Abro a coluna com uma historinha da lavra de Vítor Sérgio, de Manaus.
Urgência na farmácia
Com a palavra, Vitor:
Tenho um amigo que mora em Canutama, município do Amazonas. Certa vez resolvi visitá-lo e fiquei contente porque ele prosperara e montara uma drogaria, que funcionava no térreo de sua casa. Num domingo de sol, bebíamos umas "geladas", comendo churrasco, quando começou a cair o maior "toró". A chuva já estava passando quando escutamos um barulho vindo do andar de baixo. Me debrucei e verifiquei que havia um cara bêbado, "chapado", batendo na porta da drogaria e dizendo:
- Por favor, abra a porta, abra porta!!!
Avisei ao amigo: Tem um cara querendo comprar algum medicamento.
- Dia de domingo, eu não abro a drogaria nem pra minha mãe, além disso o cara tá cheio da "maldita".
- Pro cara tá batendo debaixo de chuva deve ser alguma urgência...
-Vou nada, hoje é meu dia de folga, não vou nem "amarrado".
- O bebum vai ficar batendo e aperreando a gente, vai lá ver o que ele quer. Hoje é ele quem está precisando. Amanhã pode ser um de nós. Abra a drogaria, atenda esse homem, depois você volta.
- Tá bom, só vou porque você tá pedindo.
O colega desceu as escadas, acendeu as luzes, e abriu o portão de enrolar de ferro. Minutos depois escutei-o esbravejar:
- Vai tomar no ..., bêbado filho de uma ...!
Desci correndo as escadas, pensando se tratar de briga ou assalto. Encontrei meu amigo fechando o portão.
- O que foi? perguntei – Qual remédio ele queria?
- Ele não queria remédio não, queria que eu ligasse a balança eletrônica pra ele se pesar......
As mortes anunciadas
Mais de 500 pessoas morreram no território nacional do fim do ano passado até hoje. Vítimas de tempestades e temporais. A natureza dá suas respostas aos desmandos, à irresponsabilidade de políticos e governantes que só olham para as catástrofes quando as mortes ganham altos índices.
Descaso
Muitos se contentam em observar as cenas e a produzir platitudes: "catástrofes infelizmente acontecem". O Brasil é um laboratório mundial da ausência de planejamento urbano e descaso com a anatomia das cidades. Todos os anos, centenas de famílias choram as mortes anunciadas nas inundações.
Decalagem
Um governo eficaz tem aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Usa a técnica da "decalagem" (avanço), a capacidade do atirador, que calculando a distância e a trajetória do alvo móvel, acerta-o em cheio, disparando um pouco à frente do ponto escolhido. Mas a ausência de planejamento se faz ver em toda a parte.
A estética das ruas
O país vê se avolumar o número de pedintes, mendigos, moradores de rua, corpos estirados sob pontes e viadutos. A estética urbana é um desfile de pessoas enroladas em trapos e escondidas em caixas de papelão. Os espaços de concentração de consumidores e vendedores de drogas se expandem, como a cracolândia na capital paulista ganhando manchetes, repressão e choques com a polícia. O país da miséria se apresenta por inteiro.
Mais da metade
Mais da metade dos 5.574 municípios brasileiros está no universo da pobreza ou da extrema pobreza. A fila dos auxiliados pelas migalhas dos pacotes assistencialistas dobra quarteirões. Hoje, o total de famílias dentro do programa é de 18 milhões, mas a fila que está fora dá voltas pelo perímetro das principais cidades do país. Este é o pano de fundo que se desenha a um pouco mais de quatro meses das eleições. E é claro que a necessidade de abastecer a barriga se fará presente dia 2 de outubro.
A negritude
Este analista põe os seus sentidos no campo de observação do "pretagonismo", termo que toma emprestado da biblioteca da perspicaz jornalista Flávia Oliveira, cujos livros ao fundo na Globo deixam títulos bem visíveis. Há, ali, um livro sobre o protagonismo dos negros. Pois bem, feita a observação, minha inferência: os negros expandem, mesmo de maneira lenta, sua participação na vida social e política do país. Nos espaços midiáticos, a partir de anúncios publicitários, sua presença tem sido marcante, sobressaindo-se mensagens de cunho alegre e lindas imagens de mulheres e homens negros.
Na política
Não podemos dizer, ainda, que os negros tenham conseguido chegar ao patamar dos "brancos" (a cor nacional preponderante não é essa). A proporção de negros no Brasil é de 56%, mas sua participação nas eleições para deputado Federal, entre 2014 e 2018, foi de 40%. Defasagem de 16 pontos. O fato é que a defesa da diversidade, da inserção negra na esfera da política e de outros espaços da vida social, ganha tons mais altos nesses tempos de elevação do discurso sobre os direitos humanos. Artigos e análises sobre o tema inundam as searas midiáticas.
Milton Gonçalves
Cheguei a engatar bons papos com o excepcional ator Milton Gonçalves, como eu, um dos integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, por ocasião do governo Michel Temer. Participávamos do mesmo grupo de discussões. Um brasileiro com firme convicção política. Um cidadão que pensava bem o seu país. Um ator, cujos feitos, filmes e peças teatrais, orgulha o painel das artes e da cultura nacionais.
Rejeição
Sei que muitos eleitores e leitores não acreditam em pesquisa. Mas uma coisa parece certa. O índice de rejeição aos principais candidatos é alta. Segundo pesquisa do BTG Pactual/FSB, divulgada nesta segunda-feira, 59% dos entrevistados não votariam em Jair Bolsonaro de jeito nenhum. Ciro ganha a segunda posição com 49% dos entrevistados e Lula alcança o índice de 43%. Rejeição quer dizer: não votarei nessa pessoa nem que a vaca tussa. E agora? Há chance de O Imponderável nos visitar até 2 de outubro?
Marcio França
Segunda, no SEAC-SP, Marcio França, do PSB, em palestra para empresários de serviços, garantiu que irá até o fim em sua campanha ao governo de São Paulo. Está firme e confiante que tem "grande chance de ganhar".
Rodrigo Garcia
Usa bem os espaços publicitários do PSDB para se apresentar. Pode crescer. Principalmente, ante eventual polarização com Tarcísio de Freitas, candidato de Bolsonaro, e Fernando Haddad, do PT. Márcio França corre pelo meio.
Simone Tebet
Precisa usar melhor a mídia eleitoral do MDB. Uma grande barreira a impede de crescer: o desconhecimento por parte do eleitorado. É preparada e de boa fluência ideativa.
Marqueteiros
Precisam se convencer: o marketing antigo não mais funciona em tempos de eleitores que influenciam as redes sociais.
Paulo Guedes
De bicho papão, tornou-se camaleão. Adapta as falas para agradar à esfera política. Assume a cor do momento. Não mais contraria interesses da política. Flexível como um caniço ao vento.
Lula
Vez ou outra, esquece o meio e vira porta-voz da extrema esquerda ideológica. Nunca esquece os passeios pelo palanque.
Bolsonaro
Não tem jeito. Vai enfrentar as eleições com o discurso radical. Agrade ou não aos generais.
Forças Armadas
Avoluma-se o discurso de que "não haverá golpe". As quatro linhas da letra constitucional se transformam em slogan dos militares.
O Nordeste
Continua a ser o bastião avançado do lulopetismo. Muitos bolsonaristas atacam as pesquisas que dizem isso.
O Sudeste
No Sudeste, mais precisamente em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, está o Triângulo das Bermudas. Quem não afundar nas tormentas desse pedaço, ganhará a campanha.
O Sul
Já foi muito bolsonarista. Está amainando a imagem conservadora. Com 15% do eleitorado, mostra-se fugindo de Bolsonaro.
O Centro-Oeste
É a região bolsonarista por excelência. Mas o agro começa a arar o terreno das dúvidas. Será que o atual governante merece nossa confiança?
Covid-19
Os hospitais do Sudeste acusam: a Covid-19 ganha novo impulso na região. O patamar móvel nas últimas semanas tem registrado crescente aumento de internações. Os mais jovens se afastaram dos postos de vacinação. Teremos de conviver com o vírus por um longo tempo. A máscara veio para ficar.
Redes sociais
Esta é a mais consequente ferramenta usada pelo bolsonarismo. Sob os domínios do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, que sabe manobrar a arma de ataque do bolsonarismo. Uma torrente de fake news nos aguarda.
Petrobras
O presidente continua a fazer trocas no comando da Petrobras. Antigamente, o Conselho da Petrobras escolhia o presidente da empresa. Hoje, o presidente da empresa, nomeado pelo presidente da República, é quem escolhe os componentes do Conselho. Que tempos....
Pacheco e Lira
Os presidentes das casas congressuais mostram-se no espelho midiático como protagonistas da defesa da institucionalidade. Arthur Lira, da Câmara, com falas mais estreitas e voltadas para os componentes do Centrão; Rodrigo Pacheco, do Senado, com falas mais abertas em defesa da democracia. Ambos tentando alargar as veredas do amanhã.
Sobre o bem, o mal e o canibalismo
a) Jung
Carl Jung perguntou a um rei africano qual a diferença entre o bem e o mal. Às gargalhadas, o soba respondeu: "Quando roubo as mulheres de meu inimigo, isso é bom. Quando me rouba ele as minhas, isso é ruim".
b) Humboldt
Sugestão feita a indígenas por Alexander von Humboldt, geógrafo, filósofo, historiador, explorador e naturalista alemão nascido em Berlim, que deu início, em fins do século, a memoráveis expedições naturalísticas, considerado o fundador da moderna geografia física.
"Não comam os outros". Resposta dos índios: "O senhor tem razão. Não podemos compreender que mal há nisso, pois os homens que comemos não são nossos parentes".
Esse duplo padrão ético é a luz que ilumina nossa representação política e nossos governantes.
c) Um turco e um canibal
Um turco se encontrou um dia com um canibal. "Sois muito cruéis, pois comeis os cativos que fazeis na guerra", disse o maometano. "E o que fazeis dos vossos?", indagou o canibal. "Ah, nós os matamos, mas depois que estão mortos não os comemos."
Montesquieu arremata a passagem contada no livro Meus Pensamentos: "Parece-me que não há povo que não tenha sua crueldade particular."