Abro a coluna com uma historinha de Pernambuco.
Cala a boca, rapaz
O caso deu-se em São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos:
– Este está morto.
Examinava outro:
– Este também está morto.
O cabo eleitoral se empolgava:
– Já está até frio.
De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou:
– Mais um morto.
O morto gritou:
– Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado.
O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele:
– Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio?
Luz no fim do túnel?
Será que há alguma luz no fim do túnel eleitoral? A essa altura, a pouco mais de dois meses das eleições, o único fato novo de certo impacto é o apoio do chamado Centrão ao candidato Geraldo Alckmin. Que terá quase cinco minutos no tempo da programação eleitoral. Essa parceria poderá alavancar a performance eleitoral de Alckmin? A lógica responde com um sim. Sob a ressalva: a resposta abriga também um não.
Explicando a luzinha
A resposta com sim se ancora em três hipóteses: a) o eleitorado indefinido – que está na faixa dos 45% - começará a descer do muro e, composto por fortes contingentes de classes médias, poderá provocar a "onda racional", mais voltada para a escolha de um candidato do meio do arco ideológico; b) a performance de Lula não ocorrerá porque acabará sendo vetado pelas Cortes (STJ ou TSE); c) a performance de Bolsonaro murchará ante seu evidente despreparo.
1ª hipótese
As classes médias conservam o poder de fazer circular seu ideário para cima e para baixo da pirâmide social. Podem ser comparadas à pedra jogada no meio do lago; ondas se formam, correndo até as margens. As classes médias abrigam os grupos com tuba de ressonância mais forte. As classes menos desenvolvidas politicamente tendem a escolher perfis populistas. Lula e Bolsonaro vestem esse figurino. Se a performance de Bolsonaro começar a murchar, é previsível que parcela considerável das massas abandone seu território. Sob forte peso da opinião formada no meio da pirâmide.
2ª hipótese
A estratégia do PT, de sustentar o nome de Lula até a data final da decisão do TSE – 17 de setembro -, prejudicará a formação de parcerias, mas pode vir a alavancar o substituto de Lula. Este nome, ao que tudo indica, será o de Fernando Haddad. Jaques Wagner, mais político, prefere contar com a quase certeza de vitória para o Senado, na Bahia. Haddad, sob o clima emotivo expandido pela militância petista, terá condições de subir a um patamar entre 15% e 20%. Nesse caso, não está fora do jogo eleitoral, podendo disputar o segundo turno. Lula, com suas cartas e recados, será o grande eleitor do PT.
3ª hipótese
A performance de Bolsonaro será vista por eleitores de todos os quadrantes. Ver-se-á uma figura comum, sem brilho, expressando um discurso duro contra a bandidagem, defendendo o porte de armas, fazendo loas ao liberalismo e fugindo de perguntas provocadoras. Foi o que se viu, segunda-feira, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Não se viu brilho ou tirada inteligente. Apareceu uma figura cheia de cacoetes linguísticos, uma expressão pobre, justificando os tempos de chumbo vividos pelo país. Para todas as perguntas de caráter programático, vinham respostas emolduradas pelo "achismo". Mais pareceu conversa de botequim entre opostos tomando uns birinaites.
Tempo eleitoral
O tempo de um candidato na programação eleitoral conta muito. Mas não é sempre que dá certo. Na campanha de 1989, Ulisses Guimarães tinha o maior tempo eleitoral. Ficou para trás. Já o maior tempo de rádio e televisão de toda a história dos pleitos no país, em todos os níveis, foi usado por Quércia, em São Paulo. Candidato ao Senado, em 2002, abusou do espaço dos candidatos a governador, deputado Federal e deputado estadual. Em termos de GRP (Gross Rating Point), que dimensiona o tamanho das inserções publicitárias e a equivalência em termos de audiência, a campanha quercista bateria as campanhas anuais de campeões brasileiros de propaganda.
Voto racional
O eleitor, porém, não "comprou" a mercadoria quercista, na demonstração inequívoca de que mídia não elege candidato e de que, mesmo com muita cosmética, candidato de perfil corroído não coopta consciência. Vitória do voto racional. Ficou atrás de Aloizio Mercadante e Romeu Tuma. E na campanha de 1994, com enorme tempo de TV, candidato à presidente, Quércia ficou em 4º lugar, atrás de FHC, Lula e Enéas, cujo tempo apenas permitia gritar seu nome.
O voto em Enéas
O voto em Enéas foi de protesto. A onda "Enéas" teve tanto um componente emotivo quanto racional, indicando a contrariedade de eleitores dispersos que, de repente, acharam um motivo para se rebelar contra a situação. A barba e a careca de Enéas, como logotipos, e o linguajar disparado reforçaram a visibilidade de um ícone de indignação social. Mais do que "cacareco", um rinoceronte que ganhou 100 mil votos dos paulistanos para se eleger vereador, em 1959, ou o Macaco Tião, que ganhou 400 mil votos para prefeito, no Rio de Janeiro, em 1988, Enéas, como médico e professor de medicina, sabia o que queria. Abriu espaços para uma ideologia de certo sabor "nacionalista-ufanista-messiânica". Pode até ter sido um engodo e motivo para corrigir as distorções existentes no conceito de coeficiente eleitoral, mas seu voto saiu de estratos diferenciados.
Redes sociais
Bolsonaro é o mais acompanhado pelas redes sociais. Ganha de goleada de Lula, Alckmin, Ciro e outros. Seus exércitos usam o arsenal das redes sociais para incutir o adesismo. Ora, essa militância é incapaz de agregar um voto a mais. Deverá terçar armas com guerrilheiros de outros competidores dentro de uma batalha de canibalização recíproca. Todos saem feridos. E nenhum guerreiro pulará para o campo do outro. Já os seguidores de outros candidatos assistirão a batalha nas arquibancadas. Os tiros dos radicais acabarão adensando os bolsões centrais. A conferir.
Ciro na ladeira
A onda cirista mostra certo arrefecimento. Confirma-se aquilo que já sabe: Ciro é um peixe que morre pela boca. A índole guerrilheira do ex-governador do Ceará é polêmica. Assusta. Depois de uma onda crescente, enxerga-se uma onda declinante. Não se sabe se essa descida de ladeira vai continuar. Ciro pode ser beneficiado pelo afastamento de Lula. Portanto, não se trata de carta fora do baralho. Trata-se de um perfil preparado. Domina bem a planilha de problemas brasileiros. Mas o homem não se contém.
Mineirinhas
Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas - político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice.
"Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar, diz ser técnico".
"O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro".
"Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos".
"Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado".
"Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria". (Pinçadas de A Mineirice, de José Flávio Abelha)
Marina isolada
Já a candidata Marina Silva parece lutar para ficar na clausura. Uma freira. Sua Rede Sustentabilidade apoia, por exemplo, o senador Romário para o governo do Rio. Mas sem o apoio dela. Faz questão de dizer que seu partido apoia Romário, não ela. É a mais ética dos candidatos. Mas a ojeriza que tem pela real politik acabará fazendo naufragar sua postulação à presidência. Marina é a nossa colhedora de rosas brancas que enfeitam o jardim dos inocentes. Essa é a imagem que passa. Esquece ela que a política tem muito a ver com o inferno.
Meirelles, peso muito pesado
Henrique Meirelles é um quadro técnico. Assim é e será visto. Como tal, encaixa-se no figurino de ministro da Fazenda de qualquer governo. Transformá-lo em candidato à presidência da República é uma tarefa hercúlea. Meirelles tem fala arrastada, um jeitão de avô de todos os candidatos, um conselheiro que paira acima dos guerreiros das tribos políticas. No ambiente polarizado de nossa política, parece uma figura deslocada, que procura um rumo, um norte, um jeito de ser aceito pela comunidade eleitoral. Será difícil.
E os vices?
Eis o gargalo do momento: achar vices à altura. O vice não pode ser qualquer um. Precisa ter perfil denso: honesto, fora dos trambiques da Lava Jato, experiente, respeitado, pessoa que agregue valor à campanha. Ante as visitas que o Senhor Imponderável dos Anjos faz ao Brasil, o vice deve ser um perfil capaz de substituir o presidente em qualquer circunstância. Essa novela terá final em mais alguns dias.
Janaína?
Janaina Paschoal é, por enquanto, a mais forte candidata a vice na chapa de Jair Bolsonaro.
As circunstâncias
Pois é, o ambiente da campanha será temperado pelas circunstâncias. O clima de beligerância poderá ser quente, assombrando parcela dos eleitores. Inflação sob controle poderá preservar o bolso, mas se a coisa degringolar, a raiva induzirá a decisão de voto. A expressão de uns e outros será ouvida com mais atenção. As movimentações das militâncias podem animar candidatos e partidos, mas propiciarão despertar outros núcleos não tão engajados. Acidentes de percurso têm o poder de mudar o vértice eleitoral.
O tirano
Maquiavel conta no "Livro III dos Discursos", sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio, a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os antigos romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social.