Porandubas Políticas

Porandubas nº 216

16/12/2009

Quanta terra....!

João Suassuna, velho coronel e líder político do Estado, pai do escritor Ariano Suassuna, perseguindo um trabalhador de seus imensos latifúndios, mandou dar um purgante de óleo de rícino, chamou dois jagunços. Sebastião Nery descreve :

- Levem esse cabra até a fronteira da fazenda. Vão os três a pé. E o purgante não pode fazer efeito em minhas terras. Se fizer, podem sumir com ele.

O homem saiu na frente dos dois capangas, andou, andou, apertou o passo, escureceu, e nada de chegar o fim da fazenda. O remédio começava a torturar e o homem suando frio e andando ligeiro. De repente, não aguentou mais, gemeu :

- Eta coronel pra ter terra !

As chances de Serra

José Serra está na galeria dos mais preparados homens públicos de nosso país. Tem condições de ganhar o pleito de 2010. Seus desafios : sustentar a boa posição nas pesquisas – em torno de 35% a 38%; estabelecer um discurso capaz de canibalizar o discurso ufanista e glorioso do lulismo; demonstrar que pode fazer um governo melhor e mais qualificado que o de seu antecessor; atrair as massas e conquistar o voto de bolsões atendidos pelo assistencialismo; sair de SP com 6 a 7 milhões de maioria para suportar a avalanche lulista no nordeste; ampliar o raio de alianças; conseguir convencer o eleitorado que o petismo está esgotado.

O alerta de Aécio

Aécio Neves pôs o dedo na ferida. Apontou a inação do PSDB. O jeito tucano de conformar-se com poucas coisas. Por acomodação. Mostrou as grandes possibilidades do partido na área da articulação política, atraindo grandes fatias do PMDB, PP, PDT e até do PSB de Ciro Gomes. Mas os tucanos parecem conformados em manter modesta aliança com o DEM e PPS. O governador mineiro, na autocrítica, sinaliza vontade de liderar esse processo. Parece tolhido pela barreira que se chama José Serra. Este não se define. Dá indicação de que quer ser candidato mas não tanto. Pode desistir. Por isso, Neves deu o brado : sua pré-candidatura à presidência não passa do mês de janeiro. Se Serra continuar indeciso, ele anuncia sua candidatura ao Senado.

As chances de Aécio

Este consultor volta a insistir na tese : Aécio Neves tem grandes possibilidades de sucesso. Pode vir a ser melhor que Serra como candidato. O governador paulista é experiente, um craque na administração de contas, é sério, organizado e tem um recall extraordinário. Seu perfil, porém, na régua do tempo, está mais próximo ao espaço da saturação. Que espaço é este ? Trata-se do território das coisas já muito conhecidas : cara, jeito, atitudes, falas, ideias. O eleitor se indaga : "de novo essa pessoa ?" Serra tem ingresso para este filme. Ou seja, seu sapato tem a sola mais gasta. E as pessoas tendem a ser atraídas por sapatos novos. Vejam o que diz Nietzsche, pela boca de seu profeta Zaratustra.

O conselho de Zaratustra

O profeta solta o verbo : "novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga : como todos os criadores, cansei-me das velhas línguas. Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas". O sistema cognitivo do ser humano procura novas combinações, novas associações, novos modelos para acompanhar o processo de evolução. É aí que entra Aécio Neves. Encaixa-se melhor em uma estrutura cognitiva cansada de "velhas línguas". As pessoas sentem-se atraídas por apelos e provocações diferentes.

"Em política quem mais grita mais arranja." (Eça de Queirós)

Dilma na mesma hipótese

Dilma Rousseff se enquadra na mesma hipótese. Ela entra na faixa da novidade. O fato de não ser conhecida trabalha a seu favor. Seu espaço será o de crescimento. Expansão do perfil, com adesões gradativas e crescimento da intenção de voto, na esteira da maior visibilidade. Não há dúvida de que o eleitor tende a considerá-la como um fator emergente, novo. E mais : quem está atrás tende a subir nas pesquisas; quem está muito adiante, tende a cair.

Dilma e Aécio, as diferenças

Agora, vamos às diferenças entre os dois perfis. Dilma é ministra de Estado, mas nunca governou um Estado. Nunca teve um voto na vida. Não passou pela vida parlamentar. Nesse momento, a experiência conta. Principalmente quando inserida no contexto de um perfil jovem como o de Aécio Neves. Dilma, ademais, é a sombra de um conceito, o lulismo. Sombra. Ou seja, ela não é Lula. E Lula não conseguirá derramar caminhões de votos em sua direção. Será apresentada como a mãe do PAC, com capacidade gerencial etc. Mas não tem carisma. Já Aécio, de muitos sorrisos e abraços, exibe certo carisma.

Comparações

Situemos, agora, os universos em que ambos se inserem. Dilma, que começa a aparecer de vermelho nos filmetes de propaganda partidária, é a extensão do PT. Ora, esse partido continua a querer dividir o Brasil em duas alas : o lado do bem e o lado do mal. O lado do bem é o dele. A banda do mal é a dos outros. O PT continua a querer fazer a guerra dos pobres contra os ricos. Uma divisão que não combina com o espírito do tempo. Trata-se de uma visão retrógrada, ultrapassada. Os petistas parecem dizer : nós somos os melhores, os mais próximos a Deus; vocês, os piores, são filhos de Belzebul. Ora, esse discurso afugentará amplos contingentes dos espaços centrais da pirâmide. O ar de vestal do PT não mais atrai.

"A missão do jornalista é principalmente indagar e tocar o dedo na corpulência da administração e da sociedade o ponto em que a inércia principia a produzir o apodrecimento." (Eça de Queirós)

Articulação

Mais ainda : o governador mineiro teria grandes condições de reunir em torno de si um formidável conjunto de forças políticas. Dilma, ao contrário, não tem força agregadora. Quem promove a agregação – artificial – em torno dela é o patrocinador Luiz Inácio. Resumo do argumento : Aécio Neves tenderia a crescer; Serra tende a cair. Dilma sinaliza derrota no enfrentamento com Aécio, mas abre boas perspectivas de vitória ante o governador paulista.

E Serra ?

Conta com uma garantia : a reeleição em SP.

E Alckmin ?

Se for candidato ao governo, tem ótimas chances, porquanto o PT continua estigmatizado em SP. Mas se Serra vir a concorrer ao governo, Alckmin não teria muita dificuldade de garantir vaga no Senado.

E o melhor do PT ?

Já o melhor candidato do PT, em SP, para disputar o governo é o prefeito Emidio de Souza, de Osasco. Que faz uma boa administração.

Lula, o performático

Luiz Inácio foi para o show final de Copenhague no momento em que o Brasil lidera o ranking de países com melhor conceito no campo da sustentabilidade. A nota alcançada pelo país foi a mais alta : 68. Os EUA estão oito pontos abaixo da última posição no ranking. Lula deverá fechar posições avançadas. Se conseguir uma negociação, fechará o ano com mais aplausos. Queiram ou não, Lula é o presidente brasileiro mais aplaudido no exterior em todos os tempos.

Cristal trincado

Lula desfechou um tiro na cúpula do PMDB com sua ideia de lista tríplice para Dilma escolher o vice de sua predileção. Lula quis sugerir o nome de Henrique Meirelles. Que jamais seria escolhido pelo PMDB, ele que é cristal novo no partido. Lula acha que pode fazer tudo, inclusive dizer aos partidos o que estes devem fazer. Pois bem, Lula trincou o cristal com a acidez de sua boca. A desconfiança do PMDB subiu no telhado.

Uma pedra no caminho

A agressão ao primeiro ministro italiano teve o condão de torná-lo vítima. Direita e esquerda condenaram o ato insano que deixou Berlusconi com dentes e osso do nariz quebrados. Passará alguns dias no hospital recebendo solidariedade. Na política, uma pedra no meio do caminho pode ser a salvação do percurso. Berlusconi, convenhamos, estava com imagem muito desgastada.

Propaganda enganosa ?

Este consultor ficou assustado com a manchete : 70% das campanhas publicitárias têm problemas. Que coisa incrível. O Brasil é, reconhecidamente, uma das mais qualificadas praças da propaganda mundial. A genialidade brasileira é premiadíssima. Temos alguns dos mais criativos profissionais de propaganda do mundo. E agências poderosas e com ramificações internacionais. Muito bem. Agora, expliquem. Por que nossas campanhas publicitárias vendem engodos ? Por que são consideradas enganosas ? Com a palavra, meus amigos publicitários.

Lula, o poste e o patrocínio

Primeiro, Dilma já não é um poste. Quem, a essa altura, tem 20% de intenções de voto, já saiu daquela classificação. O que sugere nova pergunta : Luiz Inácio tem condições de transferir votos para Dilma ? Respondo com a eleição chilena, que mostra semelhanças com a nossa. Bachelet, a presidenta, tem cerca de 80% de aprovação, índice próximo ao de Lula. Seu candidato, Eduardo Frei, que integra a Concertación, ficou em segundo lugar, bem atrás do conservador Piñera, um bilionário. Vai disputar o segundo turno. Tudo indica, porém, que Bachelet não conseguirá fazer seu sucessor. Tragam o exemplo para cá.

E o esgotamento ?

Alguém poderá objetar : no Chile, o governismo da Concertación se esgotou. O sistema está há 20 anos no poder. Exauriu-se. É verdade. Esta pode ser boa explicação. E, por aqui, o PT terá, ao final do governo Lula, apenas 8 anos no poder. Mas não se pode considerar a questão da identidade. O PT perdeu sua identidade. Virou um partido igual aos outros. Mas ainda se acha vestal. Pode ser que 8 anos sejam suficientes para esgotar a vida útil de uma sigla no centro do poder.

Sobrevida

Os governantes fazem o possível e o impossível para alterar a dinâmica da política. José Roberto Arruda é o mágico de plantão. Depois dos vídeos devastadores que mostraram a farra do mensalão no DF, a conclusão geral era de que Arruda seria ARRUinado. Não é que conseguiu uma sobrevida ? Vitamina : uma injeção de milhões na folha. Cooptação pelo bolso.

168 milhões de telefones

Pois é, todos os telefones do Brasil podem ser grampeados. Quem deu a licença para tanto foi o juiz Marcio Milani. Está dito no blog do Lauro Jardim. Ele mesmo, o juiz, colocou seu telefone sob o império do grampo. Inacreditável. No Brasil, o mundo ficcional é real.

Terceirização e pacto

O presidente da Câmara Federal, deputado Michel Temer, recebeu dirigentes do Fórum Permanente em Defesa do Empreendedor, coordenado pelo diligente José Maria Chapina Alcazar, presidente do SESCON-SP/ASCON. Em pauta, dois projetos : 4302/98, que trata da terceirização; e o famigerado projeto que sugere mudanças na lei de Execuções Fiscais. O projeto em tela, que integra o II Pacto da República, tenta criar a figura da execução prévia, ferindo a norma constitucional e proporcionando um dos mais violentos atentados contra os direitos dos contribuintes. Em relação à terceirização, Michel sugeriu reuniões, em janeiro, para se chegar a um acordo sobre dois aspectos : responsabilidades solidária e subsidiária. Quanto ao segundo, o Fórum vai providenciar um parecer sobre sua inconstitucionalidade.

Protógenes

Protógenes Queiroz acaba de ganhar um emprego. Será o Assessor de Segurança para a Copa de 2014. Coordenará o mapa da segurança nos estádios. Ele é do PC do B. Foi nomeado pelo ministro Orlando Silva, do Esporte. Protógenes deverá ser candidato a deputado pelo partido. Pensou em ser candidato a senador. Não teria chances. Como candidato a deputado, pode ser puxado pela votação a ser obtida pelo bom ministro Orlando.

Oportunidade perdida

O STF perdeu mais uma oportunidade para fazer história. Ao decidir o recurso do Estadão contra a censura, a mais alta Corte do país, pela maioria de seus membros, preferiu o caminho dos detalhes técnicos. A tecnicalidade venceu a essência. A curva fechou a reta. Ayres Britto, Celso de Mello e Cármen Lúcia deram votos mais condizentes com o espírito do tempo.

Ensinando cavalo a voar

O sultão (da Pérsia) havia condenado à morte dois homens. Um deles, sabendo o quanto o sultão apreciava o seu garanhão, ofereceu-se para ensiná-lo a voar em um ano, em troca da sua vida. O sultão, imaginando-se como o único cavaleiro de um cavalo voador do mundo, concordou. O outro prisioneiro olhou para o amigo sem acreditar. "Você sabe que cavalos não voam. Que ideia louca foi essa ? Você só está adiando o inevitável." "Não tanto", disse o primeiro prisioneiro. "Na verdade, eu me dei quatro chances de liberdade. Primeiro, o sultão talvez morra neste ano. Segundo, talvez eu morra. Terceiro, o cavalo talvez morra. E quarto... quem sabe eu ensino o cavalo a voar !" (A arte do poder, R. G. H. Siu, 1979)

Conselho aos congressistas

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na edição passada, o espaço foi destinado aos patrocinadores de pesquisa. Hoje, volta sua atenção aos congressistas :

1. Aproveitem o recesso de fim de ano, o convívio com os familiares e as bases para captar a alma das ruas.

2. Apurem as demandas, expectativas e anseios de suas comunidades.

3. Transformem a argamassa extraída do pensamento social em ações. E ganhem força para enfrentar o maior de todos os projetos : a reforma dos costumes políticos, a reforma política.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.