A última coluna do ano será um remix com comentários.
Um ano novo pleno de saúde!
Imagem das Forças Armadas
Em janeiro, na nota sobre "O Poder Executivo - os militares", dizia que a ala do entorno presidencial, particularmente os generais, era mais forte no início do governo. O general Augusto Heleno, que responde pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, parecia o perfil mais poderoso do entorno presidencial. Ostentava a flâmula de poder moderador. Hoje, alinha-se completamente à linguagem do presidente, inclusive nos ataques a certas figuras da imprensa. Militares que saíram passaram a ser críticos. Transparece certa divisão na frente de apoios. Pois bem, a situação continua a mesma, com visível desprestígio para as Forças Armadas.
Congresso
Sobre o corpo parlamentar, escrevi que os representantes, já afeitos ao estilo rompante do presidente, cobrarão com mais força as demandas feitas junto ao articulador, ministro Luís Eduardo Ramos, e mesmo ao então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mexerão no regimento para tentar se reeleger? Alcolumbre topa, Maia é mais precavido. Em caso de novos dirigentes, a perspectiva é de que estejam mais alinhados ao discurso de autonomia e independência do Parlamento. Tempos de valorizar os conjuntos parlamentares e evitar que o Judiciário invada a esfera parlamentar. Continua a argumentação valendo. Uma Câmara independente – eis o discurso de Arthur Lira e Baleia Rossi, candidatos à presidência da Casa.
Poder Judiciário
Continuará sendo alvo da mídia e de parcela da esfera política, não conformada com suas decisões no âmbito da Lava Jato. Expande-se a sensação de que alguns ministros agem de maneira parcial e sob viés político. A substituição no final do ano do ministro Celso de Mello, decano do STF, abrirá o leque de especulações. Quem seria o perfil "terrivelmente evangélico" para entrar em seu lugar, conforme há tempos ao substituto se referiu o capitão presidente? O atual advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça? Pois é, acabou sendo escolhido um juiz alinhado com o presidente, mas o perfil "terrivelmente evangélico" continua na cabeça de Bolsonaro.
2º ano de Bolsonaro
Dizia que Bolsonaro dá constantes sinais de que tentará a reeleição em 2022. Pois bem, o pleito municipal, com a escolha de 5.570 prefeitos e cerca de 57 mil vereadores, é a base do edifício político. O jogo do dominó, portanto, começa com o time de vereadores, que custam ao Estado cerca de R$ 10 bilhões anuais. O vereador empurra o prefeito, que empurra os deputados estaduais, Federais e senadores, que empurram o governador e cada um destes também dá seu empurrão para a eleição do presidente da República e seu vice. Assim, o capitão terá de se esforçar muito para puxar o apoio de governadores, senadores, deputados e prefeitos. Quanto maior sua fonte, mais água eleitoral entrará nas urnas. O presidente acabou não obtendo os louros de uma grande vitória.
A quarentena
Em fevereiro, escrevi que o Governo decidiu trazer os brasileiros que estão em Wuhan, na China, epicentro do coronavírus. Ponto para o Governo. Eles serão isolados numa quarentena de 18 dias. Um desafio. Há infectologistas como David Uip, que questiona a eficácia da quarentena sanitária prevista pelo Ministério da Saúde. Diz que há pouca informação sobre o tempo de incubação do novo coronavírus, não existindo de que o período de transmissão seria coberto. Essa foi a maior polêmica do ano: fazer ou não lockdown, esticar ou não a quarentena. Com a 2ª onda em curso, o relaxamento versus isolamento está na ordem do dia.
PT e seu retrofit
O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, sugere uma ampla aliança entre as oposições. E pede ao PT que tente mudar sua cara, a partir da mudança de nome. O que se chama de "retrofit", termo surgido na Europa e Estados Unidos, que significa "colocar o antigo em forma" (retro do latim "movimentar-se para trás" e fit do inglês, significando adaptação, ajuste). Na arquitetura, abriga um conjunto de ações de modernização e readequação de instalações. O objetivo é preservar o que há de bom na velha construção e adequá-la às exigências atuais. O PT foi um dos derrotados na campanha municipal e a sugestão de Flávio Dino não entrou na cuca de Lula.
Perfil ideal
Ainda em fevereiro tracei o perfil ideal para um bom candidato à prefeito:
- símbolo da renovação
- vida bem-sucedida no campo profissional
- passado limpo, vida decente
- boa expressão - capacidade de comunicação
- eficiente articulação
- apresentação de propostas que entrem na cachola do eleitor
- condições para fazer uma boa campanha
Os pontos, de certa forma, foram destacados, mas representantes do passado foram contemplados.
Quarentena meia boca
Em março, argumentei que o Brasil poderia alcançar resultados mais expressivos no combate à Covid-19, achatando de maneira mais rápida a curva do crescimento da epidemia. PODERIA. Mas não vai alcançar essa meta por algumas razões: 1. Nosso ethos tende a não seguir rigidamente as normas; somos um povo muito voltado para as transgressões; 2. A sociedade, mesmo apoiando com força o isolamento social, não age como impõem as regras. Em alguns espaços, até parece que o povo está gozando férias, indo às praias, fazendo festinhas; 3. O presidente da República, ele mesmo, funciona como aríete do escudo de defesa. Defende o fim do isolamento, com exceção da população idosa. E muita gente leva em conta a garantia de Bolsonaro de que só a volta ao trabalho evitará a ruína do país. Não tiro uma vírgula do que disse.
Eleições municipais
Em abril, frisei que seria muito difícil fazer eleição municipal em princípios de outubro. A data mais provável é 15 de novembro ou um uma data nos meados do mês. Mobilizar estruturas, preparar urnas eletrônicas ainda sob a fumaça da paisagem desolada, provocada pela Covid-19, animar candidatos, enfim, criar um clima eleitoral em tempos de medo e depressão são coisas que atrapalham as previsões. Quanto ao adiamento do processo eleitoral, impossível. Seria um golpe. Os eleitos de 2018 não ganharam esse esticamento por parte do eleitor. Na mosca.
Panorama visto do alto
Em maio, desenhei: São Paulo parece quieta. Só impressão. Menos carros, menos barulho. Mas, em suas casas, as pessoas estão atônitas, medrosas, estampando um aparente conformismo que as catástrofes costumam puxar. Se as nossas vidas precisam desse recolhimento, que o acolhamos. Muitos se rebelam. A paisagem é sombria. Um ou outro urubu cruza seus voos sobre o parque do Ibirapuera. O campo do ginásio quase todo coberto com um gigantesco toldo branco, onde um hospital de campanha abriga contaminados pelo vírus. Quando, quando, quando respiraremos ares mais saudáveis? Até hoje, a indagação continua na mente.
10 minutos com a mesma frase
Ainda em maio, observei: Um controlador das mensagens aponta que, durante 10 minutos, leu a mesma mensagem em pretensos apoiadores de Bolsonaro: "não conheço um eleitor de Bolsonaro que viu o vídeo e esteja arrependido, pelo contrário, já iniciamos a campanha para 2022. É a melhor propaganda de todos os tempos". Marcelo Adnet, o comediante, joga nas redes um vídeo com a mesma frase e nomes de seguidores, alguns repetidos. Uma farsa, que deve ter o dedo do comandante das redes sociais do presidente. A linha de abordagens contrárias ficou mais restrita aos comentaristas de TV e de jornais. Além de articulistas de renome. Pois essa linha perdura até hoje.
Brasil mais isolado
Em junho, fiz a nota com o título acima. Trata-se de isolamento na esfera das Nações. A pandemia mata milhares pelo mundo. O Brasil se torna o epicentro, com liderança no ranking de mortos em 24 horas. E o que faz o governo? Ordena atrasar a publicação dos dados e manipular as informações. O ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, é um técnico de logística. Cheio de boas intenções. Mas nesse jogo de esfriar os números desfere um tiro na imagem. O Estado de Roraima acabou pagando o pato. Teria fornecido números errados. As autoridades de saúde de RR refutam. E o mundo, de queixo caído, indaga: existe democracia no Brasil? E complementei: em matéria de liderança, o Brasil é um mapa em branco. O país caminha às escuras por faltar um líder confiável, competente, capaz de comandar um Projeto de Nação.
Esperança e desânimo
Em julho, vi nos horizontes certa esperança e certo desânimo. A esperança emerge na onda de vacinas que começam a ser testadas em alguns países. Os relatos são otimistas. A Rússia entra na terceira fase de testes. Na Europa, Alemanha e Reino Unido avançam. Na China, os testes também estão avançados e contam até com a parceria brasileira. Em alguns países, a barreira sanitária tem impedido a disseminação da Covid-19. O lado pessimista aponta rebaixamento da imunidade das pessoas que desenvolveram anticorpos contra o vírus. Depois de alguns meses - falam em três - a pessoa poderá cair novamente doente. Uma espécie de vaivém. A mostrar que esse danado de bicho tem condições de ganhar força na esteira das fragilidades humanas. Ainda hoje as dúvidas formam polêmica.
Bolsonaro e a base do lulismo
Em agosto, acentuei coisas desse tipo: num curto espaço de tempo, o território do lulopetismo por excelência, o Nordeste, 27% da população do país, é invadido pelo novo governante que passa a ocupar o trono do pernambucano Luiz Inácio. Bolsonaro tem sido mais festejado do que Lula dos velhos tempos, quando era um Deus, o Pai dos Pobres, o salvador da Pátria para os nordestinos. É ovacionado aos gritos de mito, mito, mito. Põe chapéu de couro e cai nos braços da massa que espera por ele nos aeroportos. A ponto de um atento olheiro da cena política regional confessar, perplexo, a este consultor: o cenário é do frei Damião do passado. Bolsonaro vai ao Nordeste pela 4ª vez em 19 dias. Hoje, o auxílio emergencial é a tábua de prestígio presidencial. E quando acabar?
BO+BA+CO+CA
Ainda em agosto, voltei a falar na minha equação: Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. O auxílio emergencial na paisagem da pandemia cai dos céus como maná no deserto. E como cai. Permite que famílias carentes abasteçam a velha geladeira desprovida de alimentos. Ademais, o lulismo tem perdido fôlego na região desde os turbulentos tempos de Dilma e escândalos que cercaram o PT. Lula, por seu lado, não abriu o partido para novas lideranças. Os governadores petistas da região até se esforçam para fazer um bom governo, mas a crise econômica, ao lado da crise política e da crise sanitária, solapam as estruturas estaduais. Governar nesses nebulosos tempos tem sido um exercício de arte, técnica e sorte.
Corrupção
Em setembro, anotei: de tanto ser prato diário na mídia - Lava Jato, Witzel, outros governadores, delações premiadas, ações de busca e apreensão pela PF -, a corrupção vai diminuindo o tamanho do seu território no país. Não é o caso de garantir que vai ser extirpada. O jeitinho brasileiro, os dribles que os espertos costumar usar para cometer ilícitos, a sinuosidade no comportamento integram a alma brasileira. E nessa hora, Deus avisa que não é tão brasileiro, como alguns garantem. Isso é mais coisa pro Belzebu e seus capetas. Mas os crimes contra a administração pública tendem a diminuir. Mais controles, maior transparência, cidadão mais racional e exigente. Nesse item, recoloco a questão: a corrupção diminuiu. Ou não?
Que convívio, hein?
Em outubro, mostrei a competição entre os ministros do STF. Nota-se certa indisposição de uns ministros para com outros. Há um plus de vaidades, brios feridos, algo como - sou melhor do que você; ou ainda - cale a boca, quem é dono da flauta dá o tom. Pasmem. Como um corpo de 11 ministros, convivendo anos a fio, um ao lado do outro, conhecendo as têmperas, índoles e cacoetes mentais dos pares, ainda abre querelas em seu dia a dia? Não há amizade ou mesmo respeito que faça sucumbir qualquer tentativa de agressão pela palavra? Pois o que se lê e se ouve é algo como "esse ministro é caçador com ç". Verve maligna? Depois, Suas Excelências brindam no cafezinho. A vida institucional é mesmo um teatro.
Recados do eleitor
Em novembro, fiz uma leitura do processo eleitoral. Dizia: entre mortos e feridos, uns e outros, com salvação para alguns. Quer dizer, um pouco de tudo atingiu a todos. O eleitor foi mais racional que emotivo. Em certas praças, como havíamos previsto, uma abstenção recorde de mais de 30%. O que não significa falta de interesse. Não votar, anular ou votar em branco são atitudes que expressam desencanto, desilusão, indignação. Recados foram dados às pencas.
a. Política tradicional - Em 2018, Jair Bolsonaro levantou a bandeira da antipolítica, ou, nos termos que usou, a velha política. O eleitor, com sua arma democrática, disse: "espere aí, não é bem assim. Devagar com o andor". E deu um voto intenso na política tradicional.
b.Testado e experiente - Entre um novato, inexperiente, e um perfil já testado na administração, o eleitor preferiu este último. Muitos candidatos são da velha escola.
c.Viés plebiscitário - A eleição, a par de se constituir um freio de arrumação no sistema político, preenchendo lacunas e abrindo portas, teve também um certo viés plebiscitário, que se interpreta como endosso/apoio ou desaprovação ao presidente Bolsonaro, que não conseguiu eleger nem 10 prefeitos e uma leva pequena de vereadores nos 5.567 municípios do país. De 78 candidatos que registram Bolsonaro como sobrenome, apenas 1 foi eleito: o filho Carlos.
d. Partidos repartidos - DEM, PSD e PP são alguns partidos que ganharam musculatura. O PSDB poderá recuperar terreno com Bruno Covas em São Paulo. Elegeu até agora 497. O MDB continuará como o partido de maior número de prefeitos - 777 - mas perdeu 25% de sua bancada no comando municipal. Nenhum partido fez mais de mil prefeitos. No RS, o MDB obteve a melhor performance, com 130 vitórias. O PSDB caiu de 804 para 519 prefeituras.
e. Centrão cresceu.
O eleitor decidiu dar mais fôlego ao Centrão, que ganhou volume. O PP fez 672 prefeitos. O PSD, do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, subiu de 539 para 652. O DEM ampliou sua quantidade de prefeitos em 70%, chegando a 458.
Vacina politizada
Voltei a falar de vacina agora em dezembro. A vacina ganhou epítetos: vacina comunista, chinesa de João Doria, tem chips para controlar a vida das pessoas, muda o DNA humano, e mais um lote de besteiras. E sabe quem propagou toda essa descrença? Nossa autoridade máxima, o presidente, que acha bobagem vacinar em massa, fazer lockdown, essa dureza de proibição de circulação de carros e pessoas que a primeira-ministra Merkel determina na Alemanha. Por aqui, mais de 20% da população diz que não vai receber a vacina. Só quero ver quando a foice da morte pairar em suas casas.