Porandubas Políticas

Porandubas nº 511

Uma análise das gravações de Marcelo Calero.

1/12/2016

Abro a coluna com uma homenagem à Chapecoense. Um grupo de jovens cheios de alegria, entusiasmo e vontade. Sonhos desfeitos em um átimo de segundo. Famílias padecendo grande dor. Um belo empreendimento que desmorona. A imagem de uma equipe que percorreu rápido os caminhos da glória. A imagem da vida que se esvai em um grande momento de seu fluxo. Parodiando o poeta Carlos Ayres Britto : "A morada de Deus tem muitas portas, sem dúvida. A mais larga de todas é a música". Complemento : E a mais cheia de entusiasmo é a do futebol. Viva a Chapecoense ! Que renascerá pela vontade de seus torcedores.

Calero

O ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, pode ter sido aconselhado a gravar as conversas que teve com o ex-secretário do governo, Geddel Vieira Lima, ministro Eliseu Padilha, o advogado da Casa Civil, Gustavo do Vale Rocha e o próprio presidente Michel Temer. Ele chegou a dizer que foi orientado por amigos da Polícia Federal. Um ministro gravando seu presidente é algo inusitado, completamente fora de propósito. Ou ele tinha um propósito ? Portando um argumento de defesa, Calero alega que não gravou a conversa no gabinete presidencial, mas por telefone. O diplomata distingue gravação por telefone de gravação em comunicação direta. Qual a diferença ?

Chicana

Marcelo Calero acusou o presidente da República de propor chicana, manobra jurídica, para ajudar Geddel Vieira Lima no caso do embargo do prédio La Vue, em Salvador, feito pelo Iphan Nacional. Mas o que mostrou o conteúdo da conversa ?

Conteúdo

O conteúdo mostrou uma conversa meramente protocolar, não havendo absolutamente nada que poderia comprometer o presidente. Não se viu nenhum "enquadramento" conforme o diplomata (?) atestou. Vamos esperar pelo teor de outras gravações. Calero quis repartir a responsabilidade pela gravação com amigos da Polícia Federal. Inadmissível esse tipo de aconselhamento. Gravar conversas com o presidente da República ?

Banalização

A banalização de recursos excepcionais escancara o modus operandi que invade os vãos da República : a banalização de gravações, de acusações a esmo, do disse-que-disse, de versões estapafúrdias. A delação é vigoroso instrumento para se apurar a corrupção. Até aí tudo bem. Mas de tanto se recorrer ao recurso, virou moeda de troca. Com tanto destampatório, as penas serão aliviadas. Corruptos acabarão ganhando punições menos severas. As gravações, da mesma forma, se multiplicam. Estamos em pleno território do Big Brother. A desconfiança se alastra. O medo se instala nos ânimos.

Heróis de araque

Gravadores de conversas são endeusados por pessoas alijadas do poder. É possível, até, que esse Calero volte à política sob o mote da coragem de ter gravado o presidente. Ele já foi candidato a deputado Federal pelo PSDB do Rio de Janeiro. Teve votação pífia. Em 2018, quem sabe, poderá até se apresentar ao eleitorado tendo um gravador como símbolo-versão Juruna do século XXI. Posando de herói, com embalos musicais de amigos artistas, lutará para ascender ao patamar da política. Claro, essa projeção não leva em conta a hipótese de vermos um país com menos ódio e mais harmonizado em 2018. Situação em que Calero será demonizado.

Boulos medalhado ?

Cada vez mais se compreende menos. Guilherme Boulos recebeu medalha do mérito legislativo, prestigiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Como se sabe, ele comanda o MTST, braço radical da esquerda que se vangloria de depredar prédios públicos e patrimônio privado. A homenagem ocorreu ontem, um dia depois do vandalismo que assolou Brasília, quando sete Ministérios foram depredados. Até a catedral foi pichada. Será que não estamos fazendo inversão de papéis no Brasil ? O mal não está sendo considerado um bem e vice-versa ? Mocinhos e bandidos não fazem papel trocado ?

A escalada ética

A política continua cercada de lama por todos os lados, mas são inegáveis as flores que nascem aqui e ali, sob os cuidados atentos de uma gente de fé que junta forças e motivação para deixar o conforto de sua casa e sair às ruas em combate à corrupção, dando-se as mãos, erguendo faixas, ecoando palavras de ordem, clamando por decência. Há uma chama iluminando parcela considerável da consciência social. Ou, para usar outra imagem, um rastilho de pólvora se infiltra em numerosos espaços, pronto para receber o fósforo da explosão. A escalada ética que se descortina neste instante é emoldurada, de um lado, pela limpeza na administração pública clamada pela sociedade e, de outro, pela resistência de bolsões no Parlamento contrários às mudanças.

Redes sociais

A mobilização social pela moralização de costumes e práticas na política ganha volume ao impulso das redes sociais, sendo este, aliás, um fenômeno que se amolda ao modo de pensar e agir das correntes da sociedade. O fato é que milhões de internautas usam cotidianamente as redes tecnológicas da comunicação, configurando-se como poderoso núcleo irradiador de informações e visões e, como tal, funcionando como pulmões a oxigenar o coração da opinião pública. Não há mais como deixá-los à margem do processo comunicacional brasileiro. Doravante deverão ser avaliados sob o prisma da articulação e da mobilização, sendo demonstração cabal de seu poderio a mobilização de contingentes.

Abuso de autoridade

A Câmara aprovou a lei contendo as medidas contra a corrupção. O eixo do projeto original foi preservado. A bancada do PDT propôs emenda ao pacote no sentido de criminalizar o abuso de autoridade para magistrados e membros do Ministério Público. A proposta prevê crime de responsabilidade para juízes, desembargadores e procuradores.

As coisas retiradas

Os deputados rejeitaram a proposta que previa acordos de leniência (espécie de delação premiada em que empresas reconhecem crimes em troca de redução de punição) ; retirou-se, ainda, o trecho sobre enriquecimento ilícito de funcionários públicos ; caiu, ainda, a figura do "reportante do bem", pessoa que denunciaria crimes de corrupção em qualquer órgão, público ou não, recebendo uma recompensa em dinheiro ; foram retiradas as mudanças para dificultar a ocorrência da prescrição de penas ; rejeitou-se a proposta de "confisco alargado" ; também caíram os acordos entre defesa e acusação, no caso de crimes menos graves. Os deputados rejeitaram, ainda, pontos do relatório que previam a responsabilização dos partidos políticos e a suspensão do registro da legenda por crime grave.

A querela

O ambiente está eivado de indignação, raiva e dissensão. Movimentos ocuparam a Espanada dos Ministérios, ontem, em Brasília para protestar contra a anistia ao caixa 2 e a PEC do teto dos gastos. O presidente da República, Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já haviam anunciado que não deixarão passar essa anistia. Temer prometeu vetar esse dispositivo caso fosse aprovado pelo Congresso. O fato é que a polarização que se adensa tem como pano de fundo o afastamento da presidente Dilma.

O que está em jogo

Grupos inconformados querem dar o troco e pedem impeachment do presidente Temer. As militâncias do PT, do PSOL, da CUT, MTST, MST e da UNE se agrupam e vão às ruas para clamar contra coisas que, na verdade, nem sabem o que significa. Decoram slogans e refrãos para mostrar que a PEC do Teto, medida altamente moralizadora, vai empobrecer o povo, tirar recursos da educação e da saúde. Lorota. O fato é que os desempoderados (que perderam poder), sob um clima de incertezas e uma economia claudicante (herança petista), fazem uma revanche.

Juros e a economia

Os setores produtivos estão menos otimistas que há um mês. Temem que a crise política atrapalhe o cronograma das reformas. Nesse caso, o ajuste da economia será mais demorado. A previsão de crescimento do PIB em 1,5% cai. Empresários de porte confessam à coluna : enquanto os juros continuarem em alta escala, não haverá reação da produção.

Delação do fim de mundo

Crescem as expectativas em relação à delação do fim de mundo. Comenta-se que Marcelo Odebrecht teria feito exigências e observações que ainda estão sendo negociadas. Há, ainda, desacordo sobre as multas a serem pagas pelo Grupo. A previsão é que o acordo seja fechado na próxima semana.

PEC passa

O senado aprovou por 61 votos a PEC do Teto dos Gastos. A segunda votação está prevista para 13 de dezembro. Será o maior tento do governo Temer.

Renúncia coletiva

Os procuradores da Lava Jato ameaçam renunciar caso a proposta de abuso de autoridade, do projeto anticorrupção aprovado, ontem, pelos deputados, seja sancionada pelo presidente Michel Temer. "Nós somos funcionários públicos, temos uma carreira no Estado e não estaremos mais protegidos pela lei. Se nós acusarmos, nós poderemos ser acusados. Nós podemos responder inclusive pelo nosso patrimônio. Não é possível em nenhum Estado de Direito que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados. Nossa proposta é de renunciar coletivamente caso essa proposta venha a ser sancionada pelo presidente", garante o porta voz do grupo, Carlos Fernando dos Santos.

Legislativo x MP/Judiciário

Na verdade, o que há uma luta esganiçada entre os Poderes Legislativo e Judiciário e que arrasta também o Ministério Público. O Parlamento quer recuperar sua força. Nos últimos tempos, perdeu prestígio. O Judiciário, por sua vez, ganhou força e tem a simpatia da sociedade. Os buracos infraconstitucionais, produzidos pela CF de 88, deram muita força ao STF. Em sua missão de interpretar a Constituição, acabou legislando em muitas matérias. O MP, revigorado pelo apoio social, assumiu o compromisso de passar o Brasil a limpo. Junta-se ao Judiciário e à Policia Federal nessa tarefa. O ambiente está tenso. Cada ente defendendo posições irredutíveis. A opinião pública está acesa. Nesse momento, pende para o Judiciário e para o MP.

Ética na política

Vamos imaginar um debate sobre ética na política entre parlamentares e o senador Rui Barbosa. O mestre lhes diria : "Não há nem pode haver aliança entre a política e os meus interesses privados. A política é e será sempre a inimiga da minha prosperidade profissional". O parlamentar poderia retrucar : "Ética é fidelidade aos amigos". Outro arremataria : "Aos amigos, pão, aos inimigos, pau". O velho Rui, no troco, lembraria trecho do discurso de 26/12/1901, que bem poderia servir de conselho a muitos dos nossos representantes : "Vespasiano dizia que, para um imperador, decência é morrer de pé, decência é cumprir bem o seu papel".

Fecho a coluna com a historinha do peru

E assim nasceu o peru

Minhas homenagens aos leitores com a historinha do peru (que será servido neste Natal), enviada pelo amigo Eduardo Nascimento, que não perde a oportunidade para exercitar sua verve :

Há um conto japonês milenar que é mais ou menos assim : "Em uma planície, viviam um urubu e um pavão. Um dia, o pavão começou a expressar certa angústia :

- Sou a ave mais bonita do mundo animal, tenho uma plumagem colorida e exuberante, porém nem voar eu posso, de modo a mostrar a minha incomparável beleza. Feliz é o urubu que é livre para voar para onde o vento o levar.

O urubu, por sua vez, também refletia no alto de uma árvore :

- Que infeliz ave sou eu, a mais feia de todo o reino animal ; e ainda tenho que voar e ser visto por todos. Quem me dera ser belo e vistoso tal qual aquele pavão.

E aí as duas aves, pensando sobre suas conveniências e inconveniências, tiveram uma brilhante ideia : deveriam se juntar para realizar um cruzamento. O fruto que desse cruzamento surgiria seria uma ave esplendorosa, magnífica, um descendente que iria combinar o voo tão aerodinâmico do urubu com a graciosidade e elegância do pavão. Cruzaram-se. E daí... nasceu o peru ! Que é feio pra cacete e não voa. Moral da história, senhoras e senhores : se a coisa está ruim, não invente. Gambiarra não funciona.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.