Porandubas Políticas

Porandubas nº 730

9/9/2021

Abro a coluna com a solidariedade em Petrópolis.

Sou solidário e não pago

Antônio Carlos Portela era um senhor rico e bom. Dava aval a todo o mundo, em Petrópolis. Gostava de política. Gostava demais. Quando chegava a campanha eleitoral, sua maneira de ajudar os amigos era avalizar empréstimos para as despesas de campanha. Certa eleição, avalizou um título para um candidato a deputado, que perdeu feio e ficou em dificuldades de pagar. O gerente do banco, sabendo que não receberia do devedor, foi ao avalista:

– Senhor Portela, o título está vencido. Preciso que o senhor pague. Como avalista, o senhor é solidário.

– Sou, sim. Sou muito amigo dele e estou inteiramente solidário com ele. Se ele não pagou, é porque tem seus motivos. Porque estou solidário, não pago também.

A montanha pariu...

Eu não diria que a montanha pariu um rato. Pois os ditos expressos pela maior autoridade do país produziram um monstrengo. Coisas como essas: não vai mais obedecer à decisões do STF, principalmente se emanadas pelo ministro Alexandre de Moraes; o presidente Fux deve enquadrar seus os ministros; só sairá do governo se for "morto"; maldiz a urna eletrônica; insufla as massas, induzindo-as à desinformação, enfim, não aceita o debate democrático como balizamento do futuro do país.

Com quem está a bola?

Chutou a bola na direção dos Poderes. Garantiu que iria acionar o Conselho da República, que debate pautas como desordem institucional e quebra da ordem. Diante do fiasco de não ter participantes, desdisse o que disse. Mas as palavras de ordem contra o Supremo estão no ar. Fux deu resposta dura como se previa, mas persistem as dúvidas! O que fazer ante a um ato de desobediência à Corte? Paralisar estradas federais é um ato de antipatia que depõe contra o governo. O mundo está perplexo, não apenas o Brasil. Trata-se de flagrante quebra da ordem normativa. Os presidentes do Senado e da Câmara não têm força para levar adiante a solução do impeachment. Os partidos vão gastar saliva com discursos. E só.

Lira e Ciro longe

Arthur Lira, o presidente tem a prerrogativa de levar adiante a ideia do impeachment. Mas logo ele, que negociou a participação do Centrão no governo? Ciro Nogueira, o presidente do PP, que se impôs a condição de "amortecedor" do governo, estará longe do imbróglio, quase dizendo: afasta-me de mim esse cálice, cheio de um vinho que não entra no meu paladar. Pacheco, o Rodrigo que comanda o Senado, é o menos temeroso, mas tem o cuidado de medir as palavras para não perder a chance de vir a ser candidato de Kassab, do PSD, à presidência. Teria suspendido a pauta do Senado esta semana.

Inevitável?

O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), disse que é "inevitável" a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após os atos antidemocráticos de 7 de setembro. Este analista não acredita.

Celso de Mello e Carlos Ayres

O ex-decano do STF, ministro Celso de Mello, chama Jair Bolsonaro de "político medíocre que não está à altura do cargo" e o ex-presidente da Corte, ministro Carlos Ayres Britto diz que o presidente está sujeito a penalidades se descumprir decisão judicial.

Tempos de pressão

O ditador vai ao médico:

– E a pressão, doutor?

– O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.

Um país à deriva

Do episódio de um 7 de setembro pisoteado, sobra a imagem de um país à deriva, sob as rédeas de uma família sobre a qual pesam denúncias de corrupção. Filhos dando os rumos do que poderá vir a acontecer. Comandando eventos de direita. E o pai, usando frota de aviões e helicópteros, na companhia de ministros, transformando um evento cívico em um comício privado, gastando dinheiro público e colaborando para as aglomerações em momento em que o país flagra a multiplicação da vertente Delta do coronavírus.

Enquanto vai durar?

As ameaças do capitão estão no ar. Deduz-se que seu dito será cumprido. Sob pena de mais bravata na coleção de ditos estapafúrdios. E se assim continuar, a engenharia do golpe continua ganhando peças, situação terrível se contar com o grupo de militares que agem no entorno. Generais, coronéis, capitães, olhem para o Brasil. Não se deixem enganar pelo canto de sereia na travessia de Ulisses. Um golpe hoje jogaria o nosso país dos territórios devassados pela estupidez. Urge dar um basta nessa escalada. Sociedade organizada, é a vez das entidades abrirem o verbo. Produtores e empreendedores, não deixem o Brasil seguir o caminho das trevas.

7 de setembro

O 7 de setembro, para bolsonaristas, foi aquém das expectativas. Contou-se 125 mil pessoas na av. Paulista, 6% do esperado. Não entrarei nessa. O fato é que as falas do presidente em Brasília e em São Paulo plasmaram um monstrengo. O que foi dito é uma afronta à Constituição. Sob o prisma do desrespeito, desobediência, ruptura de princípios. A CF foi jogada na lata de lixo. O que fazer para reentronizá-la? Em 2022, o Brasil comemora 200 anos de independência. Sob que acordes? Liberdade? Opressão?

Voto auditável

Ora, o voto em urna eletrônica é auditável. Quem diz o contrário é ignorante. Querem voltar ao voto do cabresto, quando milicianos entregam envelopes fechados para eleitores ignorantes depositarem em urnas? (Doutor, em que estou votando? O coronel ou miliciano responde - deixe de ser besta, você não sabe que o voto é secreto?)

Expectativa

Este analista acredita nessas hipóteses:

1. Terá início uma reação parlamentar, que vai ter ondas mais altas um pouco mais adiante.

2. Com a soma das crises – sanitária, econômica, política, energética e social (com esgarçamento do tecido social) – é possível um desgarramento dos contingentes bolsonaristas por abril/maio.

3. A crise energética, se implicar apagão, acelerará o processo de desgaste do governo.

4. O auxílio Brasil, a ser lançado pelo governo no lugar do Bolsa Família, poderá aumentar o fôlego do governo por mais alguns meses.

5. A muito custo, Paulo Guedes aguentará ilustrar sua cabeça com o boné de Bolsonaro.

6. Este analista não aposta na candidatura de Lula como contraponto a Bolsonaro.

7. As oposições seguirão divididas até o 1º trimestre do próximo ano.

8. As FFAA deverão se dividir e a parcela profissionalizante predominará.

9. A vacinação em massa veio para ficar. A pandemia será uma constante em nossas vidas.

10. 2022 – Este analista vê como possibilidade a ideia de Bolsonaro não sustentar sua candidatura até o final.

Fecho a coluna com a velha malandragem.

A malandragem

Querem saber a origem da malandragem no Brasil? Veja o finalzinho da Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei de Portugal.

"E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que dela receberei em muita mercê." E conclui Caminha: "Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha."

Um pedido aqui, um trololó acolá e muita bajulação.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.