Abro com uma historinha de JK e Jânio no Ceará.
O guidão de fora
Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora:
- Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque porquê do resto ando cheio.
Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um cantador o vê, saúda:
– Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora.
Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará.
Entrando em julho
Julho chega com inverno e poucas esperanças. Os governos, a partir do Estado de São Paulo, o mais populoso da Federação, decidiram abrir as atividades negociais, mesmo sob regime de progressão. Mas a expansão dos números de mortos e contaminados mostram que a decisão foi um pouco apressada. O fato é que os governos notaram que suas decisões vinham sendo quebradas pela reação do comércio. A essa altura, mesmo com receio de contaminação, as pessoas fazem pressão para abertura de seus pequenos e médios negócios. A morte, de tão banalizada, já não é um bicho-papão: fulano morreu, que pena... Esse é o ligeiro desabafo de uma sociedade que se torna fria, calculista, pragmática. Tempos duros os nossos.
Eleições à vista
Mais ao fundo, começa-se a ver a onda eleitoral. De início, partidos do Centrão queriam realizar as eleições em outubro. Agora, com a promessa do governo de liberar R$ 5 bilhões para as prefeituras combaterem a pandemia da Covid-19, já aceitam o adiamento para novembro. Claro, com grana a mais nos cofres candidatos à reeleição, principalmente, contam com mais chances de vitória. Mais adiante, voltarão a combater os males da administração, incluindo micro-ondas de vírus, que irão embora e voltarão, segundo os prognósticos.
Campanha negativa
Este ano a tendência é a da volta da propaganda eleitoral. Negociação dos partidos. No Brasil, é comum fazer-se propaganda negativa. Muito cuidado com isso. A Revolução Francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Biden e Trump devem abusar da propaganda negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia.
Impactos I
Os impactos a serem deixados pela pandemia serão de monta, principalmente na esfera de valores e costumes. A proximidade maior com a morte baixará uma cortina de frieza entre as pessoas. O pragmatismo se elevará no processo decisório, a exigir políticas de resultados. A pressa e ações intempestivas se expandirão na esteira de recuperação do tempo perdido. Alguns analistas chegam a projetar os efeitos em escala mundial.
Impactos II
Os EUA deixarão de ser o principal protagonista da política mundial ao perderem sua condição de fonte de estabilidade no planeta; a cooperação internacional definhará, eis que as Nações foram incapazes de lidar conjuntamente com as ameaças; a austeridade fiscal vai para o beleléu, ante a inevitável condição de governos aumentarem gastos para enfrentar as turbulências provocadas pela epidemia e a globalização, cantada e tão decantada, perderá seus eixos por conta dos controles rígidos que os países adotarão para proteger suas fronteiras e economias. Moisés Naím é um desses analistas.
Novas ondas
China, Índia e países europeus, como a Alemanha, começam a registrar novas ondas da pandemia. Na China, o vírus se espalha pelos porcos.
Paz e amor?
Lê-se que o presidente Jair Bolsonaro entrou na fase do "Jairzinho Paz e Amor". Está mais calmo e silente. Menos tosco e agressivo. Coisa de passagem. Bolsonaro cultua estratégia de guerra. Aprecia ir à luta. Guerra, guerra, guerra, ferocidade à moda Hitler. Sem medo de enfrentar as intempéries do inverno russo, por exemplo. Teria sido aconselhado pelos generais a maneirar sua índole. Precisa arrefecer o ânimo dos parlamentares, muitos ávidos para abocanhar nacos da administração. O Centrão está de olho nas sobras. Ele tem de enfrentar os casos que assombram o filho n° 1, o senador Flávio, cercado pela "rachadinha", caso Queiroz e, ainda, a CPI das fake news, que correrá pelo TSE. E a guerra é o palco onde Bolsonaro tenta segurar sua base de 30%.
Lula sobrevivente
O PT ainda não fez com que Lula descesse do altar onde está entronizado como salvador do lulopetismo. E ele continua a acreditar que é mesmo o Todo-Poderoso. Ora, Lula só tem chance em clima de débâcle geral, caos no país. Seu nome já não tem muito apelo para convocação de multidões. Soa como caneco enferrujado. Ideias são as mesmas. Fazer a revolução na política e nos costumes. Desbancar as elites. Não sente o que se passa ao redor dele. Tornou-se insensível. Não abre o partido para novas lideranças. E os novos, como Fernando Haddad, fazem loas e o aplaudem esperando sua benção para voltarem a ser candidatos.
Bodódromo
No meio da pandemia – o pico só virá no final de julho – o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, escolheu uma prioridade: investir R$ 30 milhões no bodódromo de Petrolina, onde se come um farto bode assado a céu aberto, como lembra o jornalista José Casado em O Globo.
Início do marketing político
"Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma)
Frente pouco ampla
A tão falada Frente Ampla, apontada como solução para sair do impasse dos extremos do arco ideológico em 2022, terá dificuldades para se constituir. Cada parceiro partidário quer ganhar uma grande fatia do bolo. Os partidos maiores pretendem dominar os protagonistas. É muito cedo ainda para uma tentativa de organização. Mas a bagunça no cenário inviabiliza por enquanto a ideia. Faltam líderes, sobra orgulho.
Alcolumbre quer ficar
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, vai tentar mudar o regimento da Casa para poder se reeleger em fevereiro do próximo ano. Só poderia na legislatura seguinte. Tem chances de conseguir. Já Rodrigo Maia confessa ter dado sua cota de sacrifício, não desejando, assim, mudar o regimento da Câmara para poder se reeleger. Mas como ficará o princípio da igualdade? O que será permitido no Senado será proibido na Câmara? Estranho.
Municipalização x nacionalização?
Questões importantes que florescem na seara eleitoral: campanhas tendem a ser municipalizadas ou a receber inputs federais? Micropolítica – política das pequenas coisas – ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral – estado geral de satisfação/insatisfação – adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura ambiental será sentida); 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; 3) O discurso semântico – propostas concretas e viáveis – suplantará a cosmética; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações; 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado.
Decotelli
Acusado de ter feito plágio na dissertação de mestrado, flagrado na mentira pelo reitor da Universidade de Rosário, na Argentina, que desmentiu ser ele doutor, e também desmentido por não feito pós-doutorado na Alemanha, o quase ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, mentiu descaradamente. Como alguém diz ser doutor sem sê-lo? Como alguém se apresenta como mestre em uma dissertação plagiada? Logo alguém que vai comandar a Educação no Brasil? Que compromissos terá com o zelo, a verdade, a disciplina, a honestidade, a dignidade, a integridade? Professor, assuma seu erro, mas não assuma o Ministério. Foi o que fez. Pediu demissão. Essa mancha vai acompanhá-lo por toda a sua carreira.
Bill Gates
Bill Gates acredita que a situação atual dos Estados Unidos frente à pandemia do coronavírus é "mais sombria" do que imaginou no começo da crise. Em entrevista ao canal americano CNN, o fundador da Microsoft afirmou que os EUA não foram rigorosos o suficiente em questões de proteção, como o uso de máscaras, monitoramento do distanciamento social e esforços de quarentena no território.
Aeroporto em terra alheia
O novo aeroporto de Natal, em São Gonçalo do Amarante, foi construído pela iniciativa privada a partir de 2011, começou a operar em 2014 e é reconhecido como um grande incentivo para a indústria do turismo do Rio Grande do Norte. O terreno foi passado pelo Estado para a União. A empresa que o construiu e ainda opera, a Inframérica, está desistindo do negócio, pois o retorno é baixo.
Negócios da privatização
Diante da desistência da Inframérica, o Ministério da Infraestrutura resolveu relicitá-lo, dentro de seu programa de privatização. Só tem um detalhe: aquelas terras ainda pertencem a ¾ de seus originais proprietários, que há 20 anos lutam na Justiça pelo pagamento das desapropriações. O Estado se exime de culpa. E a União finge que não há nada, mas recorre de todos os processos. Uma notificação extrajudicial tenta barrar a relicitação, pois "conceder uso do que não lhe pertence é contra o princípio de moralidade pública e sem amparo legal".
Fecho a Coluna com uma historinha da Bahia.
Conjunção rachativa
Grande de nome e pequeno de corpo. Magricela, esperto, inteligente, José Antônio Wagner Castro Alves Araújo de Abreu, sobrinho-neto de Castro Alves, herdou o DNA, o talento e a vadiagem existencial do poeta. Não gostava de estudar. No esporte, era bom em tudo. Colega de Sebastião Nery no primeiro ano do seminário menor, na Bahia, em 1942, na aula de português, o padre Correia lhe perguntou o que era "mas".
– É uma conjunção.
– Certo, mas que conjunção?
Zé Antônio olhou para um lado, para o outro e respondeu:
– Conjunção rachativa, professor.
– Não existe isso, Zé Antônio.
– Existe, professor. Quando a gente quer falar mal de alguém, sempre diz assim:
– Fulano até que é um bom sujeito, mas... E aí racha com ele.