Porandubas Políticas

Porandubas nº 749

23/2/2022

Abro a coluna com uma historinha das Minas Gerais.

Da burrice e da engenharia

Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada:

– Esta estrada vai até onde?

– Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras.

– Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição?

– Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando.

– E quando não tem burro?

– Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo.

O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia.

Registro

Abro a análise da moldura institucional, registrando a posse no Tribunal Superior do Trabalho (TST) do ministro Emmanoel Pereira, potiguar, um dos mais experientes e articulados quadros do Judiciário brasileiro. Trata-se de um conhecedor profundo de nossa legislação trabalhista e, para o bem do país, estará no comando da Alta Corte por ocasião de eventuais debates sobre reformulações no setor. Este analista se associa às homenagens prestadas ao grande juiz.

A campanha eleitoral

A campanha eleitoral deste ano obedecerá a alguns ciclos: a pré-campanha, tempo de articulações, formação de blocos e federações; a campanha na fase I, que será dedicada à apresentação formal dos candidatos e discursos, a se iniciar em junho/julho; a campanha na fase II, que é de enfrentamentos, tensões, querelas, acusações recíprocas, a ocupar o mês de agosto; a consolidação dos nomes em setembro e o clímax, na última semana de setembro e primeira de outubro. A campanha terá duas estacas a sustentá-la: a emoção e a razão.

A emoção

A emoção carrega sentimentos, alegrias e rancores, muita adjetivação valorativa, que cobrirão os candidatos com véus emotivos. É a campanha do choro, vela, festa, folguedos e foguetões. Eleição é, sobretudo, emoção, daí porque este analista projeta um cenário de intensa polarização, traduzindo o ciclo emotivo que embala o país. O discurso da emoção mobilizará facções e alas.

A razão

Já a razão emergirá nas propostas programáticas, nos conteúdos de fundo ideológico-doutrinário, captados apenas por grupamentos do meio da pirâmide para cima. A razão é o discurso lógico, analítico e até didático. Os candidatos se esforçam para atrair a adesão do eleitor com argumentos, números, ideias que possam parecer críveis. Os fundões não serão tão atraídos por esses blocos expressivos racionais.

A régua

Infere-se que a régua apontando para a estatística da emoção e da razão mostrará a seguinte tendência no pleito de outubro:

Emoção – 75%; Razão – 25%.

Que pontuação alcançam os candidatos nessa régua? Pelo estilo, comportamento e linguajar, é possível apontar as percentagens de emoção e razão que cobrem os perfis de nossa política. Trata-se, claro, de mero exercício de interpretação desses fenômenos, imanentes aos perfis.

- Lula - Emoção – 80%; Razão- 20%

- Bolsonaro - Emoção – 85% - Razão – 15%

- Sérgio Moro – Emoção – 10% - Razão – 90%

- Ciro Gomes – Emoção – 40% - Razão – 60%

- João Dória – Emoção - 10% - Razão – 90%

- Simone Tebet – Emoção – 50% - Razão – 50%

- Rodrigo Pacheco ( se for candidato) – Emoção – 5% - Razão – 95%

- Eduardo Leite( se for candidato) – Emoção – 20% - Razão – 80%

Brasil de ontem

Régua da Emoção e da Razão.

- Getúlio Vargas - Emoção – 70% - Razão – 30%

- Juscelino Kubistchek - Emoção – 60%- Razão – 40%

- Jânio Quadros - Emoção – 80% - Razão – 20%

- Ciclo Militar - Emoção – 90% - Razão – 10%

- Jose Sarney - Emoção – 30% - Razão – 70%

- Fernando Collor - Emoção – 70% - Razão – 30%

- Itamar Franco - Emoção – 10% - Razão – 90%

- Fernando Henrique Cardoso - Emoção –10% - Razão – 90%

- Lula - Emoção – 90% - Razão – 10%

- Dilma - Emoção – 20% - Razão – 80%

- Michel Temer - Emoção – 10% - Razão – 90%

Outros eixos

Outros eixos estarão por trás do discurso e das estratégias dos candidatos, tais como o populismo, o assistencialismo, o dandismo, o estrelismo, o espetáculo. E quanto mais intensos sejam os atributos puxados do circo e do teatro, maiores as chances de candidatos atraírem as massas. Para melhor compreensão desses fenômenos, permito-me a falar um pouco sobre eles.

O personalismo na política

A cada dia, multiplicam-se os perfis personalistas: figurantes que encenam no teatro da política suas peças, sob seus nomes e seus traços pessoais. Nada de ideias ou programas doutrinários. Quando aparece um ou outro termo que pode lembrar compromisso nas áreas da educação, saúde, transporte ou segurança, com certeza trata-se de um bordão guardado no fundo do baú – "vamos construir escolas, vamos melhorar a segurança nas estradas, combater os criminosos, fazer hospitais". Mas o nome dos fulanos, sicranos e beltranos estará adornado de substantivos e adjetivos: o fazedor, o pai dos pobres, o maior de todos etc. Em suma, haverá muita linguagem tatibitate.

O dandismo

No passado, os atores passavam a usar adornos, indumentárias que chamavam atenção, como o uso de cores berrantes, braceletes, correntes, enfim, uma parafernália estilosa. Luis XIV foi um dos primeiros dândis da política. Desfilava nos jardins do palácio de Versalhes em um cavalo adornado de diamantes. O Rei Sol gostava de se exibir. Naqueles tempos e até em ciclos mais recentes, políticos viram dândis, fazendo-se notar pela forma espalhafatosa de se apresentar, implicando ainda o uso de expressões esportivas, provocativas, ferinas. Baudelaire, o poeta, já dizia: "o dandismo é o prazer de espantar". E, sob esse padrão, desafia os costumes e as práticas, prega a desordem e a desunião, não o sistema político. Hoje, sabemos quem faz isso por nossas plagas.

O estrelismo

No Estado-Espetáculo, a meta é ser a estrela principal no palco. Os candidatos a cargos eletivos, regra geral, se esforçam para ser os mais visíveis. Para tanto, apoiam-se nas estacas do populismo, buscando por meio de ações espetaculosas – carreatas, passeatas, motociatas e outras atas (?) – surgir como o sol brilhante de manhãs esplendorosas. O populismo assume formas variadas, seja por meio de uma adjetivação impactante, seja por meio de programas populistas, de efeitos sonantes no bolso (distribuição de dinheiro) e fartos na barriga (distribuição de alimentos).

O heroísmo

Daí para se transformarem em heróis, é um pequeno passo. Passam a levantar criancinhas no meio da multidão, a beijá-las, a tocar suas mãos às mãos estendidas das galeras berrantes, tomando café em padarias, fazendo selfies. Os "heróis" da política querem mostrar que são também humanos, concedendo aos integrantes das massas o acesso à sua natureza "divina". Os "heróis" procuram ainda mostrar certo charme, usando símbolos com as mãos ou forma de cumprimentar. Os salões repletos, ao som de festa, são ambientes preferidos. Suscitam admiração e urros ferozes.

O entretenimento

Nesse ponto, emerge o entretenimento, a ferramenta mágica usada pelos "heróis" e mitos para conquistar o coração das massas. O povo, desde eras remotas, tem apreciado os divertimentos, formas que propiciam catarses coletivas. Os clubes de futebol têm em suas torcidas organizadas a cola da catarse coletiva. Imensos contingentes elevam em hosanas as glórias de seus times. Coisas que vêm da Antiguidade. Vejam o que o imperador Vespasiano escreveu para seu filho, Tito, antes de morrer.

O Colosseum

"Tito, meu filho, estou morrendo. Logo eu serei pó e tu, imperador. Espero que os deuses te ajudem nesta árdua tarefa, afastando as tempestades e os inimigos, acalmando os vulcões e os opositores. De minha parte, só o que posso fazer é dar-te um conselho: não pare a construção do "Colosseum". Em menos de um ano ele ficará pronto, dando-te muitas alegrias e infinita memória. Alguns senadores o criticarão, dizendo que deveríamos investir em esgotos e escolas. Não dê ouvidos a esses poucos. Pensa: onde o povo prefere pousar seu "clonais" numa privada, num banco de escola ou num estádio? Num estádio, é claro".

Panem et circensis (pão e circo)

"Será uma imensa propaganda para ti. Ele ficará no coração de Roma per "omnia saecula saeculorum", e sempre que o olharem dirão: 'Estás vendo este colosso? Foi Vespasiano quem o começou e Tito quem o inaugurou'. Outra vantagem do "Colosseum": ao erguê-lo, teremos repassado dinheiro público aos nossos amigos construtores, que tanto nos ajudam nos momentos de precisão. Moralistas e loucos dirão, que mais certo seria reformar as velhas arenas. Mas todos sabem que é melhor usar roupas novas que remendadas. "Vel caeco appareat" (Até um cego vê isso). Portanto, deves construir esse estádio em Roma. Enfim, meu filho, desejo-te sorte e deixo-te uma frase: Ad captandum vulgus, panem et circenses (Para seduzir o povo, pão e circo). Esperarei por ti ao lado de "Júpiter"." Escreveu esta carta um dia antes de morrer.

100 dias de festa

E assim foi feito. O Coliseu, o enorme anfiteatro, símbolo do Império Romano, foi iniciado por ordem do imperador Vespasiano em 72 d.C., que decidiu erguê-lo no local de um antigo palácio de Nero, seu antecessor no comando do império. As obras levaram oito anos para serem concluídas e, quando tudo ficou pronto, Roma já era governada por Tito. Roma comemorou a inauguração durante 100 dias, com festas, centenas de gladiadores, cinco mil animais ferozes e muito sangue. Antes dos espetáculos os gladiadores saudavam o imperador: "Ave, Caesar, morituri te salutant". "Salve, César! Aqueles que vão morrer te saúdam". E assim, a política foi incorporando traços e matizes do espetáculo. Hoje, a espetacularização da política faz a pauta diária das mídias massivas (jornais, revistas, rádio e TV) e tecnológicas (redes sociais da Internet).

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.