Porandubas Políticas

Porandubas nº 795

Uma ligeira vista d'olhos mostra horizontes não muito claros.

8/2/2023

Abro a coluna com uma historinha envolvendo Chopin Tavares de Lima na época do governo Montoro.

Mel de abelhas

Vai aqui uma historinha que Geraldo Alckmin me contou no 9º Fórum de Comandatuba, promovido pelo LIDE.

A historinha de Alckmin aparece porque eu lembrava que, naquela época, Dora Kramer, minha ex-aluna na Faculdade de Comunicação Casper Líbero, tinha o sobrenome Tavares de Lima. Era sobrinha do grande e saudoso Chopin Tavares de Lima. Eis o relato do hoje vice-presidente da República:

Chopin, como secretário do interior do governo Montoro, tinha a missão de fazer a articulação com os prefeitos. Um dos programas de Montoro contemplava a fabricação de mel. Mel caseiro. O prefeito de Silveiras, na microrregião de Bananal, de nome Miguel, no meio do caminho para a capital, aproveitando a parada para o almoço, comprou uma garrafa de mel, dessas comuns que se encontram em restaurantes de estrada. Tirou o rótulo, lavou a garrafa, embalou-a em celofane. Era um presente para Chopin. Planejava criar um impacto.

– Secretário, aqui está o resultado do programa 'Colmeia' do governo Montoro. Mel de primeira qualidade. O melhor mel que São Paulo já produziu.

Surpresa geral. Agradecimentos do Chopin com o aviso de que levaria o presente para o governador Montoro. A seguir, o astuto prefeito emendou:

– Gostaria que o secretário providenciasse a liberação da verba para o asfalto, que pedimos faz bom tempo.

Imediatamente, o secretário mandou localizar o pedido da prefeitura de Silveiras. Mas não havia nenhuma solicitação. O prefeito aproveitara a ocasião para jogar verde e colher maduro. Queria colher recompensa pela garrafa de mel que levara. Depois de algum tempo, a mensagem: a solicitação não foi encontrada. Mil pedidos de desculpas do secretário Chopin. O prefeito prometeu encaminhar novo pedido, conformado com a burocracia do Palácio que havia perdido o ofício. Geraldo Alckmin, então deputado estadual, ouviu o relato e percebeu a artimanha do prefeito. Aos ouvidos dele, cochichou a frase bíblica:

– Miguel, Miguel, tu não tens abelha e trazes mel.

Miguel regressou a Silveiras. No dia seguinte, ao telefonar para o secretário Chopin Tavares de Lima, comunicando que novo ofício estava seguindo pelo Correio, ouviu dele a confissão:

– Não precisa mandar, prefeito, encontramos o ofício. Vamos liberar a verba.

E assim Chopin Tavares de Lima, Miguel, Silveiras, Geraldo Alckmin, Dora Kramer e eu entramos juntos, pela primeira vez, numa mesma história.

  • Panorama

O cheiro do caos

Dias sombrios. António Guterres, secretário-geral da ONU, faz o alerta: "os riscos de uma escalada da guerra e mais carnificina não param de aumentar...guerra na Ucrânia, crise climática, pobreza extrema, ano de 2023 começa com convergência de desafios nunca vistos em nossas vidas". O mundo se dirige para uma guerra mais ampla. O papa Francisco diz: o mundo está se autodestruindo. O relógio da parada final está batendo forte. O temor deste escriba extrapola os limites da análise jornalística. Para todos os lados, cheiro do caos.

Tragédias

Uma ligeira vista d'olhos mostra horizontes não muito claros. Aqui, ali e alhures. Por aqui, o verão quente e triste nos traz a notícia do naufrágio de uma traineira na Baia de Guanabara, que ceifou a vida de três pessoas e deixou outras desaparecidas. A embarcação voltava de um passeio de amigos no entorno da ilha de Paquetá. Na Turquia e na Síria, terremotos de grande magnitude devastam os dois territórios. Na Turquia, o primeiro foi de magnitude 7,8 graus, o maior a atingir o país desde 1939, tendo como epicentro a cidade de Gaziantepe, de 2 milhões de habitantes, perto da fronteira com a Síria. Cerca de 120 terremotos secundários foram registrados. As mortes devem ultrapassar cinco mil pessoas.

Um teste para Erdogan

Os terremotos serão um grande teste para o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que está no comando do país desde 28 de agosto de 2014, tendo anteriormente ocupado o cargo de primeiro-ministro do país entre março de 2003 e 2014. Foi também prefeito de Istambul de 1994 a 1998. Há uma onda de insatisfação contra seus superpoderes. A Europa Ocidental une-se na ajuda aos dois países. Como pano de fundo, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Mortandade diária. Sem perspectivas de paz. O planeta, maltratado, parece viver dias de fúria.

Guga Chacra

Quem conhece bem a região é Guga Chacra, colunista do Globo e comentarista de política internacional da GloboNews. Um pouco de sua visão:

A Guerra da Síria não acabou, embora seja de baixa intensidade e localizada em apenas algumas regiões. Uma delas é justamente a área próxima à fronteira com a Turquia, não muito distante de Gaziantepe. É a província síria de Idlib, nas mãos de grupos jihadistas sírios apoiados pelos turcos.

Essa região do território turco é uma das mais pobres do país, tendo pouco em comum com metrópoles ricas e avançadas como Istambul, Izmir e Ancara. Para agravar, a Turquia nesse momento vive uma crise econômica, com inflação e mega desvalorização da moeda, e instabilidade política às vésperas de eleições gerais nas quais Recep Tayyip Erdogan fará de tudo para não perder o poder.

Na Síria de Bashar al-Assad

Guga continua... "Bashar al-Assad, por sua vez, venceu a guerra e conseguiu se manter no poder. Mas comanda um país em ruínas, bem diferente do que era 2010, antes da eclosão do conflito. Depende da ajuda da Rússia e do Irã. Mas Moscou está com as atenções voltadas para a Guerra da Ucrânia e Damasco deixou de ser prioridade. O regime Irã, por sua vez, está com o foco no combate aos protestos contra o regime de apartheid anti-mulher no país. Diante deste cenário, Assad se aproxima cada vez mais dos Emirados Árabes, que devem ser a principal via de apoio ao regime após o terremoto. Sabe-se lá, no entanto, quanto de dinheiro chegará a quem necessita, ainda mais levando em conta que boa parte das áreas destruídas não estão sob o comando do regime."

As nadadoras

A propósito da Síria, uma sugestão: vale a pena ver o filme "As nadadoras". Um caso real envolvendo duas nadadoras sírias.

Um teste para Lula

Os dirigentes passam por vestibulares na frente da gestão. É o caso de Lula nesse período iniciante. O Brasil ainda vive sob o impacto da tragédia que faz padecer o povo Yanomami. População que morre de inanição e doenças. Agora vive o "dilema" dos juros altos. O presidente Luiz Inácio se queixa do presidente do Banco Central pela decisão do banco de taxar a Selic em 13,75%, uma das mais altas do planeta. Roberto Campos Neto, o presidente, tem mandato a cumprir, encerrando-se a 31 de dezembro de 2024 e garante seguir o jogo do mercado. O BC tem autonomia garantida. O dirigente aguentará a pressão de Lula? Se não cumprir bem com suas funções, sabe-se, pode ser demitido. Mas isso demandaria extraordinário esforço congressual. O marcado espera que o patamar de 13,75% seja mantido até o fim deste ano.

BNDES

O novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, tomou posse nesta segunda-feira, prometendo fomentar o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas, prioridades de sua gestão. Prometeu, ainda, debater ajuste na Taxa de Longo Prazo (TLP) do banco de fomento. Não pretende fazer com que o BNDES concorra com bancos privados, defendendo a necessidade de juros mais competitivos para as micro, pequenas e médias empresas. "Não queremos padrão de subsídios como no passado, mas uma taxa de juros mais competitiva para micro, pequenas e médias empresas. Não pretendemos ficar disputando mercado com o sistema financeiro privado. Isso não é papel do BNDES." Mercadante foi um quadro que abriu arestas em sua credibilidade por ocasião da passagem pelo governo Dilma.

Revolta dos ricos?

"O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições. Nós não podemos brincar, porque um dia o povo pobre pode se cansar de ser pobre e fazer as coisas mudarem nesse país." Presidente Lula, em discurso no Rio. Seria o "nós contra eles"? E a pacificação nacional? Presidente Luiz Inácio, aceite o conselho deste escriba: não dê motivos para a "guerra" entre alas. O senhor precisa governar para todos os brasileiros: pobres, remediados, classes médias empobrecidas e ricos. O país quer viver sob paz e harmonia. Vez ou outra, cutuco o PT, mas reconheço os avanços do Brasil sob seu primeiro mandato. Aceite as críticas quando feitas com responsabilidade.

Acomodação

Entre pequenas e grandes tragédias, teste dos dirigentes em início de gestão e expectativas festejando o reinado do Rei Momo (eita, mais dias de farras e fanfarras), o país enxerga as placas tectônicas da política entrando em acomodação. O terremoto que abalou o território bolsonarista foi embora sob o acolchoado preparado por Lula e seus novos cabos eleitorais para acolher os que iriam ficar desabrigados. O presidente decidiu trazê-los para seu convívio com teto, cargos, comida e roupa lavada. O PL enquadra seus participantes, evitando sua fuga em massa. Valdemar, o esperto, vai enfrentar o desafio de controlar "ordem unida" em seus combatentes. Será um desafio e tanto.

Lira, o campeão

Na corrida de obstáculos, o destaque é o campeão Arthur Lira, que teve uma vitória retumbante em sua reeleição para a presidência da Câmara, 464 eleitores. A acachapante votação do alagoano mostra que a velha política continua a dar as cartas. Que o presidencialismo de coalizão está vivo e atuante, com Luiz Inácio aceitando as regras do jogo. E que o futuro continuará a ser pautado pela lei franciscana do "é dando que se recebe".

A candidatura de Michelle

Leio: Michele Bolsonaro nega candidatura. Só faltava essa: Michelle confirmando ser candidata a presidente em 2026 no lugar de Jair. O que a imprensa especulativa esperava? Ora, a mídia, com o apoio de Valdemar, o todo poderoso do PL, lançou o nome da ex primeira-dama em um momento em que ainda se sente o rescaldo da derrota bolsonarista. Mas a especulação continua. Poderá se candidatar ao Senado por São Paulo ou pelo Rio de Janeiro em 2026. Leio que Jair teria ficado irritado por ser "rifado" pelo Valdemar, com a especulação envolvendo sua esposa. Tratar de uma eleição para daqui a quatro anos? Quanta falta do que dizer...

Jair nos EUA

A revista Time traz matéria com Jair Bolsonaro, narrando o cotidiano do ex-presidente nos EUA. Usa o termo "bizarrice" para designar certas atividades do capitão, que promete voltar nas próximas semanas para liderar a direita no Brasil. Ele se coloca no papel de guardião contra a implantação do "comunismo" no país.

A Direita

Não se pode negar. A Direita deu as caras e vai querer participar da política. Precisa de perfis além de Bolsonaro para ganhar espaço no arco ideológico. Credibilidade. Confiança. Lideres respeitados. Bolsonaro poderia ser este não fosse tão desacreditado. Tão irreverente.

A Esquerda

Dividida, terá muitos polos de liderança. Não há um agregador-mor. 

O Centro

Espaço muito disputado. O vice-presidente Geraldo Alckmin veste o figurino de grande articulador das forças centrais.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.