Abro a coluna com uma historinha do Maranhão.
Em campanha
José Burnet, chefe da Casa Civil do governador do Maranhão, João Castelo, era deputado estadual do PSD. Em 1962 candidatou-se à Câmara Federal e saiu pelo interior fazendo campanha. Chegou à cidade de Santa Helena, foi para o comício:
– Povo de Santa Helena. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Santa Helena.
Foi um sucesso. No dia seguinte estava em Pinheiro:
– Povo de Pinheiro. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Pinheiro.
Lá de trás, um caboclo, que por acaso tinha assistido ao comício da véspera em Santa Helena, gritou:
– Doutor, e Santa Helena, doutor?
– Santa Helena? Santa Helena? Santa Helena que me perdoe.
Queda de Bolsonaro assusta
A queda do presidente Jair nas pesquisas começa a apavorar parcela do eleitorado, tanto a ala bolsonarista como aquela que não vota no PT de jeito nenhum. Vamos aos dados: o IPEC, de Márcia Cavallari, que este analista conhece bem, atestando sua competência, mostra que mais da metade, 53% dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno de 2018, pretendem trocar de candidato ou apertar as teclas de branco e nulo na urna eletrônica em outubro de 2022. E um quarto, 26%, dos votantes no capitão sinalizam o voto em Lula, enquanto 34% dos que o elegeram não votariam nele de jeito nenhum. Os dados abrem muitas projeções, principalmente a de que o ex-metalúrgico, que ainda dá as cartas no PT, poderia chegar ao pódio já no primeiro turno. E isso amedronta.
Imagens em reconstrução I
Uma parcela considerável do eleitorado continua refratário ao lulopetismo. Não vota de jeito nenhum no PT e outra parcela não vota de jeito nenhum em Bolsonaro. O que fazer? Dar tempo ao tempo. Os índices acima podem não se sustentar caso a imagem do presidente seja remodelada com a tintura de uma economia em plena recuperação e uma pandemia em estágio completo de controle. Difícil, mas não impossível. Em política, nada é definitivo.
Imagens em reconstrução II
E a imagem do petismo poderia também ser mais limpa, caso Lula consiga se redimir dos pecados, aproximar-se do centro e formar alianças que ocupem o espaço central. Os dutos da corrupção, a partir da Petrobras, foram escancarados. Difícil, mas também não impossível. Restaria uma parcela menor que, mesmo assim, não votaria em qualquer um deles. O vazio continuaria a esperar um perfil de centro.
A prevaricação
O momento não é tranquilo para Bolsonaro. O depoimento dos irmãos Miranda joga a crise no colo do presidente. A se comprovar crime de prevaricação – o fato de ter conhecimento de aquisição irregular de vacinas, com intermediação de terceiros, sem tomar providências – dispara tensões na sala presidencial. Vamos acompanhar a denúncia a ser feita por senadores da CPI da Covid-19. O centrão, pragmático, terá dificuldades em continuar com seu apoio irrestrito ao presidente, principalmente se o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros, for envolvido. A PGR e o próprio STF terão papel decisivo nos próximos passos da CPI. Defesa de Bolsonaro: "não tenho como saber o que acontece nos Ministérios". Para que serve a ABIN? A CPI aguarda informações da PF sobre eventual pedido de investigação feito por Bolsonaro sobre corrupção na Pasta da Saúde.
O tirano
Maquiavel conta no Livro III dos Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para se tornar um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social.
Quebrando a polarização
Pergunta recorrente: como quebrar a polarização entre Bolsonaro e Lula? Este analista tenta expressar uma resposta: 1. Aparecendo um perfil no meio do arco ideológico que atenue a força dos extremos; 2. Tirando Lula do tabuleiro, o que, a essa altura, dependerá dos tribunais. Ou por vontade própria; 3. Tirando Bolsonaro do tabuleiro, o que dependerá do corpo congressual, em caso de aceitação e votação de um pedido de impeachment.
Tumulto
Este analista acredita que se Lula voltar a ser impedido de ser candidato por via judicial, haverá tumulto nas franjas e no meio da sociedade; e se Bolsonaro for impedido pelo impedimento, via Congresso, também haverá tumulto, sob o risco de algum golpe de espada. Há dúvidas, muitas, sobre tal hipótese. As divisões se acentuarão.
Datena candidato?
José Luiz Datena, o apresentador da Band, fechou sua filiação ao PSL. Um dos líderes do partido, o deputado Junior Bozzella diz que Datena chega no partido para entrar nas pesquisas sobre presidenciáveis. Datena chega ao partido depois de sinalizar vontade de ingressar na arena política, desistir e, agora, de se apresentar como candidato de terceira via. Difícil de acreditar, mas o Brasil é um dos sítios mais frequentados pelo Senhor Imponderável.
Leveza
"Ao longo de seu discurso ininterrupto sobre o insustentável peso do viver, Leopardi traduz a felicidade inatingível com imagens de extrema leveza: os pássaros, a voz de uma mulher que canta na janela, a transparência do ar, e sobretudo a lua". (Ítalo Calvino in Seis Propostas para o Próximo Milênio).
A malandragem I
O preconceito etário continua forte. Ter 45, 50, 60 anos hoje é bem diferente do que era em tempos passados. O número de pessoas com mais de 60 anos no Brasil já é superior ao de crianças com até 9 anos de idade. A população 50+ movimenta mais de R$ 1,8 trilhão, sendo a fatia com maior poder aquisitivo. Mas o etarismo permanece. E ultimamente tem sido muito comentado. A expectativa da vacina contra a Covid-19 despertou faixas etárias. Milhões de pessoas com prioridade avançaram na fila sob a batuta da malandragem brasileira.
A malandragem II
Um pouco da história da malandragem no Brasil. Final da carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei de Portugal. "E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que dela receberei em muita mercê." E conclui Caminha: "Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha."
Um pedido aqui, um trololó acolá e tome bajulação.
Roçados e feudos
A corrupção não foi extirpada da administração pública. Continua densa. E as máfias agem nas malhas do poder. Como se sabe, a máquina governamental se parece com uma imensa e paquidérmica porca, deitada e alimentando os filhotes. Ou, se quiserem, há roçados e feudos distribuídos a grupos partidários. Aos amigos, tudo; aos adversários, a lei.
Jung e o rei africano
Jung perguntou, uma vez, a um rei africano:
– Qual é a diferença entre o bem e o mal?
O rei meditou, meditou e respondeu às gargalhadas:
– Quando roubo as mulheres do meu inimigo, isso é bom. E quando ele rouba as minhas, isso é muito ruim.
Sommelier de vacinas
A última profissão no país é a de sommelier de vacinas, a pessoa que quer "experimentar" uma vacina em vez de outra. Ora, os infectologistas e imunologistas alertam: vacina boa é vacina no braço. Vacinem-se com as vacinas que estão à disposição. Efeitos colaterais podem (ou não) ocorrer com qualquer vacina, seja AstraZeneca, CoronaVac, Pfizer ou Janssen.
O governo do espetáculo
"O governo do espetáculo, que no presente momento detém todos os meios para falsificar o conjunto da produção tanto quanto da percepção, é senhor absoluto das lembranças, assim como é o senhor incontrolado dos projetos que modelam o mais longínquo futuro. Ele reina por toda a parte e executa seus juízos sumários". (Guy Debord in A Sociedade do Espetáculo).
Xexéo
Deu-nos adeus Artur Xexéo, jornalista, escritor, tradutor e dramaturgo brasileiro. Deixa sua marca na paisagem da cultura. E os livros: Liberdade de expressão; Janete Clair: A usineira de sonhos; O torcedor acidental; e Hebe: A biografia. Respeitado, comentarista da Globo News e, por muito tempo, da CBN. Com 69 anos, estava internado na Clínica São Vicente, na Zona Sul do Rio. Diagnosticado com um câncer tipo linfoma não-hodgkin de célula T duas semanas atrás, teve uma parada cardiorrespiratória na sexta-feira, 25, e morreu domingo.
Minhas homenagens.
Fecho com o meu RN.
Prócer e líder
Outra historinha contada por Carlos Santos, em seu livro Só Rindo 2.
Auxiliar direto do governador Dinarte Mariz, Grimaldi Ribeiro apresenta-lhe outro político interiorano no Palácio Potengi:
– Este é um prócer político do Trairi – define.
Noutra oportunidade, utiliza vocábulo diferente:
– Governador, esta é uma liderança política da região Oeste.
Intrigado com as constantes distinções, mas sem captar a sutileza da separação, o arguto Dinarte interpela Grimaldi: "Por que uns são próceres e outros lideranças?".
Professoral, Grimaldi justifica:
– Governador, prócer só tem pose, e liderança é que tem voto.