Abro a coluna com duas historinhas, uma de Alagoas, outra do Rio Grande do Norte.
Passado a limpo
Em Alagoas, um dos políticos que marcou época foi Sandoval Caju. Na campanha para a prefeitura de Maceió, da qual foi cassado em 1964, cometeu tiradas engraçadas. Uma vez, chegou a um comício vestido totalmente de branco: calça, camisa, chapéu, sapatos, tudo branquinho. Foi logo explicando à multidão que cercava o palanque:
– Vim de branco para ser mais claro! Pois é, se o país precisa de algo, neste momento, é de muita brancura. Precisa aparecer cada vez mais branco para se tornar cada vez mais passado a limpo.
O coronel Lucas Pinto, que comandava a UDN no Vale do Apodi/RN, não dormia em serviço. Quando o Tribunal Eleitoral exigiu que os títulos eleitorais fossem documentados com a foto do eleitor, mandou um fotógrafo "tirar a chapa" do seu rebanho, aliás, do seu eleitorado. Numa fazenda, um eleitor tirava o leite da vaca quando foi orientado a posar para a foto. Não teve dúvida: escolheu a vaca como companheira do flagrante. Mas o fotógrafo, por descuido, deixou-o fora. O coronel Lucas Pinto não teve dúvida. Ao entregar as fotos aos eleitores, deparando-se com a vaca, não perdeu tempo e ordenou ao eleitor: "prega a foto aí, vote assim mesmo, na próxima eleição, nós arrumamos a situação". Noutra feita, o coronel levou as urnas de Apodi para o juiz, em Mossoró, quase 15 dias após as eleições. Tomou uma bronca.
– Coronel, isso não se faz. As eleições ocorreram há 15 dias.
– Pode deixar, seu juiz. Na próxima, vou trazer bem cedo.
Não deu outra. Na eleição seguinte, três dias antes do pleito, o velho Lucas Pinto chegava com um comboio de burros carregando as urnas. Chegando ao cartório, surpreendeu o juiz:
– Tá aqui, seu juiz, as urnas de Apodi.
– Mas coronel, as eleições serão daqui a três dias.
– Ah, seu juiz, não quero levar mais bronca. Tá tudo direitinho. Todos os eleitores votaram. Trouxe antes para não ter problema.
Idos das décadas de 50/60. Não havia empreiteiras financiando campanhas. A empreitada ficava mesmo a cargo dos coronéis.
Agosto decisivo
Entramos em um mês decisivo. Também conhecido como o mês do desgosto, o mês do cachorro louco, o mês das tragédias. Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciava à presidência da República. Carmen Miranda morreu em agosto de 1955. Getúlio Vargas praticou suicídio em 24 de agosto de 1954. No dia 2 de agosto, Hitler se tornava líder da Alemanha. Em 6 e 9 de agosto, Hiroshima e Nagasaki foram atacadas com bombas atômicas, uma das maiores tragédias da Humanidade. Portanto, é bom dar três batidas na mesa antes de continuar a ler este texto. Feito isso, lembremos que neste mês ocorrerão as convenções partidárias para escolha de candidatos a prefeito e vereador nos 5.570 municípios. Mês de definição da base governista. Mês de debate sobre reforma tributária, com uma grande pergunta no ar: vem mais imposto por aí?
Aras na defesa
Augusto Aras está em evidência. Sua expressão e suas atitudes parecem querer puxar o tapete dos procuradores que integram o batalhão de choque da Lava Jato. Está pareado com o Palácio do Planalto, pelo que se lê. A esfera política tem apreciado as decisões do PGR, sob a crença de que a operação já deu o que tinha de dar. E também em função da antipatia do perfil de Deltan Dallagnol, que está sendo submetido a uma ação no CNMP.
STF na linha de frente
Quem também protagoniza no palco da política é o STF. Sua visibilidade, como Corte que politiza seus atos, é intensa. Críticas à atuação de seus quadros se espalham. Vídeos e falas de extremo mau gosto, envolvendo alguns ministros, invadem as redes sociais. E quando se pensa que os fulanos serão apenados por causa de declarações ofensivas (e homofóbicas), eis que aparecem novos vídeos. Ao que parece, os ministros não querem responder às ofensas. A desmoralização da nossa mais alta Corte sobe ao pico da montanha. E a vida continua seguindo seu ritmo de tiros, bombas, ataques, calúnias. É o Brasil.
Sem coligação
Este ano, na área das eleições proporcionais, o princípio a ser seguido é aquele que vem da boca do povo: é tempo de murici, cada um cuide de si. Ou seja, candidato a vereador não será eleito na sombra de coligações, que poderão ainda ser feitas para a área majoritária, a dos prefeitos. Por isso, essa campanha traduzirá o país real da política. Cada partido vai medir efetivamente seu peso na balança política. Como tem sido de praxe, afora algumas praças, onde velhas rixas partidárias ainda se repetem, os nomes dos candidatos puxarão os votos. Será uma campanha nominal, com maior força dos líderes locais.
Nacionalização
Tenho dito e escrito que a campanha municipal será influenciada, em parte, pelo discurso nacional. Ou seja, os mandatários federais, a partir do presidente Jair Bolsonaro, serão cabos eleitorais em muitos municípios. O voto será dado aos candidatos municipais, sob o espelho do presidente ou de outros protagonistas, como Lula. O país ainda continua muito polarizado, bastando ver a carga de adjetivos e substantivos raivosos que saem nas redes sociais. Até parece que vamos continuar o terceiro tempo da campanha de 2018. Isso é muito ruim.
Ódio destilado
A carga de ódio que as duas alas do extremo ideológico destilam por dia transforma o país em um território de intensa beligerância, fato que escamoteia nossos verdadeiros problemas, as demandas sociais, os serviços públicos essenciais. Fôssemos uma sociedade apaziguada, seríamos uma gente mais solidária. Vivemos um dos momentos mais trágicos de nossa história e a beligerância em um Brasil dividido acaba banalizando a tragédia, os riscos, a morte que locupleta os cemitérios. Até quando viveremos sob estado de guerra permanente?
2º turno
Ao que se percebe, examinando as primeiras planilhas em capitais e cidades grandes, a grande quantidade de candidatos tende a levar o pleito de novembro ao 2º turno. Será muito difícil a um candidato vencer na 1ª rodada da eleição. Vejo assim: os extremos do arco ideológico, em torno de 10% do eleitorado, emplacarão os perfis com os quais se identificam; as margens sociais, em torno de 40%, tendem a escolher perfis que estão mais próximos a elas e, se possível, com feitos em suas regiões; o meio da pirâmide, incluindo o poderoso segmento de profissionais liberais, em torno de 45%, tende a selecionar perfis mais avançados no campo da cultura política; o topo vai de candidato conservador. Variações para lá e para cá. Mas a análise nesse momento é que um sopro de grande renovação depure mais os ares poluídos das municipalidades.
Trump e a pandemia
Por não estar gerindo bem a pandemia nos EUA, Donald Trump está em queda nas pesquisas. Um pandemônio açoita a sociedade norte-americana. Se Biden, o ex-vice de Obama e candidato democrata, vencer, o Brasil vai ter de rearrumar sua diplomacia, que se isola do concerto das Nações por obra e graça do chanceler Ernesto Araújo.
Fake news
Como analista de política e conhecendo um pouco nossa cultura política, não tenho dúvidas: teremos uma lei sobre fake news, punindo seus difusores, mas alerto: elas não morrerão. A versão ou as versões sobre um determinado fato fazem parte do DNA do ser humano. Integram o impulso combativo/defensivo dos indivíduos. As histórias, muitas, transformam-se em estórias, "causos", nas versões de uma retórica política. De tempos imemoriais até hoje, os relatos sobre um mesmo acontecimento dividem as opiniões. Recomendo a leitura de um texto de B. Brecht: "Cinco maneiras de dizer a verdade".
A cloroquina
Pois é, essa tal de cloroquina e a hidroxicloroquina permanecerão em nosso sistema cognitivo por muito tempo. Mesmo depois da pandemia - se ela passar – continuará frequentando nossas mentes. Quando o presidente da República, do alto de sua posição, garante que se curou tomando aquele remédio, o povo mais ignaro acredita mesmo. Agora surgiu mais uma droga receitada pelo prefeito de Itajaí/SC: uma pílula (comprimido, algo assim) que se introduz no reto por 10 dias. Brincadeira? Não. Recebi um vídeo. E deve ter muitos adeptos esse prefeito.
Fecho a coluna com Cabralzinho.
Cuidado com os ladrões...
Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província:
– Ladrões!
A praça, apinhada de gente, levou o maior susto.
– Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração!
Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso:
– Ladrões!
Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total.
– Cambada de ladrões!
Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava:
– Espera que eu explico! Espera que eu explico!
Explicou. Ao médico, no hospital.
(A historinha é narrada pelo insuperável Sebastião Nery).