Abro a coluna com a matreirice mineira.
O milagre
José Maria Alkmin, a raposa mineira, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A Alfândega quis saber o que era.
– Água milagrosa de Fátima.
– Mas tudo isso?
– Lá em Minas o pessoal acredita muito nos milagres da água de Fátima. Não dá para quem quer.
– O senhor pode desenrolar?
– Pois não, meu filho.
– Mas, deputado, isso é uísque.
– Ué, não é que já se deu o milagre?
Cepa América
Cartas marcadas. O jogo tem jeito de contaminação e matança. Bolsonaro decide abrigar a Cepa América (isso mesmo, Cepa). Resta gritar como os condenados no Coliseu Romano: "Ave, Caesar, morituri te salutant" ("Salve, César, aqueles que vão morrer te saúdam").
Oposições nas ruas
Sábado último abriu a mobilização das oposições nas ruas. Causou surpresa pelo número de cidades - mais de 200 – em todos os Estados. Houve, sim, uma grande mobilização. Bolsonaro e o clamor pela vacina deram o tom. O comparecimento esteve acima da expectativa tendo em vista o pano de fundo pandêmico e a emergência de uma terceira onda. As oposições, no entanto, perdem o discurso de defensores da luta contra o coronavírus. Houve, sim, aglomerações. Tal constatação iguala os oposicionistas aos bolsonaristas em matéria de respeito às restrições.
Cisão? Não? Sim
Cisão nas Forças Armadas? Tema proibidíssimo. Forças Armadas significam disciplina, ordem unida, respeito à Constituição, defesa da Pátria. E quando um componente da corporação infringe uma de suas normas? Claro, deve ser punido. Ora, o general Eduardo Pazuello, ainda na ativa, teria ferido uma norma. Mas o comandante geral das Forças Armadas, o senhor presidente da República, vetaria eventual punição. O que fazer? Como se comportar? Essa situação, alvo da mídia, escancara a inferência: há, sim, uma cisão entre componentes da cúpula das FFAs a respeito desse assunto.
Insanidade
Se a Ciência já tomou posição contra a cloroquina e outros remédios incluídos no pacote antipandêmico, defendido pelo presidente e seu entorno; se o presidente continua a menosprezar as medidas de precaução, como o uso de máscara e o distanciamento; se a gestão governamental sobre o combate ao corona-19 tem sido considerada um pandemônio; se o mundo inteiro vai por um caminho e o Brasil se esforça para avançar na contramão... e outras coisas que causam perplexidade. O que dizer? Alguém ou alguéns padecem de insanidade. Caso de internação.
O Estado-Espetáculo
O Estado-Espetáculo tem sido construtor e destruidor de imagens. No Estado-Espetáculo, os atores são políticos, cantores e compositores, atores, atrizes e produtores do mundo cinematográfico, jogadores de futebol e de outras modalidades, empresários e demais perfis dos círculos de negócios. A mídia os tem transformado em olimpianos, na acepção de Edgar Morin, aqueles que vivem no Olimpo da cultura de massas, com uma faceta humana e uma faceta divina. São admirados e aplaudidos. Solicitados a dar autógrafos. A histeria provocada por alguns integra o espetáculo. Até pedaços de suas vestes são disputados por mãos e braços de galeras histéricas.
A imagem desaba
De repente, a faceta divina entra na lama. Uma denúncia, flagrante de assédio (moral, sexual), corrupção, propina, atos considerados abusivos, imorais e condenáveis jogam o olimpiano no banco dos réus. Da noite para o dia, a imagem do protagonista desaba. Alguns vão diretamente para a prisão, outros, para o banco dos réus. E aguardam a decisão da Justiça. Aquela aura recheada de carisma, brilho, simpatia, empatia, admiração escapa do perfil como uma nuvem passageira. Os ídolos de barro desmoronam com a chuvarada de críticas.
Tipologia da queda
Os perfis no vale dos caídos têm algumas particularidades:
Política – Atingido por um flagrante – escândalo, propina, desvio de verbas – o político entra no inferno dos malvistos. A depender do volume midiático e da importância da pessoa, a suja imagem tende a permanecer muito tempo boiando no pântano. Alguns carregam a fama por toda a vida. Adhemar de Barros puxa o troféu do "rouba, mas faz". O tempo o cobriu com o manto do folclore. Virou governante simpático. Paulo Maluf também ganhou essa embalagem. Orestes Quércia, idem. O fluir do tempo limpa a parede suja na medida em que a corrupção banaliza padrões e costumes ilícitos; regra geral, os políticos, como uma coletividade, são jogados no mesmo saco. A imagem também é compartilhada pelo escopo ideológico que envolve o protagonista: comunista, esquerdista, fascista, nazista, direitista, conservador, negacionista (novo atributo).
Atores/atrizes – Na contemporaneidade, os integrantes desse universo têm sido flagrados pela lupa do assédio (sexual, moral/ético). Exemplos de personagens que borraram sua imagem: Woody Allen, o grande diretor e um talento de criatividade, acusado de abusar de Dylan Farrow, filha dele com Mia Farrow. Alyssa Milano juntou 80 mulheres que denunciaram abusos do produtor de Hollywood, Harvey Weinstein. Kevin Spacey, muitos filmes e House of Cards, foi acusado de assediar sexualmente diversos homens. Ben Affleck, acusado de tocar os seios da atriz Hilarie Burton quando ela tinha 18 anos. Jamie Foxx, acusado de bater com o pênis em um rosto de uma mulher. Michael Douglas, acusado de usar linguagem sexual para parceiras. Morgan Freeman, acusado de assédio sexual por oito mulheres em entrevista à CNN. Roman Polanski, detido sob a acusação de drogar e estuprar uma jovem de 13 anos durante uma sessão de fotos na casa do ator Jack Nicholson. Sylvester Stallone, alvo de denúncia de abuso sexual contra adolescentes. E muitos outros. Alguns provaram sua inocência. Mas a mancha fica. P.S. Woody Allen, mesmo com criatividade, parece rejeitado em seu mundo.
Brasil
O caso mais recente no Brasil é o que envolve o humorista Marcius Melhem, denunciado pela atriz Dani Calabresa e outras colegas de trabalho dele por assédio sexual. Outro caso que mexeu muito com a classe artística foi o do famoso ator José Mayer, também acusado de assédio sexual. Saiu da TV Globo e ainda hoje está fora do vídeo. Há casos em todos os quadrantes. Nessa esfera artística, a limpeza de imagem é complexa. Depende muito da complacência da mídia. Depois de certo tempo, e pedidos de perdão, alguns acabam voltando a lograr simpatia de suas antigas comunidades, apesar de ser impossível resgate completo de imagem.
Esportes - Quem continua na crista da onda - mídia e adjacência – em matéria de sexo (assédio) é Neymar, do PSG. Há uma década que circula pelo Olimpo da cultura de massa, alvo de intenso tiroteio. A torcida (parte apenas) acaba perdoando as diatribes por conta de sua performance futebolística e a aura divina que o envolve.
Círculo de negócios - Morreu na prisão aos 82 anos, faz pouco tempo, Bernie Madoff, criminoso que deu o maior golpe financeiro de todos os tempos. Estava preso desde 2008 e havia sido condenado a 150 anos de prisão por ter enganado 30 mil pessoas que participaram de uma pirâmide financeira e de um rombo de 65 bilhões de dólares. Recuperar a imagem dele, tarefa impraticável. Odebrecht, no Brasil, e outros grupos, foram envolvidos com corrupção e acabaram alvo da operação Lava Jato. Resgatar imagem? Será possível. Medidas: reconhecimento público do erro, mudança de nome, adoção de novos métodos de gestão, rígidos controles, campanhas de marketing social intensas. A Vale do Rio Doce está limpando a imagem usando esses métodos. Campanhas de utilidade pública nesse ciclo de pandemia caem bem.
Conveniência
Há um aspecto pouco considerado no capítulo da imagem. Há figuras que fazem questão de passar uma imagem para a sociedade não compatível com parâmetros éticos, morais e até legais. Na política, essa observação é mais compreensível quando se selecionam perfis que procuram andar na contramão do bom senso: incentivar a violência pelo uso de armas, vituperar contra a ciência, usar linguagem inapropriada e até de baixo calão e assim por diante. O que explica tal contrafação? Alimentar as bases populares com os sentimentos que as empolgam: violência, ataque, medo, ameaça de morte a adversários, sob uma pseudo linguagem de moralização.
Fatores comportamentais
Mas há gente séria e competente que apresenta imagem negativa, apesar do reconhecimento sobre suas qualidades. O que explica sua inserção no poço da imagem? Resposta: por não conseguirem entrar na equação interativa da comunicação. O jeito, a postura, a forma de se apresentar, o maneirismo nas explanações, o estilo professoral/didático (que passa ideia de onisciência e onipotência) integram a escala de valores em questão. Em vez de transmitir sinceridade, transmitem impressão de artificialismo, marketing, autoglorificação, hosanas para si próprio. Essa é uma barreira de difícil ultrapassagem. Os protagonistas tendem a não aceitar mudar de comportamento.
O novo livro do Maierovitch
"Máfia, Poder e Antimáfia, um olhar pessoal sobre uma longa e sangrenta história" é um livro-ensaio-grande reportagem do jurista Walter Fanganiello Maierovitch, conhecido nacionalmente por nos brindar, na CBN, com a mais competente análise dos fatos políticos e sociais, sob a ótica do Direito e da Justiça. Com prefácio do jornalista Fernando Gabeira, a obra, sob o selo da editora UNESP, é um painel pleno de informações, casos e histórias envolvendo a máfia italiana, porém com um algo a mais que não se lê em outros compêndios: a vivencia e o domínio do juiz Maierovitch sobre a temática da violência e do terrorismo, eis que ele, também cidadão italiano, é amigo dos juristas que investigaram a Cosa Nostra siciliana, a partir do juiz Giovanni Falcone, assassinado em 1992, e que aqui esteve para tratar da extradição de Tommaso Buscetta, preso em São Paulo em 1983.
Brasil no mapa das drogas
A obra do analista jurídico resgata a história da máfia e seus personagens, ao lado dos temas sobre violência na contemporaneidade, como o combate às drogas, a política criminal, o Estado e o terrorismo, as Convenções Internacionais contra o crime organizado, abarcando até questões nossas, como a Cracolândia, que tem sido contemplada com políticas que Walter Maierovitch designa de "enxuga gelo". A leitura, fácil e convidativa, mostra como o Brasil se inseriu no mundo da violência como um entreposto de drogas. Um trabalho de grande fôlego.
O fecho vem também de Minas.
Desde que o dinheiro venha
Mais uma da matreirice mineira. Benedito Valadares chegou a Curvelo/MG, para visitar a exposição de gado do município. Na hora do discurso, atrapalhou-se:
– Quero dizer aos fazendeiros aqui reunidos que já determinei à Caixa Econômica e aos bancos do Estado a concessão de empréstimos agrícolas a prazos curtos e juros longos.
Lá do povo, alguém corrigiu:
– É o contrário, governador! Empréstimo a prazo longo e juro curto.
– Desde que o dinheiro venha, os pronomes não têm importância.