Porandubas Políticas

Porandubas nº 847

O STF não pode se curvar às pressões midiáticas nem à correntes de opinião. Infelizmente, estruturas do Judiciário e do Ministério Público parecem se inebriar com sua imagem refletida no espelho de Narciso, inebriando-se ante os holofotes da mídia.

15/5/2024

Cláudio Lembo, professor de Direito, ex-vice-governador e governador de São Paulo, ex-secretário municipal na gestão Jânio Quadros, sobrancelhas mais decorativas do país, tem a verve na ponta da língua. Um dia, telefona para um amigo de Araçatuba para sondá-lo sobre o ingresso em seu partido.

- "Já se inscreveu em algum partido?"

- "Não. Esperava as suas ordens."

Lembo pede, então, que ele entre no PP. E lá vem a pergunta:

- "No PT do Lula?"

O ex-vice-governador de São Paulo replica:

- "No PP."

Matreiro, o amigo diz que ouve mal. O arremate, contado por Sebastião Nery, é uma chamada sobre a nossa cultura política: "Vou soletrar alto e devagar: PP. P de partido e P de banco." Na época, Olavo Setúbal, o todo poderoso dono do banco Itaú e um dos fundadores do PP (então partido popular), ao lado de Tancredo Neves, era prefeito de São Paulo. E Lembo era seu articulador político. O amigo entendeu a mensagem. A historinha retrata a identidade de quadros e partidos e serve para ilustrar a nossa cultura política.

Aristóteles e a vida da polis

Costuma-se lembrar que, na visão aristotélica, o Judiciário cumpre uma função política. Trata-se da tentativa de enxergar no Poder Judiciário a cota de política que Aristóteles atribuía ao homem, cujo dever é participar da vida de uma cidade, sob pena de se transformar em ser vil. Nessa tarefa, emprega os dons naturais do entendimento e do instinto para exercer funções de senhor e magistrado.

Interesses escusos

Se o ensinamento do filósofo grego fosse bem interpretado, não haveria restrição para ver na missão dos juízes uma faceta política. A questão, porém, é outra. É comum confundir o ente político, que se põe a serviço da coletividade, com o ator que usa a política para operar interesses escusos. Naquele habita a grandeza, neste reside a vilania. Sob essa diferença, alguns membros do Poder Judiciário, entre muitos que orgulham a Nação, possivelmente lendo de maneira enviesada o conceito aristotélico, parecem confundir Política com P maiúsculo com politicagem de p minúsculo.

As duas bandas

A politização, portanto, tem duas bandas. Já faz algum tempo que o Judiciário vê a imagem refletida no espelho da descrença. Nunca sua imagem foi tão banhada no lodo da política. As razões devem-se tanto ao comportamento de alguns quadros quanto à própria jurisprudência produzida nos tribunais. Sob o aspecto atitudinal, particularmente na esfera de instituições de alta visibilidade, como é o caso das Cortes Superiores, constata-se uma verbalização fecunda, quando não contundente, e intensa articulação com representantes de outros Poderes, donde emerge a impressão de que os ministros descem do altar onde se cultua o Judiciário para a liça da banalização política.

Negociação de bastidores

Causa estranheza a desenvoltura com que algumas autoridades se relacionam com o mundo da política partidária. É elogiável o esforço de uns para abrir fluxos de comunicação com a sociedade. Quando, porém, a expressão da alta administração da Justiça se transforma em negociação de bastidores ou no verbo pouco contido do balcão das barganhas, a imagem do Judiciário mais estilhaçada fica. O Brasil não pode se transformar no país do SOS (pedido de socorro) ao STF. E este não pode ganhar a pecha de poder ideológico. O maior patrimônio de um juiz é a independência.

Pressão da mídia

Ademais, o STF não pode se curvar às pressões midiáticas nem à correntes de opinião. Infelizmente, estruturas do Judiciário e do Ministério Público parecem se inebriar com sua imagem refletida no espelho de Narciso, inebriando-se ante os holofotes da mídia. Como diria Rui Barbosa, "a ninguém importa mais que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações e não conhecer covardia".

As virtudes da Justiça

Não se defende aqui a tese de que o juiz precisa vestir o figurino da neutralidade. Juízes insípidos, inodoros e insossos tendem a ser os piores. O que a sociedade quer é voltar a encontrar no Judiciário as virtudes que tanto enobrecem a magistratura e outros serventuários da Justiça: independência, saber jurídico, honestidade, coragem e capacidade de enxergar o ideal coletivo. O filósofo Bacon já pregava: "Os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos que aclamados, mais circunspetos que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza". E os magistrados devem evitar passeios e eventos no exterior, sob o patrocínio de empresas que pagam suas despesas.

A ingerência do Executivo

A ingerência do Executivo sobre o Judiciário é um desvio de rota, alterando a independência e a autonomia dos Poderes. Ingerência que se liga ao patrocínio de nomeações. A mão que nomeou um magistrado parece permanecer suspensa sobre a cabeça do escolhido, gerando retribuição. O Executivo acaba quase sempre levando a melhor quando se vale do STF, o que levou o jurista cearense Paulo Bonavides à pontuar: "A Suprema Corte correrá breve o risco de se transformar em cartório do Poder Executivo". As promoções na carreira costumam passar por cima de critérios de qualidade. Uma liturgia de herança de poder se instala, com muita docilidade junto às cúpulas dos tribunais.

Nivelamento por baixo

Milhares de juízes, por sua vez, carecem de condições técnicas para exercer com dignidade as funções. O nivelamento por baixo ocorre na esteira da massificação de cursos de Direito e da juvenilização dos quadros. Certos concursos não se regram por padrões de excelência. Sob o estigma da politização e do despreparo de quadros, caminha o Poder Judiciário.

A deusa Têmis

Têmis, a deusa, tem uma venda nos olhos para representar a Justiça que, cega, concede a cada um o que é seu, sem olhar para o litigante. No Brasil, é generalizada a impressão de que, vez ou outra, a deusa afasta a venda para dar uma espiada na clientela.

Raspando o tacho

- Para pensar: quando teremos um Estado como o RS, 5ª maior economia do país, recuperando toda a sua força?

- E os cidadãos que perderam seu patrimônio? Começar de novo? E aqueles, acima de 60 anos, como terão ânimo para recomeçar?

- As medidas-tampão, do governo Federal, não equacionarão a quebra da infraestrutura gaúcha.

- A desinformação – com o uso e abuso de fake-news - é uma praga semeada por malandros, covardes, oportunistas, políticos de perfil sujo, pessoas que pretendem disseminar o ódio e as rixas entre grupos.

- O Brasil pós-desastre no RS será outro? Cuidará melhor do meio-ambiente?

- A propósito: onde se meteu a ministra Marina Silva? Sumiu no meio das águas?

- Comovente o caso da bebê gêmea, levada pela enxurrada...Triste. Muito triste.

- A última pesquisa Quaest coloca Michelle Bolsonaro como a opção número 1 para substituir o ex-presidente Jair. Que o Senhor nos proteja...

- Lula não seria opção em 2026 para a maioria dos brasileiros, segundo a mesma pesquisa. Horizonte muito distante.

- A comunicação do governo Lula não entra na cachola das classes médias.

- Tarcísio de Freitas, governador de SP, se firmando bem como perfil técnico.

- Ronaldo Caiado, à direita do espectro ideológico, é o governador com melhor avaliação pela população goiana.

- Trump, nos EUA, na frente de Biden em cinco de seis Estados-chave nas eleições. Mas sua eventual condenação pode baixar o ânimo dos contingentes eleitorais.

- Ucrânia em rota de queda. Rússia em rota de avanços. O planeta em fúria.

- O Nordeste crescerá mais que outras regiões, segundo projeção de nossas instituições econômicas.

Fecho a coluna com a seca no Nordeste, em tempos idos. E o apelo do prefeito cancelando chuvas.

Seca medonha

A seca era devastadora. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo: "Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa". Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo: "Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito".

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.