Abro com uma historinha, em homenagem ao meu amigo Sebastião Nery, que nos deu adeus nesta semana.
Conversa de jardim
Manuel Ribas, interventor no Paraná (1932/1935), depois governador (1935/1937), despachava no palácio, mas gostava de morar em sua casa. Bem cedinho, chega um rapaz e encontra o jardineiro regando o jardim:
– Seu Ribas está? Sou filho de um grande amigo dele. Meu pai me mandou pedir um emprego a ele. Eu podia falar com ele?
– Poder, pode. Mas, e se ele não lhe arrumar o emprego?
– Bem, meu pai me disse que, se ele não arranjasse o emprego, eu mandasse ele à merda.
– Olhe, rapaz, passe às 4 da tarde lá no palácio, que é a hora das audiências, e você fala com ele.
Às 4 horas, o rapaz estava lá. Deu o nome, esperou, esperou. No salão comprido, sentado atrás da mesa, o jardineiro. Ou seja, o governador. O rapaz ficou branco de surpresa.
– O que é que você quer mesmo?
Repetiu a história. "Meu pai me mandou pedir um emprego ao senhor".
– E se eu não arranjar o emprego?
– Então, seu Ribas, fica valendo aquela nossa conversa de hoje de manhã, lá no jardim.
- Parte I
A síndrome do touro
Atentem para uma síndrome da contemporaneidade: a síndrome do touro, o animal que pensa com o coração e arremete com a cabeça. Tentem enxergar o modus operandi dos homens públicos. A observação aparece logo: os gestores estão agindo com o coração e arremetendo com a cabeça. Será que os protagonistas do Poder Executivo, nas três instâncias federativas não extrapolam suas funções? Será que os ministros da mais alta Corte do Judiciário, o STF, não são movidos pelo sangue do coração? E o Poder Legislativo tem legislado pela régua do bom senso?
O espírito do tempo
O espírito do nosso tempo está sendo empurrado pela ventania da raiva, do ódio, da vingança. Vejam a guerra que se alastra no Oriente Médio. Perto de 400 mortos em um dia de bombardeio de Israel no Líbano. Olhem para o conflito Rússia versus Ucrânia. Sem previsão de fim. O planeta arde em chamas. E os gestores, ao que parece, estão distantes do fogo.
Os paradoxos
Não deixa de impressionar a escalada de paradoxos da modernidade: nunca se gastou tanto em segurança pública e privada, mas os cidadãos nunca se sentiram tão inseguros; investem-se bilhões e bilhões em biotecnologia e nas mais diversas áreas da medicina para prolongar o tempo de existência do ser humano, mas o percurso de uma pessoa sobre a terra é cada vez mais um fio tênue e fragilizado pela ciclópica cadeia de problemas das cidades.
A alienação
Por momentos, ondas de civismo banham Nações, fortalecendo a consciência da cidadania, mas cresce também a letargia da alienação, decorrente do stress, dos medos, da insegurança, da falta de governos, da ausência de políticas públicas capazes de acender o entusiasmo das populações. A direita ideológica dá sinais de revigoramento. A esquerda fenece. O centro não consegue adensar seus espaços. O mundo está sem bússola.
A banalização da morte
Se no estágio civilizatório a mortandade das guerras já não causa comoção e as nações são castigadas por toda sorte de inclemência (violência, narcotráfico, desgovernos, corrupção, precária institucionalização política, montanha de impostos e tributos, perversa distribuição de renda, gente sem terra, sem teto e sem trabalho), as mortes de ricos e pobres, em pequenas quantidades ou em chacinas de final de semana, se avolumam na escalada da banalização.
O país queimando
São tão banais as chacinas que o fato de deixarem de ocorrer – isso sim – poderia gerar sensação. Por aqui, fumaça das queimadas das florestas asfixia o povo em cidades de todas as regiões, com exceção, talvez do Rio Grande do Sul, que se recupera das inundações. Lula está em Nova Iorque deitando fala sobre o "fracasso coletivo" na preservação do meio ambiente. Mas o Brasil se mostra despreparado para enfrentar a catástrofe ambiental.
De braços cruzados
E o que estão fazendo os governos? Atacando os problemas? Não, cruzando os braços à espera do governo Federal. Fala-se da infiltração do PCC na gestão pública do país e até se calculam os recursos em bilhões por ele arrecadados. Seus braços entram nos buracos das administrações. Vender o medo passou a ser um grande negócio. Descobre-se que o território está inundado pelo narcotráfico, passando da posição de corredor de drogas para o ranking dos consumidores. Pobre país.
A venda de armas
O governo quer diminuir a venda de armas, algo como tirar o sofá da sala para evitar a traição da mulher infiel. A população, como se vê, está diante de situações-limite e os governos parecem fugir à realidade. Fazem vista grossa às agressões contra o povo. E tomem imposto. A meta? Aumentar a arrecadação.
A arte de governar
Há 225 anos, o segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, fazendo uma reflexão sobre os governos, dizia que "todas as ciências progrediram, menos a de governar, que não avançou, sendo praticada apenas um pouco melhor que há quatro mil anos". O conceito se amolda a alguns dos nossos governantes. São daltônicos, confundindo cores. São insensíveis, invertendo prioridades. Agem como touros, decidindo com o coração e arremetendo com a cabeça contra as multidões.
- Parte II
Raspando o tacho
- Lula, em nome do Brasil, conforme a tradição, abriu a Assembleia Geral da ONU. Cobrou investimentos na área ambiental, pregou a necessidade de reformas na entidade, condenou as guerras em curso.
- Mas a fala de Lula não teve a repercussão de outros tempos.
- Bolsonaro corre o país, dando vazão à polarização em que figura como o rolo compressor da extrema direita. Acredita que será anistiado. E poderá se candidatar em 2026.
- Quase 600 mortos no Líbano em dois dias de bombardeio israelense.
- Assessor de Marçal dá murro em marqueteiro de Nunes. A baixaria sobe aos ringues.
- O Brasil continua a pegar fogo. Os riscos à saúde se avolumam.
- Haddad se recolheu. Sua visibilidade é menor. Qual a razão para esse low-profile?
- Lula se calou ante a elevação da Selic pelo Banco Central. Cada tempo com sua expressão.
- Kamala Harris, até o momento, é a favorita nas eleições de novembro nos EUA. Trump recuou uns pontinhos.
- Ricardo Nunes deve ir ao segundo turno em São Paulo.
- Guilherme Boulos aliviou sua imagem de invasor. Deve ir também ao segundo turno em São Paulo.
- Luiz Datena perde fôlego. Imagem não é boa. Um vacilante.
- Mulheres nas prefeituras - Apenas 32 mulheres são pré-candidatas à prefeitura nas capitais do Brasil.
- Entre os partidos, a Federação PSOL-Rede, a Federação PT-PCdoB-PV, União Brasil e Novo têm o maior número de pré-candidatas.
- Já nas capitais, o destaque fica com Aracaju/SE, que tem cinco mulheres na disputa.
Frases
Getúlio Vargas caprichava nas frases. Eis algumas que passaram a fazer parte do folclore político:
– Eu não sou um oportunista. Sou um homem das oportunidades. Se um cavalo passar encilhado na minha frente, eu monto.
– Quem não aguenta o trote, não monta o burro.
– Inimigos não sei se os tenho. Mas se os tiver, não serão jamais tão inimigos que não possam vir a ser amigos.
– A metade dos meus homens de governo não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo.
– Quase sempre é fácil encontrar a verdade. Difícil é, uma vez encontrada, não fugir dela.
– Eu sempre desconfiei muito daqueles que nunca me pediram nada. Geralmente os que sentam à mesa sem apetite são os que mais comem.
– Os políticos olham muito o passado, se esquecem do presente e, principalmente, do futuro. Mas é perigoso este cacoete, pois quem muito olha para trás acaba torcendo o pescoço.
Raspo o tacho com a lembrança.
- O mundo gira e a Lusitana roda.