Porandubas Políticas

Porandubas nº 748

Quem disser que fulano, beltrano ou sicrano ganhará o pleito de outubro próximo estará dando um chute.

16/2/2022

Abro a coluna com o passarinho.

O passarinho

Inflamado, o candidato eleva a fala no palanque. Argumentava que o povo livre sabe escolher seus governantes. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso. No momento certo, tirou o pássaro e com ele, na mão direita, bradou:

"a liberdade do homem é o sonho, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência. Deus (citar Deus é sempre oportuno) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal da liberdade. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir a soltura desse passarinho, que vai ganhar os céus".

Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. Apertara o bichinho. A frustração por ter matado o bichinho foi um anticlímax. Vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. Assim é o fim de candidatos que não controlam a emoção.

Visão da conjuntura

1. Nada decidido

Quem disser que fulano, beltrano ou sicrano ganhará o pleito de outubro próximo estará dando um chute. Não tem nada decidido. Vou tentar explicar as razões. Todas elas consideradas no conjunto das ideias-forças que movem uma campanha. Tenho dito e repetido: Somos frequentemente visitados pelo Senhor Imponderável dos Anjos. E este ano é especialmente um ciclo de excepcionalidades. Pandemia, gripes, desobediência às leis, cavalo sem arreios.

2. O caráter do ano

O ano de 2022 será muito diferente dos anos anteriores. Transição de um ciclo, não apenas de um governo. Se persistir o governo, o ciclo não se repetirá. Explico. A esfera política não se mantém no atual prumo. Um remelexo geral mexerá as pedras do tabuleiro. Um maremoto na política tem condições de repaginar o que desenhamos. Se o Brasil for de Bolsonaro, a direita se fixará no poder. A bússola entorta. Se o Brasil for de Lula, a incerteza continuará ante as curvas e retas do petismo. Lula não controlará suas bases.

3. O fim de um ciclo

Seja qual for a vereda a seguir, à direita ou à esquerda, o Brasil fechará um ciclo. Haverá interesse de se manter a atual estrutura de poder, com a concentração de postos e cargos no Centrão. Mas é viável pensar em uma onda centrípeta – das margens para os centros - que poderá destronar os atuais mandatários do poder do Executivo. Essa onda aparece no meio do oceano turbulento das relações internacionais, com lideranças dispersas e líderes sem legitimidade.

4. O fracasso dos grandes

Veremos, um pouco mais adiante, os atuais condutores da política mundial em declínio. Joe Biden não garantirá a supremacia norte-americana. O novo primeiro ministro alemão, Olaf Scholz, não tem o carisma de Angela Merkel. Do Reino Unido, não esperemos decisões de impacto, mas apenas a estética voante dos cabelos de Boris Johnson. Macron tem limitações, Erdogan é um direitista isolado. E a Itália não terá envergadura para enfrentar os rolos compressores da Europa. Ou você, amigo Wálter Maierovitch, discorda?

5. A alma do tempo

Para não repetir meu refrão, passo a adotar o termo a "alma do tempo". Todo tempo tem o seu clima, a sua alma, o seu espírito, as suas circunstâncias. E o que explica os cenários descritos? A alma do tempo. Um misto de silêncio e grito, a imbricação de demandas reprimidas com promessas não cumpridas, uma revolta interior que queima os nossos neurônios, uma vontade louca de dormir e acordar em outro espaço, que não seja esse carcomido por impurezas.

6. Um mundo em avanços

Seremos pacientes e alguns, parceiros, de um mundo em avanços. A inteligência artificial estará cada vez mais abraçada à tecnologia da informação, suprindo-nos com os alimentos da modernidade, ferramentas que transformarão nosso modo de operar, nossa maneira de pensar, alterando costumes e tradições. Uma grande mudança.

7. Eis, então, a grande ameaça

Os avanços civilizatórios esbarrarão nas fronteiras do passado, onde os exércitos com sangue em dinastias históricas persistirão em suas lutas pela manutenção do poder. O mundo muçulmano fará arrebentar suas ondas nas plagas ocidentais, devastando pedaços de tempo e monumentos de cultura. O paradigma do caos tende a ficar sobre nossas cabeças.

8. E por aqui?

Somos um pequeno pedaço de terra integrada à civilização ocidental. Vamos influir? Até poderíamos, caso usássemos nossos potenciais para fazer valer nossa condição de seres livres e armados com as ferramentas da liberdade. Nossa visão turva, porém, encurta nosso ciclo. Não enxergamos um palmo à frente do nariz. E caímos na precária luta entre grupos que se opõem: uma direita, que não sabe distinguir um valor do passado tradicional e uma esquerda, que ainda sonha com os teares da revolução industrial.

9. Os novos sinais

O mundo exibe uma monumental engenharia de mudanças. Os polos da Guerra Fria, mesmo abrigando arsenais superiores aos da década de 50, já não agem à moda antiga. Essa querela envolvendo a OTAN, a Ucrânia e a Rússia, não será o estopim de uma terceira Guerra Mundial. O bom senso, sob a égide da diplomacia, dará os ditames. Mas a tensão subirá aos píncaros. A Humanidade não mais aceita ser governada por déspotas. O mundo recebe sinais de que a temperança cobrirá as nuvens dos novos tempos.

10. O Brasil, um país acidental

Isso mesmo. Um país integrado aos trópicos acidentais. Uma região rica de nosso planeta, farta de riquezas minerais, porém povoada de pequenos e grandes acidentes que maltratam a condição de seu povo. Todos os anos, ouvimos a crônica das mortes anunciadas nos desastres provocados pelas chuvas. Em algumas regiões, elas são escassas, noutras, inundam. Mas os tropeços e acidentes no território da política, estes, sim, são devastadores para o nosso corpo pátrio. Por corroerem a alma da política, por atrasarem o fluxo civilizatório.

11. O que pode nos acontecer?

Estamos em plena selva eleitoral. Usando armas da mentira, das acusações, das denúncias, das falsas versões. Não há justiceiro nessa guerra. Nem heróis. Há, e muito, gente desonesta, que elege o dinheiro, o poder, a força monetária como motor da guerra. Este escriba não acredita que os exércitos em disputa possam estabelecer a paz, sob a égide da liberdade e da justiça.

Hoje é aniversário de um ente querido, que pensa bem. A quem desejo felicidades. Muita saúde. Prosperidade.

Fecho a coluna com o absolutismo.

O ditador

O ditador vai ao médico:

– E a pressão, doutor?

– O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.

O nome de Deus em vão

Deus é sempre a referência de homens que carregam em sua alma a pretensão da onipotência. Franco usava a Providência Divina para se afirmar: "Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos". Não satisfeito, mandou cunhar nas moedas: "Caudilho da Espanha pela graça de Deus". Idi Amin Dada, o cabo que se tornou marechal de Uganda, ditador sanguinário, dizia ao povo que falava com Deus nos sonhos. Um dia, um jornalista fez uma inquietante pergunta: "o senhor tem com frequência esses sonhos? Conversa muito com Deus?". Lacônico, o cara de pau respondeu: "Só quando necessário".

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.