Voltando
Porandubas, minha coluna de notas sobre a conjuntura, volta depois de um recesso. Tive que enfrentar problemas com a mecânica e a funilaria do meu possante caminhão, que demandaram instantes de paciência e dor. Lubrificado, engrenagem ajustada, estou pronto para subir com ele a ladeira de esperanças renovadas. O que começo a fazer com o empurrão de vocês, ao ler essas notas.
As perspectivas
Abro com uma engraçada historinha.
Perspectivas
Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em um contexto de crise? Confesso que não sei responder. Uma historinha do Sebastião Nery sobre perspectivas pode ajudar a responder.
Luís Pereira, pintor de parede, dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta abrupta:
– Deputado, como vai a situação?
Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, tascou:
– As perspectivas são piores do que as características.
Pois é, a esta altura, tem muito Luís Pereira perorando por aí...
Almeida e a crise
Pelo que se lê, aqui e ali, o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, vinha perpetrando suas peripécias de assédio sexual há tempos. O governo, ou melhor, o presidente Lula já sabia das denúncias e más referências sobre o figurante. A imagem do ex-ministro desmorona. Não será fácil recompor a moldura ética que desabou sobre a cabeça de Almeida. O que causa assombro: trata-se de um homem público que carregava o facho dos Direitos Humanos. Inacreditável.
O pleito é um teste
Lula aposta na sua indicação para a prefeitura de algumas capitais. O pleito de outubro será um teste. São Paulo será o Rubicão do lulismo. Vim, vi e venci. Será que o presidente vai poder dizer o refrão de Júlio César, quando este enviou uma carta ao Senado Romano, em 47 a.C., descrevendo a sua vitória sobre Fárnaces II, rei do Ponto, durante a Batalha de Zela? Guilherme Boulos, do PSOL, tem o apoio de Lula. Mas as urnas endossarão este apoio? Este analista tem dúvidas.
Fez e faz
Campanha obsoleta, clone do passado. Nos tempos idos de 1990, Duda Mendonça bolava a campanha de Paulo Maluf para o governo de São Paulo. O jingle era São Paulo porque Paulo é trabalhador. Uma identidade sonora cantada por todos os lados. Noutras vezes e outras campanhas, Duda usou o "Paulo fez, Paulo faz". Jingle que foi usado por muitas campanhas pelo país e até na Argentina. E o que vê hoje? Ricardo fez, Ricardo faz. O prefeito Ricardo Nunes, do MDB, 15, monta no cavalo de Duda Mendonça.
A prefeitada
Os prefeitos acordaram. Passaram um bom tempo dormindo; abriram os olhos para cuidar da reeleição. A prefeitada recebeu o aviso: só terão passaporte para voltar à prefeitura quem cumpriu o dever e entregou o pacote de promessas. O olhar duro do eleitor é cada vez mais crítico e exigente. O fisiologismo histórico que tem alimentado os currais eleitorais não foi embora de todo, mas está sendo paulatinamente substituído pela cooptação ancorada em ações substantivas, obras e projetos de interesse das comunidades. Os tempos do eleitor "maria-vai-com-as-outras" estão passando. Os prefeitos sabem muito bem que já não é mais possível governar com o lema: "para os amigos pão, para os inimigos pau".
Adeus ao coronelismo
Parece paradoxal dizer que os prefeitos continuam a enfeixar grandes fatias de poder. Não se trata daquele tipo de poder que Victor Nunes Leal tão bem descreveu em Coronelismo, Enxada e Voto, um clássico sobre o mandonismo municipal: "exerce o coronel uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se desincumbe com sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas".Os coronéis morreram, mas deixaram herdeiros, entre os quais centenas de prefeitos espalhados principalmente nas regiões Nordeste e Norte.
Micropolítica
As demandas sociais se abrigam no terreno estreito da micropolítica - a escola perto da casa, o transporte fácil e barato, a iluminação e o asfaltamento da rua, o sistema de esgoto, o alimento barato, a assistência social. Prefeito ineficaz não se reelege e não fará o sucessor. Dinheiro até pode mudar o sentido de uma eleição, mas não tem o mesmo peso do passado. Vida limpa, passado e presente decentes, obras focadas para o interesse coletivo, transparência administrativa, enxugamento de estruturas, racionalização de processos, circulação no meio do povo, desburocratização e simplificação de serviços constituem os parâmetros modernos para a conquista do eleitorado.
Entidades intermediárias
A maior taxa de responsabilidade que incide sobre os 5.570 prefeitos do país recebe, ainda, o endosso de uma malha de conscientização e controle, inserida nas organizações intermediárias da sociedade. Se há um fenômeno que merece estudo, por sua importância no balizamento do pensamento brasileiro, é o da base da organização social. Milhares de entidades se formam e se adensam em todas as regiões, juntando grupos de interesse e de opinião, promovendo mobilização e desenvolvendo uma ampla articulação entre os eixos da grande roda social. Essa malha funciona como paredão de pressão sobre os poderes legislativo e executivo.
Maior cobrança
E por falar em pressão, a comunidade municipal exerce maior pressão sobre os prefeitos que a comunidade estadual sobre a figura do governador. Trata-se da dimensão do sistema político; quanto menor, maior é a pressão, em função da proximidade entre os agentes políticos e as bases. Isso explica, por exemplo, que governadores reeleitos, cansados e saturados, não são tão cobrados quanto prefeitos reeleitos. Há governadores que transmitem a impressão de que perderam a vontade, estão saturados, afogando o entusiasmo no silêncio de uma depressão escancarada nas faces maceradas.
Flor de lótus
No meio do pântano, pode-se ver uma magnífica filha da mãe Natureza: a flor de lótus. É uma belíssima flor que nasce no meio da água lodosa, fétida, em razão de plantas decompostas. A imagem da flor foi usada, faz bom tempo, para expressar minha crença de que no meio do caos há uma réstia de esperança. A frase de tempos idos era: "A política chegou ao fundo do poço em matéria de moral. Mas não morreu a esperança de nascer uma flor no pântano".
Este escriba, um idealista
O saudoso Saulo Ramos, jurista e sábio, e também um incréu, pinçou a alegoria em seu livro Código da Vida para atribuí-la aos "puros, os poetas, os idealistas", referindo-se a este escriba, não sem fazer votos para que "eles tenham razão" na pregação. Ainda conservo essa imagem da política; é possível distinguir no turbilhão de negócios escusos, interesses vis, emboscadas, balcão de recompensas, enfim, de coisas escabrosas, uma majestosa flor de lótus.
- Parte II
Raspando o tacho
- O Brasil está pegando fogo. Focos de incêndio infestam o território. A fuligem inunda as cidades. Mais um pedaço da crise climática.
- São Paulo respira o pior ar do planeta.
- Macaé Evaristo, a nova ministra dos Direitos Humanos, é mais um pé do PT na máquina governamental.
- Tem muita gente apostando em Pablo Marçal. Este analista não acredita na eleição de um ícone da desrazão.
- O clima das ruas é de muita tranquilidade. Sem agitação de bandeiras de candidatos. Eleitor mais circunspecto.
- Chama a atenção o número de militares aposentados. De generais a coronéis.
Fecho com o brigadeiro Eduardo Gomes.
Precisamos trabalhar
O brigadeiro Eduardo Gomes fazia, no largo da Carioca (Rio de Janeiro), seu primeiro comício da campanha presidencial de 1945. A multidão o ouvia em silêncio:
– Brasileiros, precisamos trabalhar!
Do meio do povo, uma voz poderosa gritou:
– Já começou a perseguição!
Bagunça geral. O comício quase acabou.