A coluna de hoje faz a leitura dos impactos da lista do ministro Edson Fachin e descortina alguns cenários no panorama social. Trata-se de uma tentativa de entender o que se passa no Brasil. Deixo o aperitivo do mestre Leonardo Mota para fechar a coluna. Excepcionalmente.
A bomba esperada
A lista de Fachin é a bomba tão esperada. Coloca no mesmo barco das denúncias e investigações protagonistas de todos os espectros. Os grandes partidos lideram o ranking. A quebra do sigilo, tão clamado, deixa perfis importantes na mesma fogueira. A cúpula do mando partidário no país se faz toda presente. Vamos ver o que pode acontecer.
Nivelamento
O nivelamento entre os protagonistas tem o condão de gerar uma teia de solidariedade entre eles. Ninguém comemora, ninguém vibra com as dores dos outros. Oposição e situação estão no corredor das acusações. Mas, calma lá. Não se trata de corredor da morte. Os políticos têm o poder de arrumar remédios para curar a grande cicatriz. O primeiro é o alongol, a substância que sai do próprio laboratório do Judiciário. O percurso será longo. Vai correr muito até bater em horizontes que podem chegar além de 2018.
Abuso de autoridade
Um escudo a ser criado, agora mais rapidamente, será a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade. Tem condição de sair logo, logo da farmácia parlamentar. Seria um remédio que teria o condão de atingir partes sensíveis dos corpos do Judiciário e do Ministério Público. Os políticos construirão, dessa forma, um escudo de proteção. Que poderão usar de imediato.
Unidade proativa
Um dos efeitos da bomba sinaliza para a unidade na ação parlamentar. Ao contrário do que se pode imaginar, os perfis envolvidos podem liderar um movimento por ações conjugadas no Parlamento. Em vez de esvaziamento de plenário – como ocorreu ontem – será viável o esforço para aprovar reformas. O Brasil saindo do buraco será melhor para todos. Haveria refluxo da onda de negatividade. Ou seja, a economia funcionaria como locomotiva do trem da política. O ambiente mais sadio arrefeceria o ânimo punitivo. A tese pode ser polêmica, mas se posiciona na planilha das probabilidades.
Governo na liderança
A lista de Fachin abre condições para o Executivo ganhar mais força na articulação. Vai ouvir, sugerir, ponderar, acalmar, arguir, convencer suas bases. Portanto, este analista observa que as reformas até podem ganhar impulso e não entrar em arrefecimento. A busca de horizontes mais tranquilos é um forte lume.
Banalização
Depois do primeiro impacto, a lista de Fachin tende a cair na onda da banalização. Todos iguais perante a fogueira. O horizonte de 2018 está distante. Seria possível a punição de alguns protagonistas até lá? Sim. Mas não se imagine uma grande baciada. Um ou outro.
Lula?
O forte depoimento de Marcelo Odebrecht, ao destacar os R$ 13 milhões repassados a Lula, deixa o ex-presidente pertinho da condenação. Vai ser muito difícil sair do ringue.
Sigilo
Há casos que continuarão em sigilo. Deve envolver figurantes de altas Cortes do Judiciário.
Outros cenários
Parte I – Leitura das tendências
Uma nova classe
Emerge no país uma nova mentalidade, que se incrusta no meio de uma classe média mais baixa, não a clássica que abriga profissionais liberais, o pequeno e médio empresariado, os grupos de formação de opinião etc. O novo modo de pensar e agir se alimenta do pragmatismo, da procura de nichos novos no mercado de trabalho e da vontade férrea de vencer na vida. Contingentes que saíram das margens para a classe C formam o grosso dessa mentalidade.
Micropolítica está no foco
O interesse desses núcleos é agir em causa própria, cobrar do Estado melhores serviços, fazer a crítica mais ácida aos governos, em suma, ter como foco a micropolítica, a política das demandas prementes e urgentes. Sua preocupação não destaca prioridade para os assuntos mais gerais da sociedade – as reformas, por exemplo –, a não ser que tais mudanças tragam benefícios imediatos para a melhoria de sua vida cotidiana. Este analista não considera esses núcleos como "uma pequena burguesia empreendedora", nos termos usados pelo filósofo Mangabeira Unger na última edição de Época. Longe deles o ranço burguês.
Luta de classes? Não
Essa abordagem da vida é a mesma confirmada pela pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, do PT, que mostrou o discurso "Nós e Eles", as elites contra os pobres, completamente fora do propósito da nova mentalidade que se espraia pelos espaços da pirâmide social. A luta de classes torna-se algo démodé, completamente estranha aos interesses da nova classe. Outros aspectos também emergem na análise dos comportamentos sociais. Vejamos.
Autogestão técnica
Este consultor expressa, há tempos, um fenômeno que tem animado fortes grupamentos de nossa composição social. Designo esse fenômeno de "autogestão técnica", significando a nova identidade que se impregna nas classes sociais, principalmente as que se inserem no meio. Autogestão quer dizer: capacidade de autogerir, autodeterminar, autoescolher, autolocomover-se nos espaços sociais. As pessoas expandem a capacidade de escolher, sozinhas, os caminhos da vida profissional, educacional, cultural, social. Quando falo em identidade, refiro-me ainda à identidade de grupos, categorias, gêneros ("mexeu com uma, mexeu com todas"). O avanço civilizatório, graças, insere a mulher ao patamar dos homens no capítulo da igualdade e dos direitos.
"Não vai mais com as outras"
O conceito "Maria vai com as outras", politicamente incorreto, cede espaço à nova abordagem: "Marias e Josés sabem o que querem, para onde ir, como agir e que meios usar para atingir suas metas". A tendência que se enxerga é a do aumento das taxas de autonomia na definição dos rumos da vida. Essa tendência tem se avolumado ao longo dos últimos anos, na esteira das denúncias, da corrupção, da lama que se espalha no território da política. Os cidadãos se afastam da esfera política e se abrigam em seus centros de referência e convivência: clubes, grupos, movimentos, núcleos, associações de todos os tipos.
Arrefecimento dos grandes polos
Resulta dessa tendência o arrefecimento dos tradicionais polos de poder, o poder das mídias tradicionais, o poder dos partidos políticos e, nessa sequência, até o poder das metrópoles sobre espaços menores. Noutra leitura: o poder centrípeto, que sobe das margens para os centros, ganha impulso. Os núcleos organizados passam a fazer política. O poder centrífugo perde força. O sistema de representação clássico – o Parlamento – agora é confrontado/pressionado por ajuntamentos organizados. Que agem como novas fontes de poder.
Novos protagonistas
No palco do poder, desfilam novos protagonistas: as mídias sociais ganhando espaço no leque de formação de opinião; analistas e intérpretes suplantando os polos difusores de informação; os líderes comunitários, nucleares, empresários e gestores competindo com os perfis da velha política; os bairros ganhando mais projeção que os centros; o jornalismo das grandes redes perdendo espaço para as análises das pequenas redes.
Polarização perde força
A polarização tradicional entre alas e partidos políticos perde força ante o florescimento do novo empreendedorismo que vem das margens. A tradicional disputa entre o PT ideológico e os partidos que envergam a bandeira social-democrata cede lugar ao grupo que desfralda a bandeira do pragmatismo na esfera das demandas mais urgentes: saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, agilidade, transparência, mais ação, menos discurso.
Kennedy
John Kennedy: "se uma sociedade livre não pode ajudar os muito pobres, não poderá salvar os poucos ricos".
Parte II
Análise de interesses
A CNBB saiu do casulo. Passou a combater, de púlpito, as reformas que o governo está tentando viabilizar, particularmente a reforma da Previdência. A CNBB prega que a reforma previdenciária é coisa do inferno, a castigar os trabalhadores. Os bispos estão atirando fogo contra as mudanças que o país precisa. No pano de fundo, esconde-se o temor de que a reforma ponha um fim às benesses que os credos colocam em seu bornal: imunidades tributárias e otras coisitas mas....
Reforma política
Até 2 de outubro, o Congresso terá de definir as mudanças nos campos político e eleitoral, a entrar em vigor no pleito de 2018. Fundo para financiamento de campanha – algo em torno de 4 a 6 bilhões de reais – será alvo do bombardeio social; fim das coligações proporcionais é uma grande possibilidade; cláusula de barreiras para proibir a criação de siglas sem conteúdo doutrinário também se insere nas alternativas prováveis; lista fechada com os nomes de candidatos escolhidos pelas cúpulas partidárias seria uma excrescência. Mas grupos de interesses querem perpetuar seu poder.
Distritão
Ideia boa é o Distritão, o sistema de voto pelo qual estarão eleitos os mais votados em cada Estado. Seria o voto do eleitor elevado ao máximo de sua funcionalidade. Os nomes mais votados farão a representação. E os puxadores de votos não transfeririam suas votações. Falta vontade política para decidir por este processo.
Nossa esperança
Mas, como diria o sábio chinês, uma caminhada de mil quilômetros começa com um primeiro passo. E como até nos pântanos nascem lindas flores, a esperança é a de que, no meio do lodo que escorre pelos desvãos institucionais, a reforma política desça do espaço etéreo das intenções para baixar em terra firme, limpando o nosso amanhã de vendilhões da política.
Um pouco de poesia
Cantemos a poesia de Luiz Enriquez e Sérgio Bardotti, na versão cantada de Chico Buarque: "Deve ter alamedas verdes/a cidade dos meus amores/e, quem dera, os moradores/e o prefeito e os varredores/e os pintores e os vendedores/as senhoras e os senhores/e os guardas e os inspetores/fossem somente crianças."
Economia sob alento
A economia dá sinais de alento. Inflação em baixa, juros Selic descendo, alento nos investidores, perspectiva razoável que reformas sejam implementadas. Se a economia, a locomotiva, correr bem nos trilhos, o trem da política chegará a seu destino. A tendência é a de acomodação das placas tectônicas das tensões políticas quando a economia ganhar fôlego.
Política sob tensão...Mas
A política ainda se mantém sob tensão. A Lava Jato abre muitas interrogações, mesmo se considerando a hipótese de que os casos serão julgados sob tempos prolongados. Haverá certa distensão no ar e diluição dos processos. Uma condenação aqui, outra ali acabarão apagando fogueiras muito altas. A decisão sobre a chapa Dilma/Temer no TSE será algo muito distante.
Bob Fields
Roberto Campos, conhecido também como Bob Fields, exímio na arte de atirar contra a improvisação, dizia: "O Brasil tem a propriedade de, no começo, anedoticamente divertir, depois exasperar e, por fim, desesperançar aqueles que confiam na racionalidade, na procura de causas e efeitos e na sequência do discurso como sujeito-verbo-predicado."
Parte III - Pílulas
XXIII Conferência dos Advogados
São Paulo sediará no final de novembro a maior conferência da advocacia brasileira, este ano na versão XXIII. Estão sendo aguardados mais de 40 mil advogados. O presidente Marcos da Costa, da OAB/SP, teve o apoio de seus colegas das seccionais na escolha de São Paulo. Trata-se de um evento extraordinariamente importante nesse momento de transição na vida política do país. Os advogados estão na linha de frente entre os grupamentos que formam a Opinião Pública.
Mentiras
O Reino da Mentira foi uma criação do senador Rui Barbosa, nos idos de 1919: "Mentira por tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu. Nos inquéritos. Nas promessas. Nos projetos. Nas reformas. Nos progressos. Nas convicções. Nas transmutações. Nas soluções. Nos homens, nos atos, nas coisas. No rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Nas responsabilidades. Nos desmentidos." Não é que o Reino da Mentira está na ordem do nosso dia a dia?
Napoleão e Sherman
É bom recordar as lições de Napoleão. Que dizia: faire son thème em deux façons (fazer as coisas de dois modos). O general William Sherman, que comandou a campanha de devastação durante a Guerra da Secessão norte-americana, também lembrava: "Ponha o inimigo nos cornos de um dilema." Nunca um político deve trabalhar com uma única hipótese. Atenção, protagonistas da política: tenham um plano A, um plano B e um plano C. No mínimo. Com vistas ao futuro.
A morada do doutor
Pedaços de historinhas do mestre Leonardo Mota. Contadas por ele.
Quem entra no "Hotel Roma" de Alagoinhas, na Bahia, vai com os olhos a uma tabuleta agressiva em que peremptoriamente se adverte:
Pagamento adiantado: hóspedes sem bagagens e conferencistas
Também, em Pernambuco, o proprietário do hotelzinho de Timbaúba é, com carradas de razão, um espírito prevenido contra conferencistas que correm terras. Notei que se tornou carrancudo comigo quando lhe disseram que eu era conferencista, a pior nação de gente que ele contava em meio à sua freguesia. Supunha o hoteleiro de Timbaúba que eu fosse doutor de doença ou doutor de questão. Por falar em Timbaúba. Há ali um sobrado, em cuja parte térrea funciona uma loja de modas, liricamente denominada "A Noiva". O andar superior foi adaptado para residência de uma família. Eu não sabia de nada disso quando tendo indagado do Major Ulpiano Ventura onde residia o dr. Agrício Silva, juiz de Direito da comarca, recebi esta informação chocante:
- O doutô Agriço? O doutô Agriço está morando em riba d' "A Noiva"...