O Senhor no céu nos vigia
Elias Fernandes, deputado estadual do RN, visitava com frequência a região do alto oeste do Estado, onde está a cidade de Pau dos Ferros, onde nasceu. Certo dia, foi assediado – como, aliás, os políticos nordestinos – por Zé de Eraque (José de Heráclito), muito conhecido na cidade, em busca de um "adjutório", geralmente um pedido de emprego, dinheiro, passagem de ônibus, cestas básicas, internação em hospitais etc. Mas Zé só queria dinheiro, aliás, uma grana mais pesada para aumentar a casa.
- Doutor, preciso que o senhor me arranje uns 100 mangos.
O momento nacional favorecia Elias. Era o ano de 1999. A lei 9.840, de iniciativa popular, com mais de um milhão de assinaturas, aprovada pelo Congresso Nacional, proibia qualquer espécie de corrupção – a partir da compra de votos. Um clima de medo tomou conta do país. Candidatos e políticos valiam-se do novo instrumento para se safar da escalada de pedidos. Sem saber se conseguiria enrolar o eleitor, o deputado chamou-o para um canto e confidenciou :
- Zé, agora não posso mais dar dinheiro. Os juízes estão atentos. Pegam qualquer político que dê dinheiro ao eleitor. Se me pegarem, você não vai ver mais seu amigo como deputado. Vão cassar o meu mandato.
O eleitor, cara de cúmplice, piscou o olho e cochichou no ouvido do deputado :
- Dr. Elias, não tem ninguém vendo a gente. Pode ficar tranquilo. Não tenha medo. Me dê esse dinheirinho.
E já esperava que o deputado enfiasse a mão no bolso, com a bela sacada de resposta, quando Elias, matreiro, puxou ainda mais para perto Zé de Eraque e, com voz macia e quase inaudível, falou, sério, olhando para o alto e apontando para os céus :
- É, mas Ele está observando nós dois. O Senhor, lá de cima, está nos vigiando. Ele também vigia o cumprimento das leis. Não posso cometer esse pecado, Zé. Vamos direto pro inferno. Nós dois.
E assim, como praticante do preceito dos céus, religioso como nunca, batendo nas costas do eleitor, prometeu que, em futuro próximo, quando as tais leis ficassem menos rigorosas, ele, seguramente, iria ajudar o amigo e a toda a sua família. Zé de Eraque, mesmo contrariado, meio desconfiado, saiu de fininho. E foi fazer a tentativa em outra freguesia.
Babel em São Paulo
Marta Suplicy nem esperou Lula chegar do tour pelo exterior para avisar : o PT vai construir uma candidatura ao governo de São Paulo. E Antônio Palloci é o melhor candidato. Lula não quer antecipar o jogo. Porque pretende avaliar melhor os potenciais de Ciro Gomes. Gostaria que o cearense de Pinda fosse candidato ao governo, o que deixaria o PT como refém do PSB no maior colégio eleitoral do país. Ciro, por sua vez, lutará para ser candidato à presidência da República. Mas sua candidatura poderá fraquejar, a depender, claro, de Lula.
"Todas as artes produziram maravilhas, exceto a arte de governar, que só produziu monstros." (Saint Just – 1767/1794, um dos jacobinos da Revolução Francesa)
Quais as chances ?
Ciro Gomes não conta com nenhuma possibilidade de se eleger governador de São Paulo. Apesar de ser natural do Estado, Ciro é um estranho à vida política paulista. Usou os palanques políticos que frequentou até hoje para tocar fogo no perfil de políticos, governantes e até na vida social e econômica do Estado. Este consultor atesta : se ele tem prestígio pelas bandas nordestinas, é detestado por fortes contingentes desta unidade federativa. Ciro é considerado bala de canhão para atacar os tucanos paulistas, a partir de José Serra e Fernando Henrique. A fama de canhoneiro de plantão é péssima para ele.
Marta tem razão
Marta Suplicy comete muitos erros. Desta feita, porém, acerta em cheio : a candidatura Ciro Gomes não tem nada a ver com São Paulo. É o que ela diz. Os petistas não gostariam de permanecer na linha secundária do PSB em São Paulo. Até porque o PSB terá um discurso enviesado com o ingresso de Paulo Skaf. Este consultor já brincou que, de socialista Skaf tem apenas o 'S' que se vê acentuadamente quando se observa a curva de seu nariz. Skaf tem o direito de querer ser candidato. É boa praça. Trata-se, aliás, de pessoa competente e que tenta dar um sopro novo à FIESP. Mas, na hora certa, escolheu o partido errado. PSB ? Por quê ? Começa a ser objeto de gozação.
Erundina e Skaf
Ver Ciro, o turrão, ao lado do socialista Skaf, sob o olhar de um perfil sério e admirado, como o de Luiza Erundina, será um exercício que não passará despercebido a ilustradores e cartunistas.
O rumo do vento ?
Meu pai, de quem herdei nome e sobrenome, já dizia : "Ninguém consegue mudar o rumo do vento. Nem paredões de cimento". O vitorioso na política está sempre no rumo do vento. Não o contraria. Sob pena de ser arrastado pelo tufão. Há pessoas que não conseguem enxergar (ou sentir) para onde vai o vento.
Freud e a política
Para quem quiser entender a política e o comportamento das massas, vale a pena ler este pensamento de Freud : "a maioria dos humanos sente a imperiosa necessidade de uma autoridade que possa admirar, diante da qual se possa inclinar e que a domine e por vezes até a maltrate. A psicologia do indivíduo nos informou de onde vinha essa necessidade coletiva de uma autoridade : ela emana da atração pelo pai. Todos os traços de caráter com que pretendemos adornar o grande homem são traços peculiares ao personagem paterno. Firmeza de ideias, força de vontade, ação resoluta, isto faz parte da imagem paterna." César ? Cromwell ? Bonaparte ? De Gaulle ? Hitler ? Vargas ? Perón ? E Lula, hein ?
Polarização
Em São Paulo, é bem provável a continuidade da polarização entre PT e PSDB. José Serra faz um governo bem avaliado. E simboliza os compromissos do Estado na moldura federativa. O PT fará o possível e impossível para colocar os feitos nacionais de Lula na agenda paulista. Por isso, a polarização entre as duas siglas é muito previsível. Mas o PT não poderá deixar de ter candidato em seu berço histórico. Seria a negação de que fracassou no território que continua a ser o carro-chefe da Federação.
Palloci e os outros
O empresariado paulista, vale reconhecer, admira Antônio Palloci como o arquiteto da construção econômica do governo Lula durante o primeiro mandato. O episódio do caseiro Francenildo não borrou a imagem do deputado junto aos meios empresariais. Mas o deputado teme o resgate daquela questão e a fixação da lupa midiática sobre o passado. Não decidiu, ainda, o que fazer. Marta Suplicy continua sendo a mais "fragmentada" entre os petistas com viabilidade. Já o senador Eduardo passou a ser uma espécie de massa pasteurizada. Sua coloração ficou desbotada. Emídio de Souza, prefeito de Osasco, lapidou a imagem de experiente e articulador. Porém, sem o estofo de Palloci.
Rio em festa ?
O Rio de Janeiro viverá anos de intensa atividade na área esportiva. Não se trata apenas de fazer as obras planejadas para as Olimpíadas de 2016. Trata-se de convocar o empresariado, mobilizar as lideranças, reestruturar sistemas e métodos, adequar estruturas, ou seja, reordenar a gestão no campo dos esportes. Trata-se de mudar mentalidade. Evitar erros do passado. Enterrar o grupismo e os favorecimentos. Permanecer sob intensa lupa da mídia, que deverá monitorar os fluxos operativos. Sérgio Cabral e Eduardo Paes, governador e prefeito, não serão apenas sorrisos.
Serra proativo
Desta feita, José Serra não dormiu no ponto. Bastou o Rio ser escolhido como sede da Olimpíada de 2016 e Serra saiu com um artigo no jornal "O Globo", dando parabéns ao feito, defendendo a tese de que o Brasil é quem ganha com a vitória carioca e que, ele, governador, estaria na linha de frente para integrar as energias e esforços em prol do empreendimento. Marcou um tento.
Dilma nas igrejas
A campanha de Dilma deixa, por alguns dias, o palanque das obras do PAC para ganhar os espaços sagrados dos templos evangélicos. Nos últimos dias, viu-se dona Dilma, contrita e silente, ouvindo perorações religiosas. Se é descrente, ficou calada. Se é ateia, dela não se ouviu um pio nessa direção. Teria aprendido com lições do passado ? Fernando Henrique, provocado por Boris Casoy, confessou ter dado ligeira tragada em um cigarro de maconha. O que lhe valeu o epíteto de "maconheiro", nele pregado de maneira indissolúvel pela boca venenosa do gênio Jânio Quadros.
Tempos de Jânio
Nessa época, este consultor presenciou alguns erros cometidos por Fernando Henrique, que disputava com Jânio a prefeitura da capital. Jânio, sem grana e sem recursos, refugiou-se em um dos estúdios da TV Record, na avenida Miruna, em Moema, de onde fazia perorações duras (e sem efeitos televisivos) contra a bandidagem e a violência que assolavam a capital. Dona Eloá, ao seu lado, com o olhar para chão, doente e vestida de maneira simples, não dizia um pio. Fazia o papel de esposa silenciosa. Ao lado de um perfil que emanava autoridade, respeito, dignidade. Fernando Henrique, vestido em seu terno xadrez, corria a periferia, gravando para o programa eleitoral entre os trilhos do metrô que deveria chegar à Zona Leste. Simplicidade e austeridade, de um lado; fausto e opulência, de outro. Algo era incongruente. Um schollar na periferia ? Um popularesco escondido na TV ?
Dissonância
Parecia um exemplo de dissonância cognitiva. Mas a TV chegava aos ouvidos atentos de eleitores que queriam o combate direto á bandidagem.
FHC e a cadeira
Fernando Henrique, com absoluta certeza de que ganharia a eleição, tomou assento na cadeira de prefeito antes mesmo do resultado do pleito. Jânio ganhou. E, com um gesto espetacularizado, dedetizou o ambiente.
PDT vai de quem ?
O PDT movimenta-se em torno de Ciro Gomes. Acena publicamente com o interesse de ocupar a vaga de vice. O nome : Carlos Lupi, o ministro do Trabalho. Pura encenação. O PDT vai para onde Lula determinar. E o mais provável é um fechamento incondicional em torno do nome de Dilma Rousseff.
E o Chalita, hein ?
E o Gabriel Chalita, hein ? O PSDB da capital acaba de entrar com recurso no TRE pedindo de volta o cargo de vereador, que Chalita deu de bandeja ao PSB. Questão seguinte : mais de 30 parlamentares trocaram de partido, nos últimos dias, apesar da proibição para fazê-lo. O mandato, conforme interpretação do TSE, pertence aos partidos e não aos candidatos. O partido que se sentir traído poderá pedir o cargo de quem elegeu e dele saiu. Afora o caso de Chalita, mais dois ou três casos serão objeto da justiça eleitoral. Quem aposta que o mandato será devolvido ao partido ? Eu não aposto.
A pomba com sede
Uma pomba acossada pela sede, ao ver uma taça de água pintada num quadro, pensou que era verdadeira. Desceu com impetuosidade, chocando-se contra o quadro. Quebrou as pontas das asas, caindo por terra e sendo agarrada por alguém. Moral da história : certas pessoas, arrebatadas pela violência das paixões, aventuram-se de maneira irrefletida nos empreendimentos, correndo, sem o suspeitarem, em direção à sua própria ruína. Esta breve fábula de Esopo é um alerta a políticos, aventureiros, oportunistas e quetais... Eis o conselho deste escriba e consultor político. Cuidado : vivam cada átimo de segundo, dando ao tempo o seu ciclo de vida. Sem estrangulamentos. Cada coisa no seu lugar e em seu devido fuso horário.
PMDB articula
Hoje à noite, o líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, reunirá a cúpula do partido para articular a antecipação da aliança com o PT. A ideia que move integrantes da cúpula é evitar a debandada de peemedebistas, caso a aliança seja protelada para o primeiro trimestre de 2010. Ao contrário do que se pensa, Michel Temer não reivindica a vaga de vice. O que ele e seus correligionários querem é garantir ao PMDB a vaga de vice para o partido. Nesse sentido, a vaga poderia ser ocupada, por exemplo, por Henrique Meirelles, o neopeemedebista de Goiás.
Lista suja : primeira ou segunda instância ?
Mais um projeto de iniciativa popular chega à Câmara dos Deputados, assinado, desta feita, por cerca de 1,3 milhão de eleitores. Trata-se da ideia de evitar a candidatura de pessoas condenadas pela justiça. É evidente que o projeto vem na linha do expurgo da metástase que ameaça assolar todo o corpo político. É saudável. Ocorre que a condenação, em primeira instância, pode embutir ações persecutórias de adversários e/ou inimigos políticos. Muitos juízes de primeira instância são aliados de grupos e famílias locais. Nesse sentido, este consultor concorda com a ideia de que a proibição de candidaturas – ficha sujas - passe pelo crivo da segunda instância, onde um colegiado, de maneira plural, é quem pode proferir um julgamento menos sujeito à suspeição.
Conselho aos petistas
Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na edição passada, o espaço foi destinado aos novos vereadores. Hoje, volta sua atenção aos petistas de São Paulo :
1. Façam uma pesquisa em profundidade para avaliar potenciais e qualidades de seus quadros.
2. Duas pergunta centrais : por que a maior rejeição ao PT está em seu Estado de origem ? Por que fortes contingentes da classe média continuam sendo imenso paredão contra as pretensões do PT em SP ?
3. Analisem prós e contras a respeito da equação : sair ou não com um candidato petista ao governo de SP ? Qualquer que seja o resultado, a união dos grupos é fundamental para qualquer projeto de poder em São Paulo.
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