Retomo a historinha hilária, que se tornou marca desta coluna. Um leitor lembrou-me que essa piada cabe bem nesse momento em que a Argentina dá posse ao seu novo presidente Javier Milei. Este escriba lembra e pede desculpas: trata-se de um chiste. Uma brincadeira.
Humildade argentina
A Argentina de Javier Milei declara guerra à China. Comoção geral. Após consulta popular feita na "Plaza de Mayo", a Argentina enviou uma mensagem à República Popular da China nesses termos:
– Chinos de mierda, maricones: les declaramos "guierra": tenemos 105 tanques, 47 aviones sanos, 4 barcos que navegan y 5.221 soldados.
O governo chinês deu imediatamente a resposta:
– Aceitamos a declaração. Informamos que temos 100.000 tanques, 150.000 aviões, 2.500 navios e 800 milhões de soldados.
Orgulhosos, os argentinos retrucam:
– Retiramos la declaración de guierra... No tenemos como alojar tantos prisioneros.
Vamos às coisas sérias....
- Parte I
A coluna faz, na primeira parte, uma pequena reflexão sobre a força moral na política, um conceito que se esvai na poeira da deterioração de valores e princípios.
O maior trunfo de uma campanha
No momento em que interessados começam a se habilitar para se apresentar como candidatos à prefeito e vereador em 2024, nasce a conveniência de se fazer um levantamento sobre os trunfos de uma campanha. O maior deles é a força moral. Será esta o contraponto ao estado de degradação que corrói parcela razoável de nossos quadros políticos. Trata-se de uma força que funcionará como imã, puxando a atenção e a adesão dos eleitores.
Quem tem força moral?
Os candidatos se esforçarão em dizer que a possuem. Ocorre que a força moral não é um conceito sobre o qual se possa cantar loas. Quem a carrega, não precisa discorrer sobre ela. Será reconhecido por isso. Gandhi, pobre e despojado, era um ícone de força moral. Arrastou multidões. Como a simplicidade, a força moral é a virtude dos sábios e a sabedoria dos santos. Quem possui esse tipo de força neste país? Poucos. Quem detém um conceito de moral é aquele cuja vida sai pura depois de um simples ensaio de observação. Não é levado a processo de investigação.
O ideal da coletividade
Tem força moral aquele que coloca o ideal da coletividade acima dos interesses personalistas de grupos e pessoas. Em uma sociedade acentuadamente corporativista como a nossa, isso é muito difícil. Políticos e candidatos cada vez mais tendem a fechar posições com expectativas e demandas setorizadas, provocando um reducionismo no ideário social que acaba inviabilizando políticas mais globais. Os detentores de força moral são aqueles que fazem da política uma missão, dentro da qual, com sacrifício próprio, se submetem a passar quatro, oito ou mais anos, servindo ao povo.
As regras do jogo
Não há como sofismar. Para a grande maioria de candidatos, os gastos de uma campanha política são absurdamente maiores do que ganharão, se eleitos para exercer um mandato de prefeito ou de vereador por quatro anos. Logo, as regras do jogo precisam ser esclarecidas. E as alternativas são estas: primeiro, as campanhas são patrocinadas por terceiros, cidadãos ricos que se postam ao lado das causas sociais; segundo, candidatos fazem o sacrifício de pagar de seu bolso quantias que jamais serão ressarcidas e, desta forma, oferecem uma contribuição cívica e um exemplo de amor pátrio; e - a alternativa mais plausível - ao longo do mandato, recuperam o gasto com altos juros e correção monetária superfaturada.
Valores morais
A política pouco atrai a cidadania moral. A moralidade, como se pode deduzir, se instala em espíritos cívicos desprovidos de ganância, distantes da arrogância e do utilitarismo imediatista que nivela quase todos os viventes de um mundo muito estruturado no apego aos bens materiais. Cidadãos de espírito moral abrigam valores como a modéstia, a humildade, a misericórdia, o senso de justiça, a fidelidade a princípios, a generosidade, o amor ao próximo, a tolerância e a coragem de ser honesto e autêntico em ambientes corrompidos, sujeitos a pressões e contrapressões, invadidos pela ligeireza das circunstâncias. Parece um decálogo religioso? Sim. Difícil de cumprir? Sim. Mas deve se tentar segui-lo à risca.
É fácil descobrir os espíritos morais
Os espíritos morais são pessoas de palavra, coerentes, com marca registrada no cartório do caráter. Sabem medir as palavras, ocupando-se de temas relevantes. São pessoas substantivas. O comportamento de uma pessoa com força moral é como um verso, no qual todas as sílabas são medidas. Alguém que chegou a essa altura do texto conhece, por acaso, alguém com esses atributos? Há pessoas com tal perfil, mas poucas, muito poucas, no mundo da política. É fácil reconhecê-las. Por isso, quando identificadas, elas devem ser conduzidas à missão na esfera pública. Basta olhar para seu passado, sua origem, examinar seu pensamento, seu legado. Basta analisar como se comportam, o que dizem, como falam.
Driblando a linguagem
Há candidatos que falam muito e dizem pouco. Quase nada se extrai de seu discurso. Alguns chegam ao exagero de querer transformar erros crassos em acerto ou em mais uma firula de marketing. São notados pelos dribles que dão na linguagem ou pela maneira como transformam o choro em riso ou vice-versa. Mas há quem fale coisas certas, no momento adequado, para atender às demandas legítimas e justas. Há pessoas que entendem a política como missão, não como negócio.
Contra modismos
O candidato com força moral não é levado a adulterar as coisas. A demagogia não imanta seu discurso. Não se faz de santo, nem de sábio. Ele é o que é. Não se agarra ao populismo, forma muito usada para não contradizer o sentimento popular e, assim, evitar o afastamento das forças sociais. Não promete escadas para se chegar ao céu. Como sabemos, a experiência brasileira revela que esse estilo complacente rende frutos apenas imediatos, porém de altos custos futuros. O candidato moral luta contra os modismos.
Retidão
É capaz de reconhecer erros, não como desculpa para ganhar eleição ou como forma de exorcizar os pecados, mas como um ato de profunda convicção. Elege a retidão como inspiração de vida. Confúcio disse: "se um homem consegue dirigir com retidão sua própria vida, as tarefas de governo não devem ser um problema para ele. Se ele não consegue dirigir sua própria vida com retidão, como pode dirigir outras pessoas com o espírito de correção? Quando, por cem anos, o país for dirigido por homens de força moral, a crueldade poderá ser vencida e o homicídio eliminado."
A utopia da transformação
Por fim, o político de força moral é sincero com seu sonho. Embala-se na utopia da transformação e, sobretudo, na crença de que qualquer avanço no caminho do progresso só será possível pela via da efetiva incorporação do povo no processo de controle e decisão das ações públicas.
- Parte II
Raspando o tacho
(Pequenas notas sobre a conjuntura).
- A cratera que o empreendimento da Braskem abriu em Maceió é um pedaço da montanha de irresponsabilidade que grassa no país. Faz bem o senador Renan Calheiros em pedir urgência para o funcionamento da CPI da Braskem, que já pagou à prefeitura quase 10 bilhões de reais ao correr do tempo.
- A crônica do desespero e da angústia que solapa a população da região afetada ganha espaços na mídia.
- Lula, com suas falas, constrói barreiras que impedem maior aproximação com o agronegócio.
- Aliás, o Brasil mostra posições antagônicas de suas estratégias. Uma no cravo, outra na ferradura.
- De um lado, fixa-se no terreno dos combustíveis fósseis. Sinaliza, até, intenção de explorar o petróleo na região equatorial da Amazônia. Estudo da Petrobras indica que bloco na Foz do Amazonas possa conter 5,6 bilhões barris de petróleo. Um único bloco na Margem Equatorial, na região amazônica do Amapá, pode conter reservas de mais de 5,6 bilhões de barris de petróleo.
- De outro lado perfila ao lado do hidrogênio verde, apontado por especialistas como uma possível alternativa aos combustíveis fósseis. O Brasil tem se apresentado como um possível grande produtor desse tipo de combustível.
- O "não" de Macron ao acordo da UE com o Mercosul não significa um veto. Ele fala pela França, pressionado pela forte indústria do leite. Os produtores defendem fortes medidas protecionistas.
- O Brasil precisa ser coerente na moldura internacional.
- O PSD terá a palavra final no acordo para eleger o novo presidente do Senado. Tem a maior bancada, 15 senadores. Davi Alcolumbre, (União-Amapá), pensa em se filiar ao PSD ou ao MDB para se viabilizar como candidato. Está muito cedo. Mas a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) tem possibilidades. Rodrigo Pacheco tem muito tempo, ainda, para fazer suas manobras.
- A governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, pode deixar o PSDB, um partido em declínio. Os tucanos, agora sob o comando de Marconi Perillo, sairão do fundo do poço? Perillo, ex-governador de Goiás, garante que o "fundo tem mola".
- Geraldo Alckmin, o vice-presidente da República, hoje no PSB, foi visitar João Doria, a convite deste, dirigindo seu carro. Sinal de modéstia e vivência. Foi maltratado pelo ex-governador de SP quando este acirrava o discurso de campanha. Alckmin foi abraçar seu ex-pupilo. Minha saudosa mãe sempre dizia: nunca diga – desta água não mais beberei.
Fecho a coluna com JQ.
Saudação aos presidentes
Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora:
– Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque por que do resto ando cheio.
Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um outro cantador o vê, saúda:
– Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora.
Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará.