Abro a coluna com uma historinha Estado do Rio de Janeiro.
Idôneo
Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado:
– Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo. O coronel relaxou e gritou para a galera que o ouvia:
– Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo.
(Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre)
Rainha da Inglaterra?
Bolsonaro se queixa amargamente da Câmara, agora por causa do projeto que institui o marco legal das agências reguladoras e determina que as indicações do presidente sejam confirmadas pelo Senado. "Querem me transformar em rainha da Inglaterra – que reina e não governa". O presidente da Câmara acentua que o presidente não leu o projeto, eis que "a composição e forma de proceder da Comissão (Comissão de Seleção dos nomes escolhidos pelo presidente) estarão submetidas à regulamentação pelo Executivo". Ou seja, a decisão continuará com o Executivo, a quem caberá regulamentar a Comissão.
PL vira lei
Ignorando o conselho de Maia, Bolsonaro sancionou, com vetos, a lei 13.848/19, que dispõe sobre a gestão, organização, processo decisório e o controle social das agências reguladoras. O trecho que determinava a elaboração de uma lista tríplice a ser escolhida pelo presidente da República e posteriormente submetida à aprovação do Senado foi vetado.
Aplainar arestas
O fato é que o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso vivem às turras. O mandatário não aceita que o corpo parlamentar cumpra suas funções na plenitude. Ora, a Câmara e o Senado, pelo comportamento que exercem, apenas resgatam suas constitucionais tarefas de legislar e exercer poder crítico sobre o Executivo, sem mais ficar refém do Palácio do Planalto. Por isso, aguarda-se com muita expectativa a posse do general Luiz Eduardo Ramos na Secretaria do Governo. Será o articulador-mor da administração. É considerado o melhor "Relações Públicas" das Forças Armadas. Dá-se bem até com partidos da oposição. O momento é de aparar arestas, que puxam nuvens pesadas entre o Palácio do Planalto e as cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional.
Estilo Bolsonaro
Até quando assistiremos a queda de braço entre Bolsonaro e a esfera política? O presidente coleciona derrotas em série na Câmara. Os deputados tendem a seguir a cartilha do presidente da Casa, Rodrigo Maia. Este e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, farão uma agenda congressual de reformas, a partir da Previdência e da Tributária. O problema reside na insistência do presidente Bolsonaro de não querer aceitar decisões das casas congressuais contra seus decretos.
Governar para as bases
Bolsonaro continua se expressando para suas bases de apoiadores. Insiste em manter acesa a chama da campanha. As redes sociais se dividem em aplausos e apupos. O apartheid social da era petista está se expandindo. A divisão "Nós e Eles" esquenta o vocabulário das redes. A família Bolsonaro é responsável em parte pela bílis que escorre pelas veias sociais. O guru Olavo de Carvalho, um pouco mais recolhido, não desiste de fustigar adversários com expressões de baixo calão.
Economia se apagando
A vela da economia, que parecia bem acesa há três meses, está se apagando. As expectativas se arrefecem. O crescimento do PIB para a casa de 1% ou menos. Fala-se em continuidade do processo recessivo. Mas as esperanças de que a reforma da Previdência seja aprovada mantêm o ânimo dos setores produtivos. O desemprego não dá sinais de refluxo. O Bolsa Família ainda consegue segurar o Brasil Profundo. Não fosse isso, as margens já estariam desengatando seus carros da locomotiva Bolsonaro.
Cassado ou preso
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi curto e grosso sobre as gravações atribuídas a Sérgio Moro: "ultrapassou o limite ético". E concluiu: "Em sendo verdade, são muito graves. Se fosse um deputado ou um senador (no lugar de Moro), ele já estava cassado, preso e nem precisava provar se tinha hacker ou não".
Com muita sede ao pote
Falar do pleito de 2022 só mesmo se houver algo muito forte para revelar. Temos três anos e meio pela frente. Mas a conversa sobre o pleito começa a ser aberta pelo presidente Jair, que anunciou ser candidato à reeleição. E que lembrou que João Doria é também candidato. Os anúncios são extemporâneos. Falta muito tempo. E bastante água correrá por baixo de pontes e viadutos. Doria tem dito que não concorrerá à reeleição. Sobra, no caso, uma candidatura presidencial ou ao Senado. O feitio dele, a índole, está para o Executivo, não para o Legislativo. João é aplicado. Mas comete erro quando sinaliza candidatura presidencial. Não diz abertamente, mas os sinais se escancararam.
E Lula?
Luiz Inácio não deverá ser candidato, eis que recuperará sua condição de cidadania política apenas em 2028. Mas será um grande eleitor. Se o Brasil for bem sob a administração Bolsonaro, o petismo e oposições não terão vez. A recíproca é verdadeira. Lula correrá o país com suas caravanas. Ou se recolhe de uma vez por todas ao limbo político. P.S. O PT é ainda um partido muito organizado. E que, segundo se comenta, tem muita grana para jogar no roçado da política.
Bolsonaro irá até o fim?
Bolsonaro chegará ao final do governo? A pergunta se insere no contexto de divergências profundas com o Parlamento. Collor e Dilma viraram as costas para o Congresso. Foram derrubados. Com Bolsonaro, há uma diferença: ele atiça, fomenta a rivalidade. E se essa desavença prosperar, um processo de rompimento se instala. Com prejuízos institucionais. Pergunta que se ouve por todos os lados: e esse general Mourão? Está se saindo melhor que o figurino. Flexível, cordato, bem-humorado, conversador, atende bem quem o procura (políticos, empresários e jornalistas) e a farda pouco pesa em sua imagem. Mourão surpreende. Não é à toa que o entorno do presidente Bolsonaro não o vê com bons olhos.
Bolsonaro no TSE
O Tribunal Superior Eleitoral, após o recesso, julgará duas ações contra a chapa Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Tratam de abusos que teriam desequilibrado a disputa em 2018. Uma das ações trata da entrevista que Bolsonaro deu à Rede Record no mesmo horário de um debate entre os candidatos. Bolsonaro alegou razões médicas para não comparecer ao debate. Recuperava-se da facada. A Record teria dado "tratamento privilegiado" ao candidato em sua plataforma. Mas é difícil acreditar no acolhimento da denúncia. O Ministério Público Eleitoral se manifestou pela improcedência da ação.
O imponderável versus BO+BA+CO+CA
Temos de lembrar que o Senhor Imponderável dos Anjos sempre costuma nos visitar. Às vezes, veste-se de demônio. E faz das suas. Que não apareça tão cedo para não atrapalhar a vida do presidente Jair Messias. Ele precisa dos cobertores das reformas para dormir em paz. Caso contrário, o caos prosperará. Mas se tudo ocorrer como manda o bom figurino, o presidente poderá escrever com perfeição a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Bolso cheio (geladeira cheia), Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governo.
Zema caindo na real
O governador mineiro, Romeu Zema, do partido Novo, tinha intenção de inaugurar nova maneira de administrar o Estado. Com mínima interferência dos políticos. Caiu a ficha. Sem aprovar matérias de interesse do Executivo, o governo não andará. Começa a ceder aos políticos.
Governar com a política
O fato é: não se governa neste país sem o apoio da política e de seus agentes.
Corrida de Jesus x Parada gay
Retrato do Brasil. Marcha para Jesus. Falam em um milhão de pessoas. Pela primeira vez um presidente e sua esposa compareceram ao evento. Bolsonaro, em cima de um palanque, simulou executar alguém caído. Uma imagem nada cristã. O evento chegou ao Brasil em 1993 por iniciativa do Apóstolo Estevam Hernandes, líder da Igreja Renascer em Cristo. Naquele ano, os fiéis saíram da avenida Paulista, cruzaram a avenida Brigadeiro Luís Antônio e chegaram ao Vale do Anhangabaú para a grande concentração. Mais de 200 mil pessoas participaram da manifestação. Parada do orgulho LGBT. Falam em três milhões de pessoas. O evento acontece desde 1997 na avenida Paulista, em SP. Na época, reuniu cerca de duas mil pessoas.
Maneira de dizer
Fecho a coluna com uma historinha árabe.
Um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse o sonho.
- Que desgraça, senhor, exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade.
- Mentiroso, gritou o sultão enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui.
Chamado outro adivinho, este falou:
- Excelso senhor. Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes!
Iluminou-se a fisionomia do sultão e mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. Quando saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse:
- Afinal, a interpretação que fizeste do sonho foi a mesma do teu colega...
- Lembra-te, meu amigo, tornou o adivinho, que tudo depende da maneira de dizer.