Abro a coluna com Confúcio.
Governantes
Quando Confúcio visitou a montanha sagrada de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. Perguntou:
- Por que não se muda daqui para um lugar onde haja mais governo?
- Porque os governantes são mais ferozes que os tigres.
Estado de pânico
O Brasil começa a adentrar o território do pânico. Pode até haver certa dose de exagero nas medidas tomadas por governantes. Pode até estar superdimensionada a extensão da crise deflagrada por esse Convid-19. Mas o fato é que o mundo todo se desdobra na análise e decisão sobre o que fazer para atenuar os efeitos da pandemia. A China está provando que medidas drásticas dão certo. Confinou toda a região de Wuhan, o epicentro do novo coronavírus. O pico passou. A situação por lá mostra declínio.
O dano psicológico?
Qual o efeito da epidemia sobre a psique dos humanos? O que o medo provoca? Que estados d'alma se desenvolvem a partir do pânico? Eis uma hercúlea tarefa para analistas – psicólogos, psiquiatras, cientistas sociais/sociólogos/antropólogos. Quebra-se algum elo na corrente da confiança, da autoestima, da imagem dos governantes? Recriam-se novas formas de poder?
Trilhões na economia
A Itália torna-se centro da pandemia no mundo. Cerca de 400 mortes por dia. Cidades fechadas. Ruas desertas. Índices alarmantes. Os EUA baixam juros. O FED despeja 700 bilhões de dólares, pequena parte dos trilhões de dólares que somam as perdas em bolsas e em negócios prejudicados. Exportações e importações paralisadas. Trabalhadores faltam ao trabalho. Mas passam a realizar tarefas administrativas em suas casas.
Epílogo
"Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto". (Jorge Luis Borges)
O mundo é outro
O mundo hoje é bem diferente do planeta que tínhamos até um mês atrás. Costumes tradicionais são mudados. Eventos sociais, praças, parques, cinemas, teatros, escolas públicas e privadas integram a cadeia de fechamento. Perdas no organograma escolar. Até crianças morrendo. Isso mesmo, crianças. Futuro de milhões passa a ser reprojetado. Viagens marcadas são suspensas. Cruzeiros marítimos procuram portos para atracar. Mais parecem prisões em alto mar. Governantes e seus quadros são contaminados. A escala de contaminação aritmética vira escala geométrica, mais densa. A gigantesca tribo global vai se tornando um arquipélago de centenas de ilhas.
Uma nova ordem mundial
O fato é que se desenha um novo mapa-múndi, cujos traços certamente serão registrados pela história. Mesmo que, com o tempo, se desenvolva forte esquecimento dos efeitos da pandemia, marcas profundas serão deixadas em cada território. Entre esses traços, podem ser apontadas mudanças no eixo geopolítico, com redefinição de relações entre países, particularmente no campo da migração, exportação/importação, bens culturais, sob a égide de maiores controles. Advirá um surto nacionalista, que já embasa a política em algumas Nações, como os EUA e o Reino Unido. Os sistemas de saúde, com ênfase na política de prevenção, deverão receber reforço. A competitividade animará a indústria farmacêutica. Idas e vindas de pessoas e grupos entre países receberão maior atenção. Os aparatos do terrorismo poderão se utilizar dos ciclos endêmicos para desenvolver ações terroristas. A globalização e o que representa passarão por intenso debate. Uma barreira – ideológico/cultural/ideias/pensamento- provocará danos sobre o concerto das Nações.
Trump nas cordas
Depois de ter subdimensionado o efeito da pandemia, o mais poderoso líder do mundo ocidental se corrige ante as evidências e convoca o mundo político dos EUA para se dar as mãos nas estratégias de combate ao Covid-19. De imediato, saca do Tesouro 50 bilhões de dólares para as primeiras providências. Ao fundo, sua reeleição no pleito de novembro. A depender de como enfrentará a questão, poderá voltar à Casa Branca ou aos seus resorts. Para piorar, membros de sua equipe e de políticos republicanos são contaminados por... quem? Ora. Pela comitiva do seu amigo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. (Deve estar furioso... que amigo da onça...). P.S. Ou a comitiva foi infectada por americanos?
Bolsonaro e seus cavalos de Tróia
A equipe de Jair Bolsonaro, que já teria dito "I love you, Trump", teria levado a pandemia para a Casa Branca? A confraternização foi plena naquele belo resort do bilionário presidente dos EUA. Um "presente de grego" de Bolsonaro para Trump? Lembremos a Ilíada de Homero. O cavalo de Tróia, feito de madeira e oco por dentro, ideia do soldado grego Odisseu, levava centenas de soldados em seu interior. Os troianos aceitaram o presente e o levaram para dentro das muralhas de Tróia. Enquanto os troianos se refestelavam de bebida comemorando a rendição do inimigo, os gregos saíram do cavalo e atacaram a cidade. Tróia foi totalmente destruída. Bolsonaro e seus "gregos" teriam deixado membros da equipe do amigo Trump carimbados com a pandemia que assombra o mundo? Quem diria, hein?
Mas o pior aconteceu
Quem com ferro fere, com ferro será ferido. O ditado baixou como praga pelo Planalto de Brasília. Pois não é que o Covid-19 também entrou no corpo de parte das equipes que acompanharam Bolsonaro aos EUA? O secretário da comunicação, Fábio Wajngarten, foi o primeiro. Até um senador, Nelsinho Trad (PSD-MS) também foi contaminado. E o que diz o presidente? Exageros da mídia, fantasia, histeria. Pressionado, chegou a aconselhar a desmobilização de um movimento em seu favor, domingo, 15.
Conselhos às favas
E o que aconteceu? O presidente manda às favas os conselhos que recebeu para se precaver e vai às ruas de Brasília confraternizar e cumprimentar o povo. Afinal, ele passará por nova bateria de testes. "Eu sou do povo", justifica. E se for contaminado, ele será o responsável. Claro, cada qual seu bornal. E mandou bala nos presidentes da Câmara e do Senado. "Agora, prezado Davi Alcolumbre, prezado Rodrigo Maia, querem sair às ruas? Saiam às ruas e vejam como vocês são recebidos". Bolsonaro está na contramão do bom senso. Até quando poderá defender essa postura de enfrentamento?
A querela política
O que há, no fundo, é uma querela política. O presidente quer que as casas parlamentares, Câmara e Senado, aprovem in totum os projetos e medidas que o Executivo encaminha. E joga na cesta do lixo o chamado "presidencialismo de coalizão". O Parlamento, de troco, derruba seus vetos. O general Augusto Heleno chegou a chamar os parlamentares de "chantagistas". E assim as tensões sobem ao pico. Onde isso vai dar? Há quem comece a falar em impeachment. Por ora, hipótese completamente afastada. Mas o distanciamento entre o presidente e o conjunto parlamentar tende a se agravar. Paulo Guedes já não é tão aclamado. Parece cansado.
Coronavírus, a balança
Nesse ponto, volta ao tabuleiro do jogo a pandemia do coronavírus. Se for bem administrada, sob o comando do competente ministro da Saúde, ex-deputado Luiz Henrique Mandetta, o Executivo recuperará seus vetores de força. Dizem, porém, que Bolsonaro está incomodado com a boa imagem do ministro da Saúde. Se o governo for bem sucedido no combate à pandemia, tenderá a consolidar sua força, empurrando as massas para fazer pressão sobre Congresso. A recíproca é verdadeira. Se a pandemia der sinais de descontrole e subir de maneira avassaladora o número de mortos e suspeitos de contaminação, será um deus nos acuda. O buraco negro a se formar pode engolir gregos e troianos, com um formidável choque eleitoral nas eleições municipais de outubro. Nunca uma eleição agrega tantos componentes.
Teoria conspiratória
De Tales Faria, colunista do UOL: "Oficialmente não deve sair nenhuma manifestação nesse sentido. Mas nas suas conversas reservadas com assessores e até com políticos mais próximos, o presidente Jair Bolsonaro associa a pandemia do novo coronavírus a um plano de recuperação econômica do governo chinês. A teoria conspiratória corre solta entre os bolsonaristas e é compartilhada pelo presidente e seus filhos. Basicamente diz o seguinte: toda vez que a China tem problemas econômicos aparece uma grande doença que se espalha pelo mundo causando crise nos mercados globais e diminuição no valor dos produtos importados pelos chineses".
SP: 460 mil casos
Mesmo com as medidas que estão sendo tomadas em São Paulo, o infectologista David Uip, que coordena o Grupo de Trabalho criado para administrar a pandemia do Covid-19, faz uma projeção de 460 mil casos no Estado. Esse número equivale a 1% da população. O prefeito Bruno Covas decretou estado de emergência na capital com a finalidade de diminuir a circulação de pessoas.
O jumento e o sal
"Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade". (Esopo)
Fecho a coluna com Napoleão.
A derrota
A derrota de Napoleão costuma ser atribuída ao inverno russo. Aliás, esse sempre foi o argumento usado pelo próprio. Mas o exército napoleônico estava arrasado bem antes de o inverno chegar. Napoleão deixou Moscou com cerca de cem mil homens. Em 12 de novembro de 1812, primeiro dia em que a temperatura caiu abaixo de zero, haviam sobrado apenas quarenta e um mil. Não foi apenas o frio do inverno que matou os soldados. Foram as doenças. O clima enfraqueceu os homens de Napoleão, mas a temperatura não estava fria o suficiente para matá-los. O exército de George Washington, décadas antes, sobreviveu a clima muito pior. A descoberta mais interessante dos historiadores é que o exército napoleônico provavelmente sofreu tanto com o calor como com o frio. O verão russo de 1812 foi tão quente que dezenas de milhares de seus soldados morreram de insolação e desidratação.