Porandubas Políticas

Porandubas nº 856

A coluna de hoje analisa aspectos e impactos que cercam o atentado contra o ex-presidente Donald Trump.

17/7/2024

A coluna de hoje analisa aspectos e impactos que cercam o atentado contra o ex-presidente Donald Trump.

1. Polarização – O atentado ocorreu na moldura de polarização que cerca a campanha norte-americana. Mesmo não se sabendo ainda os reais motivos que provocaram o feito cometido por um jovem de 20 anos, aliás, inscrito na lista de votantes do partido republicano, o acirramento de ânimos é um fator por trás do acontecimento.

2. Armas – A facilidade para a compra de armas também é um elemento a se considerar. O pai do jovem teria adquirido o rifle AR-15, 6 meses antes. E, de maneira legal.

3. Bullying na escola - O jovem teria problemas mentais, fruto de bullying sofrido na escola.

4. Aura de herói e mártir – O atentado gera uma aura de simpatia na imagem de Donald Trump. Aparece como vítima. Trump, que enfrenta uma bateria de acusações, atenua, a partir desse atentado contra sua vida, a imagem de radical, intempestivo, frívolo, desembestado, ameaça à democracia. Torna-se vítima.

5. Solidariedade - Os eleitores tendem a se solidarizar com a vítima e a abominar o agressor. Dessa forma, Trump consolida sua posição de favorito na campanha eleitoral, aumentando a margem de intenção de voto sobre o presidente Joe Biden.

6. Purgação de pecados - A situação de vitimado, alvo do radicalismo, beneficia Trump, que acaba "purgando seus pecados", e deixando Biden como o principal responsável pelo "sistema", o status quo, o establishment que propiciou as condições para a ocorrência criminosa.

7. Foto icônica – Esperto e ágil, Trump produziu a foto icônica, nos primeiros minutos pós-atentado: sangue na orelha direita e na bochecha, punhos cerrados e o grito: lutem, lutem, lutem. Pátria unida. Desse modo, identifica-se com o sentimento da unidade nacional. A foto entra no registro das imagens fortes da história.

8. A força dos símbolos – Trump, com sua face borrada de sangue, inscreve-se no hall da fama. Sob a aura de um forte símbolo. O emprego de símbolos é um dos estratagemas mais eficazes preferidos pelos líderes para dirigir as massas, para aspirar e inspirar as emoções das multidões (to siphon emotion), segundo a expressão de Walter Lippmann, que escreveu o clássico livro sobre Opinião Pública. "Um truque para criar o sentimento da solidariedade e, ao mesmo tempo, explorar a excitação das massas".

9. O símbolo segundo Tchakhotine - "O símbolo pode desempenhar, na formação de reflexos condicionados (como decorre de todo nosso raciocínio) o papel de fator condicionante, que, enxertando-se sobre um reflexo preexistente, absoluto, ou sob um reflexo condicionado constituído anteriormente, adquire, por sua vez, a possibilidade de tornar-se um excitante, determinando essa ou aquela reação desejada por quem faz esse símbolo sobre a afetividade de outros indivíduos. A palavra, falada ou escrita, pode ser utilizada para representar um fato concreto, único e simples, ou um conjunto de fatos, mais ou menos complexos, assim como uma abstração ou todo um feixe de ideias abstratas, científicas ou filosóficas." (Serge Tchakhotine In Mistificação das Massas pela Propaganda Política).

10. Arquivamento de processo - A decisão de uma juíza de arquivar um processo contra Trump, aquele que trata de documentos secretos, já pode se inscrever na lista de impactos gerados pelo atentado.

11. Um vice de 39 anos - J.D Vance, senador pelo Estado de Ohio, foi o escolhido por Trump para compor sua chapa como vice-presidente. O senador culpou "retórica" da campanha de reeleição de Biden pelo atentado contra Trump, que aconteceu no último sábado, 13. Vance escreveu no X que a tentativa de assassinato não foi um incidente isolado. "A premissa central da campanha de Biden é que o presidente Donald Trump é um fascista autoritário que deve ser parado a qualquer custo. Essa retórica levou diretamente à tentativa de assassinato do Presidente Trump”. O senador destaca-se, ainda, por sua capacidade de arrecadar grandes somas de dinheiro para o partido.

12. Mobilização – O atentado puxará contingentes para as ruas, criando maior engajamento das massas. Teremos mais vibração nas ruas e esse clima tende a favorecer o candidato que lidera a corrida.

13. Biden pressionado – Biden está entre a cruz e a espada. Pressionado por forças do partido democrata e por fortes influenciadores, parece aturdido. Fez uma defesa da democracia, combatendo o uso da violência, mas o quadro não lhe é favorável.

14. Democratas divididos – A divisão entre o entorno do presidente, simpatizantes, ainda que em menor escala, e grupos que pedem seu afastamento, deixam Biden muito vulnerável.

15. O homem e suas circunstâncias - Nesse momento, é oportuna a expressão de Ortega y Gasset, filósofo espanhol (1883-1955). Do começo ao fim da vida, o homem navega por um oceano de aprendizado. Está sempre em mudança. A verdade depende de cada um. Nunca esse axioma foi tão recorrente. O ritmo de mudanças vivenciado no planeta é acelerado. Nos campos tecnológico, biogenético e de sondagem sobre a natureza do universo, os avanços são extraordinários.

16. Os figurantes - Usam a linguagem da oportunidade. Cobertor social, cestas básicas, auxílio emergencial, eleição de personagens identificados com o selo de mártir, herói, vítima, Salvadores da Pátria. Pais da União Nacional.

17. Vingança e ódio - O ódio passa a ser destilado nas fontes de apoio – bases e simpatizantes – e distribuído em imensos jorros pelas redes sociais e nos contatos entre interlocutores, em nome da defesa de seus "heróis-patrocinadores". Pessoas de quem se imaginava terem uma cota mínima de racionalidade embarcam com as caravanas da bajulação. A convivialidade, que se apresenta como um grau elevado do estágio civilizatório, vai para o buraco. As correntes do ódio assumem posicionamentos que mais se assemelham à invasão da barbárie sobre o planeta.

18. Contra a imigração - O mundo, até pouco, era carimbado como aldeia global. Todos por um, um por todos. Vimos, maravilhados, a quebra de fronteiras físicas e espirituais, com a ascensão de pobres e necessitados ao banquete dos ricos. Grandes Nações acolhiam imigrantes. Davam-lhes um teto e comida. E o que temos visto nos quadrantes do planeta? Trump diz que foi salvo por ter voltado sua cabeça para um gráfico sobre imigração nos EUA. Ele levanta a bandeira: imigrantes, não. Make America great again.

19. O consumo de informação - A pressa, a rapidez, a competição desvairada em um mundo de carências crescentes impedem que a natureza seletiva do homem exerça sua função de enxergar conceitos de certo e errado, viável e inviável, justo e injusto. A abundância informativa acaba entupindo os filtros que purificam as águas. As pessoas acabam misturando coisas, sorvendo misturas maléficas. O eleitor americano consome uma gigantesca cascata de mensagens de tom emotivo.

20. O imponderável

Já narrei este ca(u)so. Mas pela oportunidade do assunto, volto com ele. O imponderável costuma mudar o rumo da história. Um exemplo.

1986. Comício de encerramento da campanha de Freitas Neto (PFL) ao governo do Piauí. Os carros de som anunciavam, desde cedo, o grande comício de fechamento da campanha. Um espetáculo com o showmício da grande cantora Elba Ramalho. Na época, as carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, dez dias antes da data. Mas as fortes chuvas na região atrapalharam o transporte. A lama nas estradas atrasou a chegada. O som chegou quase em cima da hora do comício na Praça do Marquês. Coordenador da campanha do candidato, cheguei ao local um pouco antes para ver o ambiente.

O toró...

Os técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos e arrumar os grossos cabos. 18 horas. Um toró (como se diz no Nordeste) começa a cair. A chuva torrencial fez a grande festa na praça lotada. Três mil piauienses pulavam entusiasmados sob a água que caia. As garrafas de cachaça corriam de mão a mão. De repente, um estrondo, seguido de outros. Fogo e fumaça nos cabos. Corre-corre dos técnicos e o aviso: "Acabou o som. Não há condição." Não havia aquele tipo de cabo. Elba Ramalho foi logo dizendo:

- Está aqui meu contrato. Sem som, não canto.

Conversa daqui, conversa dali, aflição por todos os lados. Depois de muita insistência, ela admite:

- Cantarei uma música, só, e me arranjem um acompanhamento.

Saiu não sei de onde um cara com um banjo. O povão gritava:

- Elba, Elba, Elba, cadê a Elba ?

Bate, bate, bate, coração...

A cantora saiu de trás. A multidão explodiu. E lá vem a música:

- Bate, bate, bate, coração!

Nem bem terminava a estrofe, Elba parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa:

- Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas?

O que era aquilo? Por que aquele carão?

Olhei para o meio da multidão. E vi a cena: um sujeito abrindo a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina respirava um ar de gozação. O showmício de Freitas Neto foi um desastre. Senti o ar pesado. Pesquisas nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre virou o clima. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me perguntar:

- Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral?

Na bucha, respondo:

- Um jumento bêbado no Piauí.

21. O mundo gira e a Lusitana roda

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.