Porandubas Políticas

Porandubas nº 862

discute o cenário político no Brasil após as eleições municipais, destacando uma vitória da democracia e a participação consciente dos eleitores.

9/10/2024

Comecemos com um caso hilário, da verve do mestre Leonardo Mota.

I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum

O mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; se a queixa era da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis... O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido:

- Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro?

- Você não sabe não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque...

A democracia avançou

A batalha ocorreu, sem acidentes trágicos, registrando apenas escaramuças ligeiras e leves escoriações. O Brasil sai do primeiro turno das eleições com a democracia ecoando um hino de vitória. O eleitor foi às urnas mais consciente de sua responsabilidade do que em anos anteriores. A abstenção alta ocorreu em uma ou outra capital, sendo, na média, menor do que a de 2020. O perigo de um "amalucado" ganhar a cena foi afastado. O eleitorado deu importantes recados. Analisemos.

Micropolítica

A política das questões locais emergiu com força. O asfalto, os buracos nas ruas, o posto de saúde, a segurança pública (mesmo se sabendo que esta área é de competência dos Estados), a educação de qualidade, ganharam fôlego e balizaram as pautas dos candidatos. O debate ideológico se restringiu a um ou a outro território, não tendo força para empanar a pauta local. O eleitor demonstrou maturidade e pragmatismo.

Os partidos vencedores

Os partidos do Centrão levaram a melhor. O PSD do Kassab fez o maior número de prefeitos. Superou o MDB, cuja liderança como maior partido, desde a era Sarney, em 1986, mostrava seu poderio no interiorzão do país. Ainda assim, o MDB continua grande. O PL avançou em sua trajetória de crescimento. O mesmo pode se dizer de outros como o União Brasil.

Brasil à direita

Com a força dos partidos de centro e centro-direita, pode-se ver o país em forte inclinação à direita e um refluxo no trajeto à esquerda. Esse fenômeno carece de uma explicação. Há décadas que o país caminhava na trajetória da esquerda, embalado pelo lulopetismo e por ajuda de núcleos progressistas, como os do PSDB. O partido tucano quase vira pó. Diminuiu de tamanho.

Brasil progressista

Como se viu, esses núcleos refluíram, com exceção de enclaves do PSB, garantidos pela estrondosa vitória de João Campos, em Recife, e da resiliência do eleitorado de Tábata Amaral, em São Paulo, que saiu maior do que entrou. Seus quase 10% dos eleitores, mesmo sabendo de sua derrota no cômputo geral, votaram nela com convicção. Alckmin, nosso vice presidenta da República, deve envidar esforços para adensar a sigla.

PT, acautele-se

Um duro recado foi dado ao PT. Com exceção de São Paulo, onde Guilherme Boulos, do PSOL, teve o apoio petista, o partido dos Trabalhadores amargou pífios resultados em outros espaços. Pode-se também colocar com um caso de vitória a chegada da deputada Natália Benevides, ao segundo turno, para disputar com Paulinho Freire, deputado do União Brasil, a prefeitura de Natal. Lula, por seu lado, não agregou muito ao ingresso de Boulos ao segundo turno em São Paulo. A alta rejeição de Pablo Marçal (mais de 50%) foi um fator determinante para a entrada de Boulos no jogo do segundo turno.

Um veto ao lulopetismo

Quem vê a influência de Lula na alavancagem de Boulos precisa enxergar o outro lado. O PT não conseguiu limpar a pecha de entidade exclusivista, que se acha o suprassumo da ética e da honradez. Tanto que o slogan, Nós e Eles, ainda caracteriza atos do partido. Nós, os bons, Eles, os maus. O PT perde inclusive suas bases no ABC paulista, seu berço. Portando, existe um sentimento negativo em relação ao lulopetismo. O recado foi dado.

Falta de sangue novo

Ademais, faltam ao PT novos líderes. O sangue é velho. Quem são as novas lideranças? Sob a sombra de Lula, o mandachuva, não brotaram lideranças novas. O presidente até passa a impressão de querer se perpetuar no mandonismo petista. Fernando Haddad pode ser o candidato em 2026? Há uma ala do partido que não endossaria sua candidatura.

Tarcísio, o vencedor

Quem sai brandindo a espada de vencedor é o governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, que, desde a primeira hora, esteve ao lado de Ricardo Nunes, do MDB. O governador contará com a lealdade de Nunes, segundo se pode sentir, para voos mais altos em 2026. Se o cavalo passar na porta do palácio dos Bandeirantes em direção ao palácio do Planalto, Tarcísio montará. Se não passar, ele vai pegar a montaria da reeleição. Conta com um fiel escudeiro, o vencedor da eleição, Gilberto Kassab.

Centrão dando as cartas

No Congresso, veremos um Centrão revigorado com sua boa votação para as prefeituras, o que tornará Lula refém das posições e interesses de partidos e federações. Portando, teremos um futuro amarrado nas árvores centrais do território. O baralho estará nas mãos do conglomerado, que não deixará por menos se não obtiver recompensas à suas demandas.

Dinheiro não entregou vitórias

O dinheiro flagrado para "comprar" votos ultrapassou os recursos de campanhas passadas. Mais de R$ 20 milhões. Mas a grana não conseguiu entregar vitórias. O empresário João Pinheiro (PRTB) perdeu as eleições na cidade de Marília, em São Paulo. Pinheiro - que declarou R$ 2,8 bilhões de patrimônio, rendendo o título de candidato mais rico do país - obteve somente 3% dos votos, ficando em quinto lugar na disputa. O candidato Vinicius Camarinha, do PSDB, foi eleito com 54,73%.

Raspando o tacho

- João Campos tem futuro promissor, que passa pelo governo de Pernambuco, já governado por seu avô, Miguel Arraes, e por seu pai, Eduardo Campos.

- Tábata Amaral, namorada de João Campos, também terá amplos horizontes para conquistar. Vai longe...

- Pablo Marçal terá vida política prolongada. Quer se posicionar para 2026.

- Jair Bolsonaro deve entrar de sola no segundo turno de São Paulo. No primeiro turno, ficou na corda bamba.

- Os Tatto, que dominavam a cena política na Zona Sul da cidade de São Paulo, se deram mal na campanha.

- Milton Leite, o mandachuva da Câmara Municipal Paulistana, sai do cargo de presidente da Casa, não quis mais se candidatar, mas elegeu seus candidatos. Continuará mandando.

- Lula analisa vantagens e desvantagens de sua entrada no segundo turno de São Paulo. Teme que eventual derrota de Boulos caia em seu colo.

- Cena patética - eleitores de Marçal chorando na avenida Paulista.

- Afinal, a governadora Fátima Bezerra, do PT do RN, ajudou ou não a deputada Natália Benevides, do seu partido, a chegar ao segundo turno? O que impulsionou a subida de Benevides e a descida de Carlos Eduardo Alves?

Fecho com minha frase predileta.

O mundo gira e a Lusitana roda...

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.