Porandubas Políticas

Porandubas nº 857

A coluna é uma reflexão histórica sobre momentos significativos do passado político brasileiro, com um foco emocional e narrativo.

24/7/2024

Tempos de recordar. Lembrar um pouco o passado

Pinço os últimos momentos de Getúlio Vargas, pela expressão da historiadora Isabel Lustosa:

- "na última reunião ministerial, a amarga e triste indiferença. A drástica decisão talvez já tomada. O olhar da distância para o companheiro de tantos anos: Oswaldo Aranha; para o fiel ministro Tancredo Neves; para a diligente e querida filha Alzira. A farsa da licença armada pelos ministros militares, em que nem ele mesmo acredita. Silenciosamente assina um papel que guarda no bolso. Dá a caneta a Tancredo, como lembrança daqueles dias. É inútil.

O tiro

- O dia amanhece. Os primeiros raios de sol brincam nos cristais da sala de banquetes, iluminando rostos cansados. Concede, por fim, a licença. Mais para desfazer-se das companhias do que por crer que fará uso dela. Retiram-se todos.

- O passo cansado o carrega, escada acima, rumo aos aposentos. Já de pijama – o pijama de listras - atende a Beijo (Beijo era o irmão de Vargas que cuidava da segurança):

- Getúlio, querem que vá depor no Galeão.

Diz aos oficiais:

- Beijo não vai agora, só amanhã.

- Vai ao gabinete, apanha o revólver. Volta ao quarto, senta-se e atira. Justo no lugar que o filho Lutero ensinara. Um tiro no coração. Cai de mansinho sobre o travesseiro. Agora, descansa."

O desencanto

A deposição e o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, significaram, de certa forma, a vitória da corrente internacionalista, sendo a carta-testamento um testemunho do desencanto do presidente. Portanto, a avaliação da comunicação política do ciclo Vargas está atrelada ao movimento populista que ele criou e que deixou de herança para o sucessor. Uma herança em que ele, de forma trágica, celebrizou na carta-documento que deixou.

A carta

Lá se podia sentir o pulsar da política populista que inspirou sua trajetória: "se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto minha vida... Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência... Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história".

JK

O governo seguinte, de Juscelino Kubitschek, mineiro de Diamantina, médico, Nonô para os íntimos, eleito pela coligação de forças populistas PSD-PTB, cuja campanha será analisada mais adiante, no capítulo do marketing político, deu, de certa forma, continuidade na política de massa getulista, com a diferença de que foi este presidente simpático e carismático o responsável por uma base desenvolvimentista amparada na internacionalização da economia. O modelo getulista era centrado no desenvolvimento econômico em bases nacionalistas. Juscelino imprimiu ao desenvolvimento o selo internacional. O Plano de Metas foi uma tentativa de recuperar a dimensão econômica garantida por Getúlio, indo mais além.

O Brasil moderno

No que se refere ao aparato de comunicação política, pode-se dizer que, no ciclo Kubitschek, o estilo foi o homem. Juscelino sabia se comunicar com as massas, trabalhando muito bem as estratégias de mobilização. Figura das mais simpáticas da política brasileira, era jovial, alegre, encarnando o Brasil moderno. Em 1959, o palhaço carequinha popularizou uma batucada de Miguel Gustavo – Dá um jeito nele, Nonô ("meu dinheiro não tem mais valor. Meu cruzeiro não vale nada. Já não dá nem pra cocada. Já não compra mais banana. Já não bebe mais café. Já não pode andar de bonde. Nem chupar picolé. Afinal, esse cruzeiro, é dinheiro ou não é?").

Brasília

O clima ambiental era de descontração, como demonstra esta historieta gráfica da revista Careta: "Juscelino: Preciso de divisas, ouro, seu Alkimin, para as realizações do meu governo. O ministro: Ouro, seu Juscelino?! Eu sou Alkimin, não sou alquimista". JK, o peixe vivo da modinha mineira, usava muito a Voz do Brasil para difundir seu Plano de Metas guiado pelo lema 50 anos em 5. Mas a consagração de Juscelino veio com Brasília, cuja ideia ele confessa ter tido como "resposta a um pedido feito num comício em uma cidadezinha do sertão de Goiás". Em 21 de abril de 1961, o sonho era realizado, com ampla cobertura, incluindo retransmissão da inauguração pela Rádio Vaticano. O papa João XXIII parabenizou os brasileiros, segundo registra Lílian Maria F. de Lima Perosa, em sua dissertação de mestrado "A Hora do Clique", uma análise do programa de Rádio Voz do Brasil.

JQ

O breve período Jânio Quadros está inserido em uma moldura que tem como centro a própria figura presidencial, ele mesmo considerado um perito intuitivo do marketing político contemporâneo. A renúncia de Jânio, considerada traição aos seis milhões de eleitores que confiaram nele, deu lugar ao vice, João Goulart, ensejando o adensamento da política de massas e as grandes mobilizações sociais, pano de fundo para o aprofundamento de rupturas estruturais, consideradas, na época, indispensáveis para a execução de uma política internacionalista de esquerda.

Jango

Jango recebeu um governo de poderes limitados, por meio da implantação do sistema parlamentarista, negociado e aprovado pelos dois grandes partidos da época, o PSD e a UDN. Mas João Goulart, identificado com o petebismo, decidiu implantar um conjunto apreciável de reformas, que tinham como vértice o adensamento do populismo e o fortalecimento do capitalismo nacional. Suas reformas abrangiam as áreas agrária, bancária, administrativa, fiscal, tributária etc. Mas as reformas sofriam oposição do Conselho de Ministros. Em 23 de janeiro de 1963, caiu a emenda parlamentarista e Jango assumiu o governo com a força do presidencialismo. Apresentou ao país um Plano Trienal.

1964

A mobilização do povo para o comício do dia 13 de março de 1964 - pelas chamadas reformas de base e em oposição às tendências conservadoras do Congresso Nacional – significou o clímax da política de massas como estratégia de sustentação do poder político. A mobilização das classes médias, a partir de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, com o apoio e o incentivo das Forças Armadas, contra o comunismo e a corrupção, convergiu para a Marcha da Família com Deus, pela Liberdade, esteio do golpe de 31 de março de 1964. Os militares, que já haviam participado dos golpes de 1937, 1945, 1955, apareceram mais uma vez em cena, desta feita para comandar um ciclo que foi de 1974 ao princípio da década de 80.

Raspando o tacho

- Os democratas, nos EUA, voltaram ao palco das boas expectativas ante a possibilidade da vice-presidente Kamala Harris assumir o lugar do presidente Joe Biden como candidata. E haja doação para a campanha.

- Que Lula atente bem para as falas de improviso. Qualquer gafe ou deslize verbal irá para a conta da idade. Terá 81 anos em 2026, mesma idade de Biden, hoje. Janja faz bem em alertá-lo. Deve seguir o script.

- O PL de Valdemar da Costa Neto quer fazer a maior baciada de prefeitos e vereadores no pleito de outubro. Bolsonaro é o pano de fundo. E São Paulo, capital, a joia preciosa.

- Rosana Valle, deputada Federal do PL, lidera a corrida em Santos, com 40,65% das intenções de voto, segundo o Paraná Pesquisas. Rogério Santos, atual prefeito, do partido Republicanos, vem em segundo lugar, com 26,5%, e em terceiro, a ex-prefeita, do PT, Telma de Souza, com 15,8%.

- Anotem: se Eduardo Paes for reeleito este ano (seria o quarto mandato), deverá ficar no cargo até 2026, quando deixará a cadeira para o vice. Mira a cadeira de governador. Ainda não tem o candidato a vice (Pedro Paulo, o deputado amigo de Paes, parece não querer a vice).

- João Campos, do PSB, é candidato à reeleição em Recife, onde tem mais de 70% de aprovação. Mas seu olho se volta para o governo de Pernambuco, que sonha disputar mais adiante, seguindo os passos do falecido pai, Eduardo Campos e do bisavô, Miguel Arraes (1916-2005), eleito governador de Pernambuco por três vezes (1962-1964/1987-1990/1995-1998).

- A campanha de São Paulo está embolada. José Luiz Datena, do PSDB, renunciará, se perceber "sacanagem" dos tucanos contra ele.

- Descoberta a maior reserva de petróleo do mundo: 511 bilhões de barris. Na Antártica, numa área disputada entre Argentina e Chile. 32 vezes a reserva brasileira, mais que o dobro da reserva da Arábia Saudita, 10 vezes maior do que a reserva do mar do Norte.

Fecho a coluna com o marechal Eurico Gaspar Dutra.

O C pelo X

Vamos lembrar a conversa cheia de x do marechal Eurico Gaspar Dutra (1945/1951). O marechal trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51:

Voxê qué xabê
Voxê qué xabê
Não pixija sabê
Pra que voxê qué xabê?

O ex-secretário de Planejamento e Gestão do Estado da Paraíba, Osman Cartaxo, pinça do arquivo de seus engraçados "causos" uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou:

– Bom dia, coronel.

O velho marechal respondeu de pronto:

– Não xô coronel. Xô o presidente da República.

O matuto emendou:

– Mas não é coronel porque não quer.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.