Porandubas Políticas

Porandubas nº 543

Reflexão sobre as notícias falsas, mais conhecidas como fake, circulando nas redes sociais.

23/8/2017

Abro a coluna com o confessionário de padre Elesbão

Contar pecados

Numa cidadezinha de Minas, Padre Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo:

O Vigário só confessará:

2ª-feira – As casadas que namoram

3ª-feira – As viúvas desonestas

4ª-feira – As donzelas levianas

5ª-feira – As adúlteras

6ª-feira – As falsas virgens

Sábado – As "mulheres da vida"

Domingo – As velhas mexeriqueiras

O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se:

– Freguesia boa é a minha! Mulher lá só se confessa na hora da morte!

(Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre)

Parte I – Pequena reflexão

Fake news

As Redes Sociais expandem as notícias falsas. Na semana passada, este consultor foi vítima de uma delas: a que dava conta de um suposto alinhamento da TV Globo com Lula e o PT, mensagem em um áudio falso atribuído ao diretor do Fantástico, Luiz Nascimento. Que, em boa hora, fez enérgico desmentido.

Fonte crível

A fonte que me enviou o áudio é crível. Ele teria recebido a mensagem de um amigo da própria TV Globo. Por isso, caí na rede falsa, mesmo levando em consideração o absurdo: um grupo de comunicação, cuja família proprietária é considerada trincheira avançada do ideário liberal e do mundo dos negócios privados fazendo aliança com Lula, o ícone das esquerdas? Inimaginável.

A falsidade

O fato é que as redes carecem de instrumentos para conter a teia de maldades, mentiras, calúnias e difamação. Constato em um estudo feito por um grupo da Associação de Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo, em texto assinado pelo jornalista Alexandre Aprá, diretor do blog Isso é Notícia, que há um conjunto de sites especializados nessas tramoias. Urge denunciar a malandragem escondida nesses biombos eletrônicos, alguns bem remunerados por grupos, setores e frentes políticas. A quem serve essa teia criminosa?

Estado-Espetáculo

Este consultor joga a primeira hipótese sobre o adensamento das fake news: elas são produto do Estado-Espetáculo. Que é a passarela para atores de todos os tipos – política, negócios, artes e entretenimento – alcançarem visibilidade e fama. Esses perfis se esforçam para aparecer e viabilizar seus interesses, objetivando alçar voo e chegar ao Olimpo da cultura de massas.

O Olimpo

Na figura de Edgar Morin, o Olimpo é o habitat de celebridades de todos os tipos – reis, rainhas, jogadores de futebol, artistas e, claro, políticos – com seus adornos de divindades. Nós, que habitamos o duro terreno dos mortais, corremos ansiosos para abraçar os olimpianos, fazer com eles selfies e exibi-las nas redes, mostrando nossa aproximação com eles. Exageros, mentiras e falsidades são produto do Estado-Espetáculo, que é também o Estado-Midiático.

O prazer do escândalo

O fato negativo exerce intensa atração. A carga de conflitos que carrega dispara mecanismos de aproximação e engajamento. Desperta curiosidade, principalmente quando o teor informativo aparece coberto pelo manto do escândalo. Quando os protagonistas são pessoas ou entidades de renome, o poder de atrair a atenção e o interesse dos receptores é bem maior. Esta é a segunda hipótese para explicar o acolhimento de falsas notícias.

Ser de oposição

O fato negativo gera mais impacto que o fato positivo. A Bolsa de Valores despencou 20 pontos. O baque afeta meio mundo. Ontem, ultrapassou a casa dos 70 mil pontos na esteira do anúncio de que a Eletrobrás poderá ser privatizada. O impacto é menor. As fake news pertencem ao campo negativo. No jornalismo também é assim. Corroborando a lição do saudoso Millôr Fernandes: "jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados".

A banalização do mal

Na moldura tecnológica dos meios de comunicação, as redes eletrônicas ganham projeção graças a princípios e vetores que as caracterizam: propiciam tempestividade às informações transmitidas, de modo que o universo receptor tem acesso imediato às mensagens; garantem visibilidade aos autores e fontes; inserem seus criadores no Olimpo da cultura de massas, conferindo-lhes a aura da fama e o pedestal da visibilidade.

Insensibilização

Todos esses fenômenos ocorrem em um ambiente social locupletado de denúncias e maldades. Quer dizer, o meio e o tempo/circunstâncias alavancam a proliferação de falsidades. O mal é coisa corriqueira, tão comum, tão rotineiro que deixa os receptores insensíveis aos danos que provoca. As pessoas são cobertas por uma camada impermeável, que acaba amortecendo o impacto das maldades.

Aspiração de ser o primeiro

O sonho de povoar o Olimpo da cultura de massas, com informações bombásticas que gerem estupor, impacto, abalos, confere às fontes de notas falsas singular identidade: o status de "primeiros" do ranking informativo das redes. O escândalo, o inusitado, o pitoresco, a notícia que causa espanto contribuem para marcar as fontes com a identidade de pioneirismo, da "pessoa que sabe tudo", ponta de lança da teia comunicativa das redes.

Alternativas de combate

A malha de situações acima pode explicar em parte o fenômeno das fake news, mas não as justifica. Urge combatê-las de frente. Como? Denunciando falsidades; exigindo rápidas providências dos acolhedores tecnológicos para retirá-las das redes; fazendo intensa articulação junto aos usuários para não servirem de meios de passagem de conteúdo falso; conferindo a natureza e a origem das informações, a partir da identificação das mensagens originais e seus balões de ar putrefato.

Aqui e alhures

As fake news não prosperam apenas por nossas bandas. Na campanha eleitoral norte-americana, alimentaram o noticiário contra Hillary Clinton, tendo um "mentiroso", um jovem de 22 anos, ganhado milhares de dólares com a criação de um site para difamar a candidata democrata. O próprio Trump é conhecido pelas fake news que fabrica. De acordo com uma pesquisa realizada pelo PolitiFact, desde que anunciou sua candidatura à presidência, em junho de 2015, 69% das declarações de Trump foram falsas, e apenas 4% completamente verdadeiras. Como presidente, Trump teve suas falas ainda mais analisadas. Tem sido farta a pauta de notícias falsas nos 100 dias de seu governo.

Coisa velha

Notícia falsa, em suma, é coisa muito antiga. Ainda no século VI a.C, o historiador Procópio espalhava notícias falsas em Roma sobre o Imperador Justiniano. Juntou essas notícias secretamente num volume chamado Anedocta, que só permitiu ser conhecido após sua morte. É o que conta o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva em artigo (Pós-Fato) na revista de Jornalismo ESPM (Edição Brasileira da Columbia Journalism Review), edição de jan/junho deste ano.

Pasquim

O escritor Pietro Aretino tentou manipular a eleição do papa que sucederia Leão X em 1522. Não adiantou, narra Carlos Eduardo, pois o escolhido foi Adriano VI, e não Giulio de Medici, para quem Aretino trabalhava. Aretino colava suas informações falsas sob o busto de um personagem conhecido como Pasquino na praça Navona, daí derivando "pasquim" como veículo de informações falsas ou sensacionalistas. Mais tarde vieram os canards na França, os tablóides na Inglaterra e os jornais sensacionalistas em todos os países, incluindo o Brasil. Enfim, manipulação dos fatos é coisa velha

Parte II – Análise da conjuntura

Normalização

Espraia-se o sentimento de que nuvens estão se dissipando e deixando ver horizontes mais limpos. O pior já teria passado. Novas denúncias por parte do PGR contra o presidente Michel Temer não teriam o impacto obtido pela primeira. A indústria dá sinais de alento. A inflação tende a chegar aos 3,5%. A taxa Selic deverá beirar os 7,5% ao final do ano. O PIB deve crescer 0,34 e 2% em 2018. A liberação das contas inativas do FGTS e a safra agrícola recorde impulsionam a reação do mercado. Crescem vendas no varejo e o faturamento do setor de serviços sobe.

Régua de 0 a 100

Minha régua de 0 a 100 marca os seguintes números para as reformas:

Reforma Política

- Fundo partidário de R$ 3,6 bilhões – 20

- Fundo partidário de R$ 2 bilhões – 60

- Cláusula de barreira com 1,5% dos votos nacionais para deputados Federais – 80

- Distritão – 60

-Semi-Distritão – Voto majoritário e voto contado para a legenda – 70

- Fim das coligações proporcionais – 90

- Parlamentarismo - 30

Panorama eleitoral

João Doria saiu na frente com sua arrancada de viagens pelo Nordeste, Sul e Sudeste. Lula elege como foco o Nordeste. Passará por um bloco de grandes e médias cidades. Sua estratégia é comer pelas bordas. Das margens para o centro. Ciro Gomes começa a engrossar a voz. Marina está quase desaparecida. Bolsonaro é uma metralhadora ambulante. Atira para todos os lados. Mas seus tiros não são de longo alcance. Têm efeito limitado. Alckmin está contido. Espera o amanhã. Muito comedido, não quer apressar o passo.

França em São Paulo

Marcio França, o vice-governador de São Paulo, começa a articular apoios. Quer ser o candidato de Alckmin (PSDB) e de outros partidos de centro ao governo. Tem razão em acreditar que João Doria não disputará o cargo. João só tem interesse pela candidatura presidencial. É isso mesmo que ele pretende. Se não conseguir ser candidato a presidente, será o principal cabo eleitoral de Alckmin. Ou toparia sair candidato por outro partido? O tempo e suas circunstâncias darão a resposta.

Skaf fora

É possível que Paulo Skaf, presidente reeleito mais uma vez para presidir a FIESP, queira ser novamente candidato ao governo de São Paulo pelo PMDB. Se não houver nome mais denso, poderá ser ele. Mas seu passo será curto. Skaf não tem jeito para a política partidária. Faltam-lhe feeling, tino, capacidade de ver o amanhã.

Marta

Marta Suplicy é sempre um perfil à disposição. Poderá ser o trunfo do PMDB para São Paulo. Tem bom recall.

Fecho a coluna com os conselhos do grande filósofo alemão, Arthur Schopenhauer.

Schopenhauer

Quer convencer alguém? Eis alguns estratagemas dos 38 que ele apresenta em A Arte de Ter Razão.

Nº 1. Leve a proposição do seu oponente além dos seus limites naturais; exagere-a. Quanto mais geral a declaração do seu oponente se torna, mais objeções você pode encontrar contra ela.

Nº 2. Use significados diferentes das palavras do seu oponente para refutar a argumentação dele. Exemplo: a pessoa diz: "Você não entende os mistérios da filosofia de Kant". A pessoa B replica: "Ah, se é de mistérios que estamos falando, não tenho como participar dessa conversa".

Nº 3. Ignore a proposição do seu oponente, destinada a referir-se a alguma coisa em particular. Ao invés disso, compreenda-a num sentido muito diverso, e em seguida refute-a. Ataque algo diferente do que foi dito.

Nº 4. Oculte a sua conclusão do seu oponente até o último momento. Semeie suas premissas aqui e ali durante a conversa. Faça com que o seu oponente concorde com elas em nenhuma ordem definida. Por essa rota oblíqua você oculta o seu objetivo até que tenha obtido do oponente todas as admissões necessárias para atingir o seu objetivo.

Nº 5. Use as crenças do seu oponente contra ele. Se o seu oponente recusa-se a aceitar as suas premissas, use as próprias premissas dele em seu favor. Por exemplo, se o seu oponente é membro de uma organização ou seita religiosa a que você não pertence, você pode empregar as opiniões declaradas desse grupo contra o oponente.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.