Abro a coluna com uma historinha que exibe traços de nossa cultura.
Eita, Brasil
Um sujeito comprou uma geladeira nova e para se livrar da velha, colocou-a em frente da casa com o aviso: "De graça. Se quiser, pode levar". A geladeira ficou três dias sem receber um olhar dos passantes. Ele chegou à conclusão: ninguém acredita na oferta. Parecia bom demais pra ser verdade. Mudou o aviso: "geladeira à venda por R$ 50,00". No dia seguinte, a geladeira foi roubada!
Paradigmas entortados
O pleito deste ano quebrou ou entortou alguns paradigmas:
1. O marketing eleitoral ficou de pernas pro ar. A comunicação massiva de alguns candidatos não funcionou.
2. O dinheiro não elege candidatos - teve candidato que quase não gastou e foi eleito com grande votação.
3. As pesquisas não detectaram tendências. Detectar apenas intenção de voto é pouco. O sistema cognitivo do eleitor não foi mapeado de maneira mais profunda.
4. Foi a campanha na qual o eleitor demonstrou maior autonomia de decisão. Autogestão eleitoral.
5. Mesmo os bolsões tradicionais e os fundões do país não se submeteram às pressões dos caciques.
6. A articulação com a sociedade organizada - movimentos, entidades, associações - deu o tom maior da campanha.
7. Subestimou-se o antipetismo e o antilulismo. E o PT acabou saindo dos grandes centros para as margens do interior do Nordeste.
8. Os custos da campanha diminuíram substantivamente, em alguns casos, em até 100%. O caixa 2 praticamente desapareceu.
9. O eleitor votou em perfis mais identificados com suas demandas, rotinas e padrões.
10. Fake news, versões e meias verdades deram o tom das redes sociais, mas não puxaram votos. Apenas acenderam o ânimo das militâncias.
Radicalização
O clima está muito tenso. A radicalização é obra e graça das duas bandas em que se dividiu o país. Os Bolsonaros, pai e filho, capricharam na linguagem dura. A fala do filho Eduardo, mostrando a facilidade para fechar o STF (basta um cabo e um soldado) teve grande repercussão. Foi chamado de "golpista" pelo decano, ministro Celso de Mello, enquanto o ministro Alexandre de Moraes pediu para que a PGR averiguasse o caso e o presidente Toffoli proclamou que atacar a Corte é "atacar a democracia". No domingo, em fala transmitida por vídeo, o candidato Jair ameaçou banir todos os vermelhos e, ainda, sugeriu que eles fossem embora do país. Da parte do candidato do PT, restou a articulação para as instituições se rebelarem contra os Bolsonaros.
Em tempo
Ocorre que o deputado Wadih Damous (PT-RJ), em março passado, também defendeu, em vídeo que circula nas redes, o fechamento do STF. O mesmo ocorreu com o ex-ministro e deputado José Dirceu em entrevista amplamente veiculada.
Populismo
Haddad foi ao Nordeste, onde espera aumentar seus pontos para diminuir a vantagem de Bolsonaro em outras regiões. Prometeu aumentar o Bolsa Família e fixar em R$ 49,00 o preço do bujão de gás. Acena com o populismo para atrair votos nessa semana decisiva. Será difícil. O voto está consolidado, com mais de 90% dos dois grupos garantindo que votarão em seus candidatos. E mais: o candidato do PSL prometeu aos nordestinos conceder um 13º salário a quem recebe o Bolsa Família. Nem mesmo as diatribes do filho de Bolsonaro, pelo que se observa, são capazes de reverter votos a favor de Haddad. O PT parece conformado.
PT, a derrota que fará bem
Não há saída do imbróglio melhor para o PT do que perder as eleições com uma boa bacia de votos. É o que deve ocorrer. O imbróglio que seria o grande naufrágio do PT poderia ser uma vitória no longo prazo. Com o Brasil rachado ao meio, o partido não teria condições de cumprir as promessas de campanha. Seria um grande desastre. Não há condições de fazer garantir forte assistencialismo populista em tempos de combate duro à contenção de gastos. Já na oposição, com a maior bancada na Câmara Federal, o PT arrumará condições para se afirmar como principal protagonista da oposição. Renascerá no meio das cinzas da derrota. Um bom negócio, que revitalizará as forças do petismo e resgatará a força do lulismo mais adiante.
O plano petista
O Plano do PT é o de fincar estacas nas searas da oposição, e, daqui a dois anos, fazer o maior número de prefeitos e vereadores, adensando a base com a qual, em 2022, tentará novamente chegar à presidência da República, agora com um candidato capaz de integrar as chamadas "forças democráticas". Não seria necessariamente Lula o candidato. Tem sentido.
Novos perfis
Mas o PT, noutra linha de raciocínio, deverá escolher novos perfis para os comandos nacional e regionais. Velhas figuras foram despachadas pelo eleitor. O próprio Lula, dentro da prisão, deverá formular reflexão e apontar quem deverá pegar o lume petista e voltar a correr o país. Gleisi Hoffmann foi muito bombardeada, e não deve ter domínio do partido. Pimentel e outros amargarão tempos de esquecimento.
Lua de mel mais rápida
A lua de mel dos governantes costuma ser de seis meses, ou seja, no espaço de um ano o novo governo precisa dar respostas às demandas da sociedade, principalmente às camadas mais carentes. Depois de meio ano, as cobranças começam a aparecer e ganhar volume. No caso de Bolsonaro, a lua de mel com o eleitorado deve ser mais rápida. Se não aparecerem medidas, ações e programas que venham ao encontro das demandas mais prementes da população - principalmente aquelas que construíram o eixo do discurso bolsonarista - o clamor social se alevantará. Tais cobranças, a depender da habilidade/inabilidade da comunicação governamental, ameaçam fazer com que o caldeirão social entre em ebulição.
Pontos polêmicos
O novo governo, a ser comandado pelo capitão reformado (se não aparecer o Imponderável da Silva), abrirá logo de início grande polêmica: quais serão os limites para a privatização de empresas estatais? Se essa visão for exclusivamente a do futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, tudo poderá ser privatizado. Mas há uma forte vertente no pensamento militar que prega a necessidade de o Estado controlar áreas estratégicas, como as do gás e petróleo, energia, telecomunicações, entre outras. Haveria consenso em torno disso? Haveria queda de braço? Como a sociedade reagiria às decisões de um grupo ou de outro?
Imagem das Forças Armadas
Há um grupo forte de oficiais que teme o desprestígio das Forças Armadas ante as posições radicais do eventual futuro governante. Lembre-se que as Forças saíram com a imagem muito borrada após as duas décadas em que os militares comandaram o país. Nos últimos anos, na esteira de um profissionalismo crescente e de um afastamento tático da política, acumularam formidável respeito em todos os segmentos da sociedade, sendo admiradas e aplaudidas. Essa camada de boa imagem está ameaçada de despencar caso as Forças adentrem com muita força no governo e se forem arrastadas por eventual tufão a bater nas costas do capitão Bolsonaro.
Juízes na política
É legítima a participação de militares e juízes na política, após a vida ativa na caserna e nos tribunais. Em Política, Aristóteles ensina que o cidadão tem o dever de servir à polis, sua cidade-Estado, o que justifica cumprir missão política. Ocorre que os regimentos e estatutos que regulam certas atividades inerentes à defesa e proteção do Estado proíbem a participação de militares e juízes na política quando em plena atividade profissional. Aprendemos que "o juiz realmente não pode falar fora dos autos". A lição de Francis Bacon também não pode ser esquecida: "os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza".
Militares na política
Quanto aos militares, lembre-se que o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe militar de se manifestar publicamente a respeito de assuntos de natureza político-partidária, ao menos que seja autorizado. Aprovado por decreto de agosto de 2002, o regulamento especifica as transgressões disciplinares e prevê punições - estão listadas 113 ações que, em tese, não podem ser praticadas por quem faz parte do Exército.
Direita da AL
Jair Bolsonaro nem espera pelo resultado do 2º turno e já começa a falar com os chefes das Nações vizinhas. Telefonou domingo para Mário Abdo, presidente do Paraguai, a quem demonstrou interesse em fortalecer as relações do Brasil com o vizinho. Mas o trunfo do capitão será um encontro com Donald Trump, que, a esta altura, já deve fazer parte da lição de casa do seu núcleo duro, onde estão o general Heleno, o vice Mourão e o guru Paulo Guedes.
Venezuela
Deve ser traumática a relação do novo governo com a Venezuela. Pelo visto, o contencioso, hoje em estado de hibernação, ganhará intensidade. Não se deve descartar, por óbvio, esfriamento das relações e, conforme a reação de Nicolas Maduro, maior distância entre os dois países.
Programa de Bolsonaro
O programa do governo bolsonarista registrado no TSE é pouco aprofundado e o plano mais detalhado é o econômico. Uma das medidas é zerar o déficit primário em 2019 e convertê-lo em superávit no segundo ano de governo. A análise dessa promessa, segundo o jornal Valor, mostra que se trata de algo irrealista, a julgar pelas estimativas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 e pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O rombo
A LDO prevê um déficit de R$ 132 bilhões, ou 1,8% do PIB, para o setor público consolidado, que reúne a União, Estados e municípios e estatais Federais, excluindo Petrobras e Eletrobrás. Para o governo Federal, o rombo projetado é de R$ 139 bilhões. O programa de Bolsonaro não detalha como seria possível zerar esse buraco. Segundo o documento, o candidato dará "especial atenção ao controle dos custos associados à folha de pagamento do governo" e "os cortes de despesas e redução das renúncias fiscais constituem peças fundamentais ao ajuste das contas públicas".
15 Ministérios
Bolsonaro fala em reduzir o número de Ministérios para 15. Este consultor está curioso sobre a fórmula que usará para formar uma bancada de apoio com 200 deputados. A real politik será abandonada? Difícil, difícil.
Ameaça à Folha
O candidato Jair Bolsonaro, na esteira do destampatório expressivo dos últimos dias, diz que a Folha de S.Paulo é fábrica de fake news. E que, eleito presidente, cortará as verbas publicitárias do jornal. Ora, a Folha é o jornal mais lido do país. E deve ser tratado como tal. Vingar-se do jornal sob a alegação de que está falseando os fatos não é decisão de bom senso. Pode se defender com direito de resposta. A Folha costuma respeitar esse direito.
TV Zimbo, do 8º ao 1º
Willian Correa, ex-diretor de jornalismo da TV Cultura, faz sucesso em Angola, África. Correu para lá para tentar "salvar" a TV Zimbo, que foi sua criação, há anos, e que descia no ranking das emissoras de TV. Em seis meses, Willian conseguiu puxar a Zimbo do 8º para o 1º lugar. A fórmula do mago em suas palavras: "Criamos uma nova identidade visual e posicionamento da emissora. Lançamos um programa que se tornou campeão de audiência chamado Fala Angola (formato cidade alerta) e outro chamado vitrine (mostra os bastidores da TV), repaginamos outros programas com novos cenários e vinhetas. Entre eles, um programa musical chamado show da Zimbo. E melhoramos o clima laboral da emissora. Hoje há um empenho e envolvimento de todos os funcionários que passaram a acreditar no projeto e se sentiram parte dele. Estamos no começo ainda. Mas tenho que ser rápido para voltar para a terrinha".