Abro a coluna com uma historinha do Maranhão.
Em campanha
José Burnett, chefe da Casa Civil do governador do Maranhão, João Castelo, era deputado estadual do PSD. Em 1962, candidatou-se à Câmara Federal e saiu pelo interior fazendo campanha. Chegou à cidade de Santa Helena, foi para o comício:
– Povo de Santa Helena. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Santa Helena.
Foi um sucesso. No dia seguinte estava em Pinheiro:
– Povo de Pinheiro. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Pinheiro.
Lá de trás, um caboclo, que por acaso tinha assistido ao comício da véspera em Santa Helena, gritou:
– Doutor, e Santa Helena, doutor?
– Santa Helena? Santa Helena? Santa Helena que me perdoe.
E desceu.
Quem tem mais chances?
Todos os dias, perguntas insistentes batem na cabeça deste consultor: quem tem mais chances na eleição presidencial, considerando os atuais pretendentes? Quem tem mais chances em São Paulo? E lá vou eu fustigar o sistema cognitivo com uma bateria de hipóteses. Claro, todas elas sujeitas ao fracasso ante a eventual presença do Senhor Imponderável dos Anjos, que continua a nos visitar esporadicamente. Mas não tenho fugido às questões, por mais intrigantes que sejam.
Primeiro, o plano conceitual
Em "Mistificação das Massas pela Propaganda Política", a obra em que Sergei Tchakhotine, cientista social russo, disseca a propaganda nazista, a bíblia que está sempre à minha direita, estão descritos os quatro instintos que movem a vontade e a decisão dos eleitores. Dois são ligados à conservação do indivíduo e dois são relacionados à preservação da espécie. Os dois primeiros: o instinto combativo e o instinto nutritivo; os dois últimos: o instinto sexual e o instinto paternal.
Sobrevivência
Os dois primeiros são usados pelo homem para sobreviver: lutando contra as ameaças que o cercam no dia a dia; lutando contra outros e contra a natureza que pode destruir sua casa; lutando para melhorar as condições de vida. O segundo instinto é o nutritivo/alimentar. Sem alimento na barriga, nenhum ser resiste. Daí pinço a velha equação que costumo apresentar aos meus públicos: BO+BA+CO+CA= Bolso Cheio (geladeira cheia), Barriga Satisfeita, Coração Agradecido, Cabeça aprova o gestor/político que proporcionou a situação.
Retórica de guerra e da barriga
Não por acaso, a linguagem da política é impregnada da retórica de guerra: "vamos ganhar; vamos à vitória; nossa luta pelo povo; derrotaremos os nossos adversários; à vitória até o momento final; vamos melhorar as nossas safras, dar alimento barato ao povo etc.". Churchill em 10 de maio de 1940: "Espero que meus amigos e colegas, ou colegas de outrora, que tenham sido afetados pela reconstrução política, sejam tolerantes e me desculpem por qualquer falta de cerimônia na maneira por que fui compelido a agir. Eu diria a esta Casa, como disse àqueles que passaram a formar este governo: Eu nada mais tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas".
Perpetuidade
Os últimos dois instintos do ser humano são as alavancas da perpetuação da espécie: o sexual e o paternal. Donde se pinçam os valores humanos: a solidariedade, a amizade, o companheirismo, o culto à família, a defesa da criança e do velho, o amor aos pais, o culto à religião, etc. Pois bem, o eleitor tende a identificar nos candidatos os perfis que mais lhe oferecem segurança, esperança de melhores dias, harmonia e paz social (ordem nas ruas), condições de progredir na vida (assistência à família, educação, bolsas etc.).
Qual candidato?
Da moldura de pré-candidatos, qual aquele que mais esperança de melhoria de vida oferece? Alckmin, Henrique Meirelles, Bolsonaro, Lula, Álvaro Dias, Flávio Rocha, Afif, Ciro Gomes, Marina Silva, Guilherme Boulos? Não se trata de escolha fácil. Porque na indicação/escolha do perfil, entram outros elementos: proximidade ao eleitor; credibilidade/confiança; densidade de programas; factibilidade (capacidade de realização das propostas); maneira de se comunicar; simpatia/empatia; frequência/periodicidade no capítulo da visibilidade; estrutura partidária (recursos e cabos eleitorais); capilaridade do partido etc.
Bolsonaro
O deputado Jair Bolsonaro expressa a linguagem da dureza. Ordem. Contra a bagunça. É visto como extensão do braço militarista. Terá pálidos segundos na TV e no rádio dentro do espaço eleitoral. Confia muito nas redes sociais. Este consultor não aposta na capacidade das redes para eleger um candidato. Veremos uma luta renhida entre militantes adversários dentro de um processo que designo de "canibalização recíproca", uns comendo os outros. Ademais, o PSL está fracionado em duas alas, uma perdendo força e agindo contra Bolsonaro, que tomou conta da sigla. Há dúvidas sobre a capacidade de Bolsonaro segurar a barra. Mas poderá contar com as graças do Senhor Imponderável dos Anjos.
Alckmin
Geraldo deverá sair de São Paulo bem avaliado. O Estado tem 33 milhões de votos, com 24% dos votos válidos do país. Se conseguir uma grande bacia de votos de maioria, poderá compensar a derrota que sofrerá no Nordeste. Seu desafio: conquistar os dois outros maiores colégios eleitorais do país: Minas Gerais e Rio de Janeiro. Seu sonho: atrair ACM Neto como vice de sua chapa. Mas este poderá ser candidato na Bahia. O DEM lançou Rodrigo Maia. E esperará até junho para ver se ele emplaca. Se Alckmin até lá der sinais de alento, é razoável acreditar em uma aliança do PSDB com o DEM.
Segundo turno
Ante o eventual impedimento de Lula, Ciro Gomes deve ser beneficiado. A partir do Nordeste. Nesse caso, não está fora de jogo um segundo turno entre Ciro e Geraldo.
Dias
Álvaro Dias é um candidato da área central. Mas limitado ao Paraná. E votos esparsos aqui e alhures. Parco tempo de mídia eleitoral.
Marina
Frágil para suportar uma guerra de gigantes. Seu partido é limpo, mas não dispõe de forte estrutura. Tende a definhar antes de chegar à praia.
Maia
Tem muito poder de articulação. Sabe atrair partidos. Mas dispõe de pouco tempo.
Meirelles
Um mago das finanças. Pesado. Sem carisma.
Rocha
Flávio Rocha exibe denso discurso. É preparado. Um empresário com formação de Harvard. Corre o país levando seu plano Brasil 200 e um desafio: o tempo. Se a campanha fosse mais longa, poderia atrair as massas. Tem coisas para mostrar, a partir do emprego que seu Grupo oferece a milhares de pessoas. Tempo de campanha: 90 dias de rua para 45; tempo de mídia: de 45 dias para 35. Campanha bem curta.
Território paulista
Tentemos decifrar o enigma em São Paulo, considerando três candidaturas: Márcio França, vice-governador que irá assumir o comando do Estado, em abril, sendo candidato do PSB; João Doria, o atual prefeito, a ser candidato pelo PSDB e Paulo Skaf, presidente da FIESP, que pleiteará mais uma vez a candidatura ao governo pelo PMDB. Vejamos.
França
Marcio França é candidato de um partido de centro-esquerda, o PSB, que tem boa imagem, quando comparada com outros grandes partidos. É o partido do saudoso Eduardo Campos, morto em acidente de avião. Foi leal ao governador Alckmin. Tem bom lastro na região santista, onde foi prefeito e larga experiência política no Estado. Seu problema: não conseguiria atrair o PSB para a candidatura Alckmin, eis que a cúpula partidária é dominada pelo pernambucano Carlos Siqueira. Se o PSB não tiver Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF como candidato, tende a pender mais a Ciro Gomes, do PDT, e com maior afinidade ideológica com o PSB. França terá a caneta à mão. Já atraiu o apoio de grande parcela de prefeitos, inclusive do PMDB. A máquina, nesse momento, costuma ser grande eleitora.
Doria
João Doria é um craque na comunicação. Pesa sobre ele o fato de abandonar a prefeitura no meio do mandato e ser acusado de muito ambicioso. Para a presidência da República, o eleitorado até o perdoaria, mas para o governo (só um passo acima), a impressão que transmite é a de abandono de compromissos. Mas a máquina tucana em São Paulo é forte. Se o PSDB fechar o "espírito de corpo" e se unir em torno do nome do partido, João teria condição de ultrapassar França. Com bom discurso e esclarecendo a razão pela qual deixa a prefeitura no meio do mandato, a massa eleitoral poderia lhe dar boa resposta nas urnas. No horizonte, sobram interrogações.
Skaf
Paulo Skaf volta a aparecer por meio da inserção publicitária em espaços da FIESP/SESI/SENAI. Paulo passa a impressão de que se aproveita da condição de presidente da FIESP para subir na escada da política. Seu perfil deixa a desejar no campo do preparo intelectual. Afora temas da área industrial, o presidente da FIESP costuma expressar platitudes e obviedades sobre temáticas nacionais. Diz-se que só ouve o que sua boca fala. Ele quer ser o novo. Conseguirá? Difícil. Nem que se vista de patinho amarelo, símbolo da FIESP para combater a alta carga de tributos. (Na campanha passada, Paulo Skaf chegou a se vestir de zebra, no intuito de convencer o eleitor de que seria a "zebra" na campanha paulista. Deu no que deu.)
Marketing: os 5 eixos
Lembro os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos – jornalísticos e publicitários – e eletrônicos), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.
História
O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".