplesmente optaram por deixar de recolher todas as imposições sobre tais parcelas e, ainda, recuperar os valores pagos nos últimos cinco anos, em procedimento eufemisticamente rotulado de "compensação administrativa". Tal conduta apresenta certo grau de risco, pois ainda não é plenamente admitida pelo fisco e, mesmo quando acolhida, como o aviso prévio indenizado (SC COSIT 249/17), não implica admissão da exclusão das demais exações.
No caso particular do FGTS, a questão é ainda mais intrincada, pois o STJ tem se manifestado pela incidência em todas as rubricas questionadas, ignorando a alteração legislativa provocada pela lei 9.711/98, ao incluir o art. 15, § 6º na lei 8.036/90, no contexto da desejada unificação das bases previdenciárias e fundiárias, proporcionando a criação de documento único de informação (GFIP) e permitindo a melhor incorporação das informações de vínculos e remunerações ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Ou seja, em contrariedade à interpretação dada pelo próprio Poder Executivo, tem decidido o STJ pela incidência do FGTS sobre as mesmas rubricas admitidas como indenizatórias no REsp 1.230.957-RS2.
Neste imbróglio, surge o precedente do STF no RE 565.160, submetido ao rito da repercussão geral. O caso concreto, abordando rubricas diferentes daquelas fixadas no REsp 1.230.957-RS, acabou propiciando a seguinte tese, ainda pendente de publicação: "A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998". O precedente, data venia, pouco ajuda. Além da evidente complexidade de delimitar-se o alcance da habitualidade, parece a decisão excluir parcelas que, mesmo eventuais, tenham claro conteúdo remuneratório, como um prêmio pago uma única vez pelo alcance de meta de vendas. Mesmo quando confrontada com outras decisões emanadas da Corte, e.g. pagamento de lucros e resultados, a depender da configuração do habitual, seria possível vislumbramos até uma possível mudança jurisprudencial.
O que me parece é que tal julgamento foi possivelmente resultado de uma Corte assoberbada de encargos e sem o tempo necessário à reflexão de temas complexos. Talvez a habitualidade até possa, no limite, ser entendida como capaz de incluir toda e qualquer verba remuneratória, pois potencialmente habituais, desde que razoavelmente demonstrada sua conexão com a retribuição pelo trabalho prestado ou pelo tempo despendido. De toda forma, é forçoso reconhecer que o tão esperado precedente pouco ajudou na fixação de premissas interpretativas para as demandas ainda em andamento.
Tal debate assumirá importância ímpar em 2018, quando, finalmente, entrará em operação o eSocial para as empresas. Tal obrigação, ao fixar a necessidade de transmissão eletrônica de todas as parcelas pagas a pessoas físicas, com ou sem natureza salarial, irá expor de forma clara as empresas que já se beneficiam de forma ampliada dos precedentes judiciais. Em suma, os debates jurídicos sobre o alcance do salário-de-contribuição ainda terão forte presença nos próximos anos.
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1 REsp 1.230.957-RS.
2 REsp 1.448.294/RS, entre outros.