Porandubas Políticas

Porandubas nº 744

19/1/2022

Abro a coluna com uma historinha do querido Rio Grande do Norte.

Estar com Deus não ofende

Noé, conta Sebastião Nery, era uma figura folclórica do Rio Grande do Norte. Tinha o hábito de cortejar todos os governos. No levante comunista de 1935, quando o deputado pela Bahia e secretário-Geral do PC, Giocondo Dias, tomou o poder ocupando o Palácio Potengi, enquanto Dinarte Mariz marchava de Caicó para Natal subindo a Serra do Doutor, a multidão enfurecida invadiu o jornal A República, de propriedade do governo. Na sala da direção, encontram Noé. Agarram-no pela gravata:

– Com quem você está?

– Estou com Deus. Isso ofende?

Não ofendia. Salvou-se.

Panorama

Vamos aos nossos pequenos retratos.

Pandemia e democracia

O que aconteceu com as democracias sob a teia sombria da pandemia? Perderam força. Os governos, particularmente os dirigidos por perfis autoritários, reforçaram seus espaços de mando e poder. Agregaram forças. Passaram a ter voz mais ativa nos territórios, ganharam visibilidade, arregimentaram apoios. No caso do Brasil, defendendo o negacionismo, indo contra a ciência e desfechando tiros contra a vacina, o presidente da República, ao contrário de muitos dirigentes, nada em maré baixa. P.S. Extinguiu muitas instituições e órgãos de controle. A participação social no processo decisório encolheu.

Agitando as bases

Bolsonaro aposta na hipótese de que, apesar dos pesares, ele é a principal fortaleza de defesa do país contra as ameaças do "comunismo", sistema que costuma jogar no colo de Luiz Inácio. Por isso, seu principal objetivo é animar as bases de simpatizantes e alas radicais, esperando que elas lhe dêem os votos para entrar no segundo turno. Espera repetir 2018, quando encarnou o papel de São Jorge empunhando a espada contra o dragão da maldade.

20 a 25 pontos

Se obtiver entre 20 e 25 pontos, terá condições de entrar no turno seguinte da campanha. O nome da terceira via mais provável no momento é o do juiz Sergio Moro, que ainda não empolga os segmentos do meio da pirâmide. As classes médias tendem a ser o pêndulo do pleito. Para onde se inclinarem, definirão o favorito do pleito. Ainda não fecharam por completo suas preferências.

São Paulo

O Estado de São Paulo abriga cerca de 40 milhões de pessoas. Unidade mais populosa da Nação, o Estado será centro de uma batalha contundente. É mais populoso do que 178 países, colocando-se abaixo de apenas 29 em termos de habitantes. Na América do Sul, somente a Colômbia abriga um número maior de pessoas que São Paulo. Abriga 35 milhões de eleitores, sendo o maior colégio eleitoral brasileiro. A capital de São Paulo representa também o maior município em número de eleitores, com cerca de nove milhões do total.

O Triângulo das Bermudas

Costumo lembrar que o Triângulo das Bermudas será o decisor da campanha. Constituído por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. MG possui cerca de 16 milhões de eleitores, concentrando quase 11% do eleitorado do país, que, neste ano, deve ultrapassar 150 milhões de pessoas. Terceiro maior colégio eleitoral do país, o estado do Rio de Janeiro tem mais de 12 milhões de eleitores, mais de um terço na capital fluminense, com cerca de cinco milhões.

Os maiores polos

Em SP, MG e RJ estão os maiores grupos de pressão e opinião: os maiores conglomerados empresariais; as mais fortes organizações não governamentais; os maiores contingentes das classes médias; os maiores grupos de profissionais liberais; os maiores núcleos estudantis; enfim, os maiores polos de poder social. Passam, portanto, por aqui os clamores e gritos que embasam o discurso nacional.

As estatísticas

Dito isto, resta aduzir com outras estatísticas: a região Sudeste é a maior em número de eleitores, com cerca de 65 milhões de eleitores, 43% dos aptos a votar. Em seguida vem a região Nordeste, onde há mais de 40 milhões de eleitores ou 27,01% do total. O Sul conta com 14,47% dos eleitores, contabilizando 22 milhões brasileiros. A região Norte tem 12 milhões, ou 7,91% de votantes. A região Centro-Oeste concentra o menor número de eleitores: 10.943.887, ou 7,27% do total. Há 509.988 (0,33%) brasileiros aptos a votar no exterior. A maioria do eleitorado brasileiro é formada por mulheres, que representam 52,49% do total, somando 77.649.569 eleitores. Os homens totalizam 70.228.457 eleitores, correspondendo a 47,48% do total.

O discurso tatibitate

Infelizmente, no ano eleitoral seremos vítimas do blá blá blá das campanhas. Do tipo:

- o Brasil tem jeito, basta saber governar.

- Fulano de tal é o "pai dos pobres".

- Sicrano é o patrono dos trabalhadores.

- Beltrano é o benfeitor da saúde.

- Hora de reconstruir o país.

- Vamos combater a corrupção.

- Nossas crianças precisam de melhor educação.

- Vamos baratear a comida no prato.

- Com fulano de tal, éramos felizes e não sabíamos.

É o chamado discurso tatibitate

O discurso substantivo

O contraponto será o discurso substantivo, que abrigará densidade, argumentos, propostas concretas e como serão aplicadas. Algo como:

- O salário-mínimo será reajustado um pouco acima dos índices da inflação.

- Um projeto para o país, contemplando as prioridades e demandas regionais. Com coordenação centralizada e operação descentralizada.

-Transparência, melhoria dos serviços públicos (qualificar e quantificar metas).

- Algo como criação de centrais de abastecimento em todas as regiões para suprir demandas nas áreas de:

- alimentos

- remédios/equipamentos de saúde

- educação – livros didáticos

Enfim, setores que sejam altas prioridades. Densidade e explicação das formas de operação.

O Brasil na retomada

A pandemia continua acusando índices alarmantes. A Ômicron, a nova variante do Coronavírus, pode ser menos mortal, mas a propagação é maior que o primeiro ciclo da Delta. A indicar que as filas de contaminados são e serão imensas. No meio dessa tempestade, o Brasil parece sair do caos e começar a movimentar suas estruturas, escancarando as portas da normalidade. Para onde se olha, veem-se traços e paisagens cheias de gente e de ações. A retomada das atividades produtivas é fato.

Superação

A sensação é de que o pior já passou. Os incautos, que relaxam condutas de prevenção, enchem planilhas de dados e hospitalizações. Mas as conversas e as rotinas cotidianas atestam que o brasileiro passa a confiar na superação de tempos sombrios. Muitos reiniciam a volta ao labor sob a crença de que as coisas não serão como antes. Algo se insere nos passos profissionais e pessoais.

Lula e Alckmin

Parte do PT é contra o nome de Geraldo Alckmin como vice o na chapa de Lula. Rui Falcão, ex-presidente da sigla, em entrevista à Folha, segunda, foi duro: Lula não precisa de muleta eleitoral. E Alckmin, segundo uma ala do petismo, representa tudo que o petismo rejeita. A essa altura, o ex-governador de SP fica com a imagem borrada. Se Lula impuser o nome, vai encontrar resistências. Ou seja, nesse início de jornada eleitoral, contenda e acusações não ajudam a alavancar nomes. Alckmin fica numa sinuca de bico. Os tiros contra o ex-governador surgem a cada instante.

A volta

Se Lula ganhar a disputa, veremos uma luta engalfinhada de petistas para voltar ao Planalto Central. Os quadros da velha guarda contra os novos perfis. O Brasil do Eterno Retorno. Mantega, Mercadante, Rui Falcão, para onde serão deslocados? E para onde iria a ex-presidente Dilma Rousseff?

18 Estados

O PT terá candidatos próprios em 18 Estados. Domina o ranking de candidaturas. Pode fazer a maioria e grande bancada de deputados.

PSL e PT

Serão os dois partidos com os maiores cofres de campanha. Com o fundão eleitoral turbinado, os partidos terão um total de R$ 5,96 bilhões nas eleições. O valor corresponde à soma de R$ 4,9 bilhões para campanhas eleitorais com R$ 1,06 bilhão para o Fundo Partidário. PSL e PT, que têm as maiores bancadas, levarão 10,14% e 9,97% do total cada, respectivamente.

Os evangélicos

O PT se esforça para pescar o apoio dos evangélicos, que nunca foram tão disputados.

As chances

Quais as chances dos pré-candidatos hoje (repito, hoje) de entrarem no segundo turno? Mais uma vez, a resposta é complexa. Vai depender das circunstâncias e do Senhor Imponderável. Hoje, medidas em números de 0 a 10, o palpite sugere essa pontuação:

- Lula, 9

- Bolsonaro, 6

- Sergio Moro, 4

- João Doria, 3

- Luiz Mandetta (?), 1

- Simone Tebet, 1

- Ciro Gomes, 2

- Rodrigo Pacheco(?), 1

Terceira via

Eleitorado vai fechar posição na última hora. E a terceira via só dará as caras lá para maio/junho. A depender da polarização. E mais: a terceira via só tem possibilidades se o Senhor Imponderável nos visitar e afastar do páreo um dos dois principais corredores: Lula ou Bolsonaro. O fato é que este Senhor faz visitas ao Brasil sem aviso prévio.

O Imponderável

O clima eleitoral pode ser afetado pela visita do Senhor Imponderável. Na forma de:

- uma denúncia bombástica

- um escândalo nos bastidores do governo

- uma renúncia no meio da campanha

- eventos extremados que puxem o povo para as ruas/ um acidente/incidente de proporções calamitosas

- caos, com desorganização da economia e furos no cobertor de proteção social

Mais ação, menos discurso

O eleitor quer mais ação e menos discurso.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.