Porandubas Políticas

Porandubas nº 713

A dúvida que percorre a esfera política: será viável a terceira via no pleito de 2022?

28/4/2021

Abro a coluna com Zeca de Campina Grande.

Zeca de Campina

Em João Pessoa, num restaurante chique, Zeca pediu um bode assado. O garçom retrucou:

– Desculpe-me, senhor, aqui só servimos frutos do mar.

Zeca emendou sem dar tempo:

– Então me traz uma água de coco.

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Um dia, outro taxista cobrou R$ 20. Zeca, liso, só tinha R$ 10. E pagou.

– Cadê o resto? – pergunta o taxista.

Zeca não hesita:

– E eu vim sozinho. Vamos rachar!

CPI e a luz midiática

CPI da Covid-19 instalada, o governo toma assento a cadeira dos réus. Governadores, idem. Mas as luzes midiáticas focarão com mais intensidade o espaço Federal. A imagem do governo vai ser plasmada com o pincel a ser usado pelos investigadores, no caso, um seleto grupo de 11 senadores titulares e sete suplentes. O governo tem minoria e o grupo independente abarca o maior número. Foi um erro crasso do governo tentar, por liminar impetrada pela deputada novata Carla Zambelli, vetar o senador Renan Calheiros como relator. Apenas exacerbou os ânimos. Os resultados da CPI levarão em conta os fatores: pressão da opinião pública, pressão parlamentar, presidentes das Casas Congressuais. CPI Covid-19: OP+PP+PCS.

A terceira via

Comecemos com a recorrente dúvida que percorre a esfera política: será viável a terceira via no pleito de 2022? Ou será mais viável apostar todas as fichas na polarização Bolsonaro x Lula? Aos argumentos. A terceira via se apresenta absolutamente viável como hipótese a vingar na eleição presidencial. 1) O eleitorado tende a se libertar de opções entre polos extremos do arco ideológico; 2) o lulopetismo não tem condições de resgatar sua simbologia de esperança dos tempos antigos; 3) o bolsonarismo terá seu bloco de ativos participantes, mas seu comandante-capitão se mostrou aquém das necessidades do país, a partir da má gestão na frente da pandemia; 3) a sociedade está saturada com o tiroteio entre as duas alas, sinalizando o desejo de respirar outros ares; 4) o país se mostra preparado para buscar uma nova alternativa que abrigue valores da ponderação/moderação/equilíbrio/menor tensionamento social.

A esperança

Este é um valor sempre presente na seara da política. O PT dos tempos idos sinalizava com a esperança de mudança. Aliás, mudança foi a palavra usada por Lula para iniciar seu discurso de posse em 1º de janeiro de 2003. O eleitorado acabou o reelegendo e ele, mesmo sob atropelos, conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff. Foram 13 anos de gestão petista. E em sua esteira inaugurou-se uma era de grandes escândalos, tendo como centro a Petrobras. Caímos na operação Lava Jato. A imagem do lulopetismo ficou na lama. Lula foi condenado. E agora, com sua absolvição pelo STF da condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro, ganha condições de elegibilidade, que pode ser retirada por novas condenações.

Novos julgamentos

A mídia tem dado cobertura às recentes decisões do STF como se elas já fossem algo definitivo. Há, assim, um imenso prejulgamento midiático, que coloca novamente o foguete Luiz Inácio na plataforma de lançamento. Ora, tudo será reiniciado na vara de Brasília ou, até, em São Paulo. Mesmo que o vento corra, hoje, na direção do líder maior do PT, este analista acredita que Lula, por enquanto, está no limbo, podendo voltar a frequentar o inferno. Alcançar as glórias do paraíso? Isso seria possível, sabendo-se como são instáveis nossas instituições e como o Senhor Imponderável costuma frequentar nossas plagas. Mas nova condenação não pode ser retirada do mapa das previsões. Dizer que nunca foi beneficiado pela "mão caridosa" de grupos que promoveram a roubalheira parece um grande drible na verdade. Como já se acentuou, acima, pode acontecer até isso. Enfim, com nova condenação ou não, Lula terá dificuldades para resgatar a aura do passado.

Déjà vu

O sentimento que percorre as veias sociais, sempre com referência aos fluxos mais fortes, é o de figura já vista, conhecida, saturada. O tempo de Lula na cadeira do Planalto faz parte de um tempo que passou. Mas será decisivo no jogo eleitoral, eis que ainda toma banho nas águas do carisma, beneficiando-se, sobretudo, com a deterioração do perfil do capitão Jair, um incorrigível na arte de atirar a esmo, gerando polêmica e exibindo imensa falta de preparo para administrar este país. Cravar um voto em Lula é tirar do velho baú de lembranças o estilo "nós e eles", erva daninha plantada na seara da consciência das maiores fatias que habitam a pirâmide social.

A imagem do capitão

No início, contava Jair com a boa vontade, a paciência e certo apoio de parcelas que, inclusive, não chegaram a sufragar seu nome. Voltemos a uma análise já aqui descrita. Ele foi eleito pelos erros e defeitos dos outros – o lamaçal da Petrobras e adjacências – do que por suas qualidades. Identifica-se um conjunto de situações assemelhadas ao quadro eleitoral norte-americano, com a eleição de Donald Trump. Thomas Frank, respeitado analista político, argumenta que o megaempresário foi eleito por "conservadores em um movimento de contrarreação".

Uma onda para a direita

Nesse rolo compressor social, movido à contrariedade em relação ao status quo, reuniram-se norte-americanos brancos, parcela da classe operária, parcela das classes médias, faixas que sentiram perda de status e de renda. A raiva, indignação, a constatação de que o bolso se esvaziava, não dando para cumprir obrigações com a família – alimentação, saúde, educação – motivaram a identificação desses grupos com Deus, com as Forças Armadas e com os valores pátrios, principalmente aqueles com foco na defesa do emprego e contrários à invasão do território por estrangeiros. Afastando-se de suas associações de referência, aquelas que defendiam seus interesses, a onda voltou-se para a direita e refugiou-se numa asa do partido republicano. Deu no que vimos, Trump na Casa Branca.

Contra o petismo

Por aqui, os sentimentos difusos confluíram também para a via conservadora, onde se abrigam núcleos religiosos, com destaque para os credos evangélicos, as Forças Armadas e a defesa dos eixos centrais da família, sob um clima geral de rechaço ao lulopetismo, então identificado com os escândalos da operação Lava Jato. A mídia expôs massivamente a ligação do lulopetismo com a corrupção. E, hoje, garantindo a ascensão de Lula, o STF marca a testa de Sergio Moro com o ferro da suspeição. Lula resgata, por enquanto, o manto de candidato em 2022. E Bolsonaro, que canalizava a contrariedade nacional, transformando-se em extensão dos contingentes que se mostravam dispostos a "aceitar tudo contra o PT", começa a ver faltar arroz e feijão nos pratos dos eleitores que nele votaram.

O meio puxando as bases

O desgaste dos polos extremos do arco ideológico recompõe traços da cultura política nacional de buscar a moderação, a harmonia e fugir do foguetório comum às crises. A polarização, sentida por meio de acusações recíprocas, bate boca nas redes sociais, falas intempestivas dos protagonistas do discurso radical, dá sinais de saturação. De um lado, referências ao poder da força, o pano de fundo de volta de tempos obscuros, quarteladas e canhões nas ruas; de outro, a lengalenga contra as elites, o vermelho e seus símbolos ocupando as ruas, o desfraldar de surrados slogans e refrãos do socialismo. Para fugir a esses contrapontos, uma corrida para o centro é o movimento mais antenado com as demandas sociais do momento.

Quem, quem?

O fator que contribui para o descrédito desta hipótese gira em torno da pergunta: quem seria o perfil a canalizar a maior parte do eleitorado? Não há, hoje, alguém que possa juntar as forças centrais. Há um conjunto de nomes jogados no balão de ensaio. A economia e a pandemia certamente estarão no tabuleiro do jogo quando o jogo começar para valer. Por enquanto, assistimos a uma preleção envolvendo figuras com pequeno e médio prestígio. Mas o ciclo da articulação já está dando os sinais de que as conversas começam. Não se chegará a um nome no curto prazo, pois as variáveis da economia e da pandemia certamente terão influência na definição do ator principal. Os nomes sobre a mesa tentam, por hora, se manter no tabuleiro. Dentre eles, Tasso Jereissati, Ciro Gomes, Luiz Inácio (seria milagre se puxasse o centro), Luiz Mandetta, Sergio Moro, Luciano Huck, João Doria, Guilherme Boulos (sem condição de atrair o centro), João Amoedo.

A imagem dos políticos

Em recente live, fui surpreendido com a pergunta: "a vida privada do homem público deve ser objeto de interesse social?". Minha resposta, que surpreendeu meu interrogador foi sim. O homem público tem o dever de compatibilizar a vida privada e a pública, na medida em que ambas são forjadas por valores e princípios que expressam seu caráter. A Constituição expressa serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. É inquestionável tal pletora de direitos. Mas estes devem ser exercidos para garantir a cidadania.

Vida privada I

"O estadista deve trazer o coração na cabeça". A frase de John Kennedy, o mais querido presidente dos EUA, possivelmente explica por que sua vida íntima era um mistério, cercada por intrincada teia de boatos, que abrigaria um relacionamento com a mais famosa ícone da sensualidade feminina no cinema, Marilyn Monroe. O ex-presidente Bill Clinton teve um caso com a estagiária Monica Lewinsky, no gabinete anexo ao famoso Salão Oval da Casa Branca. O mundo tomou conhecimento de conversa picante, gravada em dezembro de 1989, entre o príncipe Charles da Inglaterra, então casado com a princesa Diana, e sua amante (hoje sua mulher), Camila Parker Bowles. A mídia fez uma algazarra.

Vida privada II

Líderes que procuram "humaniza" a imagem são, em geral, aplaudidos e admirados, eis que despertam nas massas sentimentos de familiaridade, simplicidade e proximidade. Na França, o presidente Giscard d'Estaing costumava sair pelas ruas, participar de partidas de futebol, exibir-se em festivais de acordeão, visitar prisões, convidar varredores de rua para tomar café da manhã no Palácio Eliseu. O presidente Miterrand teve uma filha fora do casamento e a imprensa francesa soube respeitar sua vida privada. Outros exageram nos gestos, resvalando, por conseguinte, pelo perigoso terreno da galhofa. Pierre Trudeau, então primeiro-ministro do Canadá, e pai do atual primeiro ministro, em recepção cerimoniosa, chegou a escorregar pelo corrimão de uma escada. Outra feita, ocupou lugar na Câmara dos Comuns envergando camisa polo, paletó esporte e sandálias.

Vida privada III

Thomas Jefferson, um dos homens mais admirados dos EUA, protagonizou um "escândalo" amoroso, o caso com uma de suas escravas, Sally Hemings, que fora a Paris cuidar da filha mais velha do presidente, na época com nove anos de idade. Já o político inglês John Profumo, que tinha o cargo equivalente ao de ministro da Guerra, um dos heróis do Dia D (desembarque aliado na Normandia durante a 2ª Guerra Mundial), foi protagonista de um grande escândalo: o envolvimento com a modelo Christine Keeler, no começo dos anos 60. Ouve-se, aqui e acolá, um zunzum envolvendo figuras de destaque na política.

No Brasil

Aqui em nossas bandas, os feitos amorosos de figuras públicas já não geram a comoção do passado. O carisma do governante ajuda a aplainar arestas. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, vale recordar, foram presidentes namoradores, o que não lhes corroeu a fama. Falava-se de Jango como namorador. O general Médici usava um radinho para acompanhar os jogos de seu time, o Grêmio. Afinal, quais os limites da vida privada que devem ser preservados?

Espírito do tempo

A rejeição a comportamentos de governantes tem que ver com o espírito do tempo. A percepção sobre esses feitos já não gera tanta negatividade quanto no passado. Mas a comunidade política precisa tomar conhecimento da vida privada, até para poder fazer justa avaliação de sua conduta. Veja-se o caso de Tancredo Neves nas horas antes de tomar posse. A informação deu lugar a boataria. O prefeito Bruno Covas, de São Paulo, por sua vez, dá completa transparência ao tratamento do câncer a que se submete.

Guardar o coração na cabeça

Urge pontuar: uma coisa é o ato particular, que ocorre no sagrado espaço do lar ou no ambiente pessoal de trabalho, outra é o evento privado que se desenvolve em território público. E mesmo em locais privados a conduta do homem público há de ser condizente com os valores republicanos e com preceitos éticos e morais da sociedade. Quando altas autoridades de uma nação são flagradas em situações torpes, despencam no ranking da credibilidade social. Passam a ser motivo de vergonha e chacota. É bastante tênue, como se pode perceber, a linha divisória que separa o comportamento íntimo do ator político de sua vida pública. Na história dos governantes, alguns souberam tirar proveito (e fazer marketing) de situações privadas, principalmente por meio de gestos, atitudes e manifestações voltadas para conquistar a simpatia. Desvios de padrão são denunciados pelo caleidoscópio social. Quem se arrisca nos descaminhos afunda, inexoravelmente, no poço do descrédito. Se quiserem galgar os degraus mais altos do poder, vale apreender a lição de Kennedy: guardem o coração na cabeça.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.