Começo com um "causo" pernambucano.
Perspectivas
Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em um contexto de crise? Confesso que não sei responder. Mas uma historinha do Sebastião Nery, que nos deixou, há pouco tempo, pode ajudar a responder:
Luís Pereira, pintor de parede, dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta abrupta:
– Deputado, como vai a situação?
Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, tascou:
– As perspectivas são piores do que as características.
Pois é, a esta altura, tem muito Luís Pereira perorando por aí...
- Parte I – As eleições
O arco ideológico
Abro meu olhar para o arco ideológico (depois de uma cirurgia de catarata, dá até para ver detalhes). Vejo o Brasil sendo puxado para o centro da esfera ideológica, que tem sido a posição mais condizente com a índole do seu povo. O território, de dimensão continental, não se divide em blocos e divisões profundas e tem, ao longo de sua história, procurado fixar em seu chão os pilares democráticos, mesmo sob o padecimento de tempos obtusos, os anos de chumbo, em que militares tentaram impor os grilhões da ditadura.
A centro-direita
O posicionamento do Brasil no centro é o primeiro grande recado sinalizado pelo eleitor. Um aceno ao bom senso. Nada de extremos. Nada de guerras movidas à ódio. Os nossos trópicos ainda são propícios à serenidade. Os nossos sentimentos são impregnados da chama do civismo, do respeito ao próximo, ideia com a qual alguns podem não concordar. A centro-direita dá a entender que o eleitor quer diminuir a taxa de violência, comum aos extremos, e vestir o manto de valores do passado com suas tradições, a defesa da família e tudo o que ela encarne.
A direita
A direita, e mais para o final do arco, a extrema direita, é o abrigo de conteúdos mais conservadores, o que denota pontos muito polêmicos, como a intransigência, um tiroteio intenso e ininterrupto de acusações entre grupos e alas, que abrem fissuras no tecido social. Pois bem, a direita e a extrema direita, pela mensagem dada nas urnas pelo eleitor, ganharam um puxão de orelhas e um aviso: cuidado, senhoras e senhores, não ultrapassem as regras do bem viver. Bolsonaro não conseguiu eleger seus candidatos, com destaque para as derrotas em Goiânia, onde o empresário Sandro Mabel, apoiado pelo governador Ronaldo Caiado, ganhou o pleito. E no Paraná, a candidata bolsonarista-raiz, Cristina Graeml, perdeu para o candidato Eduardo Pimentel, apoiado pelo governador Ratinho Jr. e pelo prefeito de Curitiba, Rafael Greca.
A esquerda
Da mesma forma, a esquerda e, na extremidade do arco do pensamento social, a extrema-esquerda, também receberam o recado: calma, lá, não avancem o sinal. Andemos, que atrás vem gente, mas sem correrias e atropelos. Sem devassas nem depredações. Cuidado com os aventureiros e oportunistas. A esquerda, aqui e alhures, se refugia na sombra da social-democracia, um canto ideológico em que o Estado até pode intervir no mercado, mas sem derrubar os eixos da liberdade de pensar, agir e empreender. O fato é que a esquerda recuou alguns metros na régua, cedendo espaço a uma direita, mesmo que esta apresente rachas.
Os partidos - PSD
Um conjunto de partidos ganha os louros da vitória eleitoral. Com destaque para dois: o PSD e o MDB. São partidos que cravam estacas no centro, mesmo que o primeiro, comandado pelo hábil articulador, Gilberto Kassab, tenha herdado a sigla do velho PSD d'outrora, que acolhia os grandes fazendeiros, hoje alojados na moderna expressão do "agro-business". Kassab leva o PSD para o centro e pelo fato de ter conseguido eleger o maior número de prefeitos da legenda, pode ser apontado como o grande vencedor das eleições. Sua sigla governará a maior população, com 35,3 milhões em 887 municípios.
MDB velho de guerra
Uma volta ao passado. O PMDB, que riscou de sua sigla o P de partido, voltando a ser o velho MDB de guerra, tinha uma feição progressista nos tempos em que abrigava Franco Montoro, Mario Covas, Freitas Nobre, Fernando Henrique e o comandante da CF de 1988, Ulysses Guimarães. Perdeu esses quadros para o PSDB, da social-democracia brasileira. Nas eleições gerais de 1986, em 15 de novembro (sábado), votaram 69.166.810 eleitores num pleito disputado em meio à euforia causada pelo Plano Cruzado. A porfia resultou em uma vitória quase unânime do PMDB que fez 22 governadores em 23 possíveis e fez a maioria dentre os 49 senadores eleitos, 487 deputados Federais e o maior número dos 953 deputados estaduais, tendo sido a última vez na história que um partido obteve maioria absoluta no parlamento brasileiro, dispensando a necessidade de uma coalizão. Pela primeira vez na história o Distrito Federal elegeu sua representação política. Os eleitos comporiam a 48ª legislatura (1987-1991) e ficaram responsáveis pela elaboração da Constituição de 1988 em Assembleia Nacional Constituinte.
No Centrão
O MDB volta ao cenário com a sacola eleitoral cheia de votos. O novo mapa político do Brasil, com alguns partidos conseguindo uma presença mais abrangente que outros, mostra o PP e o MDB se destacando, ao eleger prefeitos em todos os 26 Estados brasileiros, demonstrando uma capilaridade nacional impressionante. E vão estar ao lado do PSD de Kassab, que ostenta a medalha de partido com o maior número de prefeituras. Por mais que alguém não concorde com a posição descrita por este escriba lhe carimba, localiza-se no Centro a posição do atual MDB, que elege, pela primeira vez, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e vai governar 855 municípios, mais que os 792 eleitos em 2020. E mais: conseguiu eleger 8.100 vereadores, o maior número por partido.
PL
Já o PL, de Bolsonaro, foi o mais fracassado do segundo turno. Apenas seis dos 22 candidatos do PL no segundo turno foram eleitos.
PT
O PT perdeu vergonhosamente as eleições. Deixou de fazer prefeitos em alguns Estados, entre os quais, o ES, o MS e o MT, em RO, RR. Fez apenas 4 prefeitos em SP, dois no PA, três no PR, sete em PE, três no RJ, três em TO, sete no RN. Em São Paulo, o PT caiu do cavalo, perdendo votos até em seu berço, o ABC paulista. O PSOL limpou toda sua ficha. Não tem praticamente ninguém, após a derrota de Guilherme Boulos em SP, capital, por mais de um milhão de votos.
- Parte II
Raspando o tacho...
- No pódio, os grandes vitoriosos: o governador Tarcísio de Freitas, que abre caminho na vereda de 2026, em direção ao Palácio do Planalto; Gilberto Kassab, que comanda um partidão, o PSD, e Ronaldo Caiado, que também abre frestas na vereda do futuro.
- Na lanterninha, os grandes perdedores: Lula e Bolsonaro. Ambos não entregaram resultados positivos. Esconderam-se. Lula ainda teve a justificativa – uma queda grave no banheiro. Bolsonaro saiu da reta desde o ciclo raivoso e beligerante de Pablo Marçal.
- A polarização ficou quilômetros de distância. Presente apenas nos grandes centros. Os ícones Lula e Bolsonaro se afastaram das campanhas, atenuando a polarização.
- A periferia deu um grande recado: não tem compromisso com a esquerda. Em São Paulo, votou em Ricardo Nunes. Boulos recebeu os votos de setores mais do topo da pirâmide.
- O jornalista Luiz Datena fechou as portas da política. Mas... a política é cheia de imprevistos.
- A conscientização política foi maior no pleito. Abstenção alta e voto nulo são formas de protesto. E denotam conscientização.
- Lula viu que não será fácil botar sua tropa na campanha de 2026.
- Bolsonaro viu que não será fácil ganhar a anistia para seu caso de impedimento. As portas de 2026 serão muito estreitas para ele.