Abro a primeira coluna do ano novo com uma historinha do meu RN.
Condições
Solenidade de promoção da Polícia Militar em andamento, os agraciados com ascenso na carreira da corporação são chamados pelo cerimonial. Um a um recebe diplomação. Absorto em seu lugar, olhar atento a tudo, a maior autoridade presente à solenidade – o governador Dinarte Mariz - resolve cochichar à orelha de Luciano Veras, secretário da Segurança do Estado:
- Coronel, eu não estou vendo entre os promovidos aquele meu afilhado que lhe fiz recomendação...
A resposta do secretário justifica o porquê da ausência do indicado pelo governador:
- Eu estive avaliando a carreira dele e observei que não havia condições para ganhar a promoção pretendida pelo senhor.
Sem maiores reservas, Dinarte alardeia sua contrariedade com a exclusão técnica:
- Luciano, que condições você está falando? Se eu fosse atrás dessas condições nunca teria sido governador.
(Quem conta o "causo" é Carlos Santos em seu livro Só Rindo 2)
- Panorama
O ano começa
2023 se inicia sob o clamor da esperança, esse sentimento que banha os corações, puxando as expectativas de dias melhores. O ano que passou deixou rastros de destruição por todos os lados. Trajetos interrompidos, estradas esburacadas, nuvens pesadas fechando horizontes, pedaços de um tempo mal vivido, frustração e dores. O alento reaparece, aqui e ali, em pedacinhos de confiança de que os dias começarão a registrar sua normalidade. Os céus voltarão a nos cobrir com o azul que nos acolhe.
Chega de discursos...
Ufa. Os copos transbordam. Discursos se excedem nas promessas. Tempos de união e reconstrução, promete Lula. O Brasil espera, sim, que as feridas sejam medicadas. Que a cura se instale no organismo nacional. O novo presidente deu seu tom. Fez dois discursos memoráveis, um no Congresso, outro no Parlatório do Palácio do Planalto. E deu-se ao fervor da multidão. Muito bom. Mas o Brasil agora quer que a máquina funcione. Que a locomotiva puxe os 37 carros do trem, esse imenso ministério formado para abrigar parceiros de uma frente ampla. Estamos cheios de discurso. Mais que chegou a hora da ação.
Primeiras impressões
As primeiras impressões baixam em nossas mentes. O governo do PT renasce com a marca de sua identidade: um Estado forte, um programa social de vasto cobertor, um programa desenvolvimentista, a reação do mercado ao discurso que considera "teto de gastos" uma estupidez, a volta de receios de ontem sob a máscara de uma democracia tutelada. O país quer acreditar em Lula e em sua intenção de acabar com a fome, atenuar as desigualdades, fazer uma Nação justa e solidária. Teme, porém, que o cotidiano seja invadido por ondas de gastança que tornem insustentáveis as contas públicas.
A divisão
O núcleo do entorno do presidente é eminentemente petista. Ocupado pelos ministros palacianos. A política econômica, sob Fernando Haddad, vai seguir a cartilha histórica do PT. O núcleo das grandes diretrizes – educação, saúde, justiça, segurança – tem a marca do petismo com matizes de uma visão técnica. As áreas de obras, transportes, energia e telecomunicações, por exemplo, serão comandadas por vertentes partidárias. A diversidade e a inclusão social se distribuem em pastas e cargos de grande simbolismo, como os espaços de defesa dos povos originários e em defesa da mulher.
Diástole
O governo trabalha nesse momento com o conceito de diástole, descompressão, em contraponto à sístole, pressão, contração. Nessa direção está a prorrogação das medidas de contenção dos preços de combustível, particularmente óleo diesel e gás. Começar um governo com o cinto apertado é criar uma barreira de contrariedade social. Urge descontrair, agradar, atender às demandas da coletividade.
A frente política
Ao que se infere, o governo, nessa arrancada inicial, contará com a boa vontade dos congressistas para aprovar uma agenda política que convenha ao Palácio do Planalto. Não encontrará fortes resistências, com exceção de um pedaço do Centrão e do PL de Valdemar da Costa Neto, que acenam com a bandeira da independência. Atentem para o recado da ex-presidente Dilma: compor uma formação que dê sustentação e apoio ao governo. Sem esse requisito, dentro de 100 dias, os problemas começarão a aflorar.
Conselhão
O ministro da Articulação, Alexandre Padilha, promete resgatar o Conselhão, a entidade formada por representantes da sociedade civil, que opina, sugere, dá ideias sobre os programas do governo. Foi uma ferramenta esquecida pelo governo Bolsonaro. Se funcionar com moldura efetivamente representativa da sociedade, poderá se transformar em grande alavanca de nossa democracia participativa.
Janja
A socióloga Rosângela Silva, Janja, mostra que seu papel de conselheira-mor do presidente Lula será intenso. Provou sua capacidade na arrumação do cerimonial da posse. Tudo saiu "nos conformes". Trata-se de perfil que promete "ressignificar" o papel de primeira-dama. Fará um bem enorme ao marido-governante.
Viagens de Lula
As viagens programadas de Lula aos Estados Unidos, China e África abrirão o circuito internacional do novo dirigente. Serão o marco de reinserção do país na esfera das Nações.
Exagero
Na tentativa de mostrar descontração e simplicidade na escolha dos comandantes das Forças – Exército, Marinha e Aeronáutica -, o ministro da Defesa, o experiente pernambucano José Múcio, tropeçou no exagero, ao dizer que foi na Internet, viu a lista dos quadros mais antigos e, assim, ele procedeu as escolhas. Ah, ah, ah, ministro. Fosse simples assim, o processo seletivo não precisava de articulação política, área na qual o senhor é craque.
Controle dos carros
Lula é o piloto da locomotiva, que puxará os 37 carros do trem. O desafio é controlar o funcionamento de todos os carros. Deve montar engenhosas ferramentas para verificar a qualidade das engrenagens. Haja controle.
Conceitos...
Pequenos conceitos de André Comte-Sponville:
- A humildade é a virtude do homem que sabe não ser Deus.
- A simplicidade é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero, sem grandiloquência. É a vida insignificante, a verdadeira vida.
- A justiça é o horizonte de todas as virtudes e a lei de sua coexistência. Virtude completa. Todo valor a supõe, toda a Humanidade a requer.
Amor próprio
Um maltrapilho dos arredores de Madrid pedia esmolas com grande dignidade. Um transeunte lhe disse: "Não tem vergonha de exercer essa infame atividade quando pode trabalhar?" "Senhor, respondeu o mendigo, peço-lhe esmola e não conselhos". E tendo dito isto, deu-lhe as costas, com toda a empáfia castelhana. Era um mendigo orgulhoso esse; pouca coisa bastava para ferir-lhe a vaidade. Por amor de si mesmo pedia esmola; e ainda por amor de si mesmo não permitia que lhe fizesse qualquer reprimenda. (Voltaire)
As pernas da burocracia
O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve do chefe do departamento: "ah, meu senhor, tem muitos outros na frente do seu. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas". Agastado, o interlocutor reage: "E quanto o senhor quer para pôr dois pés nesse papel?". Tirou do bolso um maço de dinheiro (que já tinha separado em casa para não dar na vista e, de maneira disfarçada, entregou ao sorridente chefe). Tiro e queda. O adjutório fez o papel correr rapidinho com seus dois pés. A corrupção tem pernas longas.
O combate à corrupção
Se os discursos foram abundantes, nesse início de ano, não tocaram no combate à corrupção. Ou será que os atos corruptos estão no baú do passado? Vamos acompanhar.
Homenagens
Minhas homenagens a dois vultos da Humanidade:
- Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, o maior Pelé de todos os Pelés.
- O papa emérito Bento XVI