Porandubas Políticas

Porandubas nº 498

Sem doações de empresas, a campanha eleitoral deste ano será emblemática.

20/7/2016

Abro a coluna com o velho personagem do folclore político das Minas Gerais.

José Maria Alkmin tinha fama de pão duro e os amigos resolveram testar sua fama. Arranjaram uma freira e mandaram procurá-lo. A freira chegou e pediu um auxílio para o orfanato. Ele percebeu a brincadeira, tirou o talão de cheque, preencheu, a freira saiu. Atrás delas, os amigos deles, surpresos. Dia seguinte, no banco, a freira não pode receber. O cheque estava sem assinatura. A freira voltou ao gabinete :

- Desculpe, irmã, mas, como cristão, devo obedecer o Evangelho. Quando pratico atos de caridade, mantenho-me sempre no absoluto anonimato.

(Historinha enviada por Carla Elias)

Animus animandi

A alma nacional começa a se animar com a leitura que entidades e empreendedores passam a fazer do Brasil nos horizontes do amanhã. O FMI já aposta na economia voltando a ter força já em 2017. As projeções até sinalizam crescimento do país. Os Institutos de Pesquisa, como o Datafolha, sinalizam resgate da confiança. O número de brasileiros confiantes é, hoje, quase três vezes maior que o registrado em abril. E metade da população quer a permanência de Michel Temer no comando, rejeitando a volta de Dilma.

Efeito dominó

A locomotiva econômica tem o dom de puxar os vagões das massas e da política. Se o desemprego e o índice inflacionário forem contidos, as tensões sociais diminuirão. O Produto Nacional Bruto da Felicidade, com uns pontinhos a mais, funcionará como válvula a deixar escapar o vapor do panelão social. A esfera política entrará no clima de distensão, tendendo a buscar linhas de consenso e equilíbrio.

Campanha eleitoral

A campanha eleitoral deste ano será emblemática. Os mais endinheirados puxarão o carro da visibilidade. Sem doações de empresas, os partidos terão de repartir migalhas para seus candidatos em 5.568 prefeituras. O Caixa 2 será realimentado. Não por meio de recursos financeiros, mas via ajuda indireta : logística de transportes, imóveis cedidos para comitês de campanha, pacotes baratos de materiais de propaganda bancados por amigos e assim por diante.

Sola de sapato

Mas o que valerá mesmo é a corrida casa a casa, mão na mão, olho no olho. Os candidatos terão de se desdobrar para cumprir uma intensa agenda em bairros, feiras livres, mercados municipais, estações rodoviárias e ferroviárias, conversando com as pessoas, ouvindo queixas, anotando sugestões, recebendo promessas de votos e, claro, também ouvindo xingamentos e apupos. A campanha de rua será mais forte que as anteriores. O eleitorado está desconfiado. Atento. E com a língua afiada.

Moro e Lula

O juiz Sérgio Moro aguardará a decisão sobre as gravações de Lula, a ser tomada pelo ministro Teori Zavascki após o recesso do Supremo. Em agosto, Teori vai confirmar se as gravações ficarão sob a égide de Moro ou subirão à alta Corte. A defesa de Lula pede que as gravações fiquem na órbita do STF. Será difícil separar gravação com pessoas do foro privilegiado e fora dele. E se Lula permanecer sob o olho severo do juiz de Curitiba ?

A rejeição de Lula

O Datafolha mostra que Lula continua a liderar o processo eleitoral, se as eleições fossem hoje. Mas, no segundo turno, não ganharia de ninguém. Lula tem a maior rejeição : 46%. No segundo turno, perderia com estas margens : Opção 1 : Aécio 38% e Lula 36%. Opção 2 : Alckmin 38% e Lula 36%. Opção 3 : Marina 44% e Lula 32%. Opção 4 : Marina 46% e Aécio 28%. Opção 5 : Marina 47% e Alckmin 27%. Opção 6 : Marina 46% e Serra 30%. Opção 7 : Serra 40% e Lula 35%.

Pai dos pobres

Lula lapidou uma imagem de Pai dos Pobres. O artífice do Bolsa Família. O autor da façanha da "inserção de 30 milhões" de brasileiros no meio da pirâmide social. Grande responsável pelo aumento da auto-estima nacional. Ora, mas parcela dessas conquistas se esvaiu. A auto-estima foi pro buraco. Os milhões que escalaram a montanha estão descendo para o sopé. O Bolsa Família, hoje, é considerado uma obrigação do Estado. Sem pai nem mãe.

O tsunami de lama

E, além disso, um tsunami de lama e esgoto invadiu o território de Lula, o PT. A lama respinga sobre ele e seu entorno. Essa paisagem devastada vai ser mais feia nas proximidades de 2018. Por isso, esse consultor volta a lembrar a velha lição de Heráclito : um homem nunca atravessa o rio duas vezes. As águas são outras e ele próprio não será o mesmo na segunda travessia.

O futuro do PT

O PT não acabará. Passará por uma filtragem para expurgar as correntes sujas de lama que entopem seus dutos. Luiz Inácio será, ainda, a referência maior da sigla. O PT diminuirá de tamanho, a começar pela baciada menor de prefeitos a serem eleitos em outubro. Se fizer 300, metade do que tem hoje, já estará de bom tamanho. O debate interno será intenso após as eleições. 2017 será um ano de forte embate interno entre as alas que povoam o partido. A banda de Lula poderá até vencer a disputa interna. Mas o grande Lula sairá alquebrado de tanta refrega. A conferir.

Bloqueio

Uma juíza do Rio de Janeiro, Daniela Barbosa Assunção de Souza, determinou o bloqueio do WhatsApp em todo o país. Razão ? Descumprimento de ordem judicial para fornecimento de informações em uma investigação policial. A moda está pegando. Trata-se da terceira suspensão. Medida tem impacto sobre mais de 100 milhões de usuários do aplicativo de mensagens instantâneas. Juíza diz : "Aqueles na sociedade que reclamam a simples ausência de um aplicativo, como se não nos fosse mais possível viver sem tal facilidade, como se outros similares não pudessem ser utilizados, como se outros meios de comunicação não existissem, deveriam lembrar que a maior vítima dos crimes ora investigados é a própria sociedade".

Hollande

François Hollande, o presidente da França, ainda não confirmou sua vinda para a Olimpíada. Seu nome consta da lista de chefes de Estado que haviam prometido vir ao Brasil. Com o recente atentado terrorista em Nice, Hollande poderá desistir. Seria um risco sua presença em um evento aberto como uma Olimpíada. Por mais segurança que se possa organizar, o terror, como se viu na França, encontra maneiras de escapar dos controles.

Semi-parlamentarismo

A vitória de Rodrigo Maia cai como uma luva nesse momento. Michel Temer, bom conhecedor dos meandros do Parlamento, quer abrir mais espaço para os partidos, motivando-os a participar da definição das políticas públicas, não somente ocupando cargos na estrutura. Esse é o diferencial de seu presidencialismo. Quer inaugurar um novo estilo, que já está sendo chamado de semi-parlamentarismo. Valorização do Congresso.

Reforma política

O fim das coligações proporcionais e o estabelecimento da cláusula de barreira são os dois pontos que integram a reforma política de interesse do Executivo. O governo espera aprová-los ainda este ano. A conferir.

Democracia gangrenada

"Na minha opinião, o que está acontecendo com o Brasil é um protesto do setor mais saudável e criativo do país diante de uma democracia que estava gangrenada pela corrupção". (Mário Vargas Llosa)

Contra a Olimpíada

Metade da população (50%) é contrária à realização da Olimpíada no Rio de Janeiro. E 63% acham que trará mais prejuízos que benefícios.

Terrorismo

Mais um atentado terrorista : numa cidade pequena do interior da Alemanha. Os alvos se tornam cada vez mais escondidos.

Progresso social

Eis os cinco melhores países do mundo no ranking de progresso social : 1º Finlândia ; 2º Canadá ; 3º Dinamarca ; 4º Austrália e 5º Suíça.

O pacto de Dilma

Promete o líder do PT, José Guimarães, que se Dilma voltar, "será um novo governo. Dilma deve fazer um novo pacto com os brasileiros. Repactuar o país. E esta repactuação passa por nenhum direito a menos. Conversar com o Congresso e com a sociedade. É outro governo. Outro pacto. Que dará nova governabilidade". E diz que o PT está trabalhando em silêncio para reverter o impeachment.

O discurso político

O discurso político atravessou um longo corredor na história. Vejamos algumas passagens. Na Antiguidade, os ideários fluíam pelo gogó e pelo gestual dos governantes, rito de que são ícones Demóstenes (384-322 A.C.), político que venceu a gagueira forçando-se a falar com seixos na boca e se tornou o maior orador grego, e Cícero (106-43 a.C.), advogado e mestre de civismo, famoso também pelo discurso contra o conspirador Catilina e considerado o maior orador romano.

Da ágora para o Estado-espetáculo

Da ágora, a praça central de Atenas, e do Fórum romano, o discurso político avolumou-se, saindo do Estado-cidade para o Estado-Nação e agregando força na esteira dos ciclos históricos da comunicação : a era Gutenberg, no século 15 (criação da imprensa), a Galáxia Marconi (invenção do rádio, em 1896), que impulsionou a escalada de demagogos como Hitler e Mussolini, até chegarmos ao Estado-espetáculo, adornado com as luzes televisivas, a partir dos anos 1960, e com a imagem esbelta de John Kennedy.

Estética sobre a semântica

Nesse ciclo, a estética impõe-se à semântica e os atores políticos passam a incorporar elementos dramáticos ao desempenho, redundando não raro em performances mirabolantes com a finalidade de cativar e mobilizar as massas. A política no Estado moderno ganha operacionalidade com a implantação do governo representativo pela Constituição francesa de 1791 ("os representantes são o corpo legislativo e o rei") e o corpo social faz-se representar por um grupo de pessoas que passam a agir de acordo com a "vontade geral".

Política de grupos

O modelo passou a sofrer questionamentos. A crítica era a de que o sufrágio universal não teria sido capaz de melhorar a condição de vida de milhões de pessoas. Lançava-se ali a semente da representação de grupos específicos, derivando daí a democracia de grupos e facções, de que são exemplo, na atualidade, os Estados Unidos. Aí, o voto enraíza-se nas localidades, servindo de escudo de grupos e setores. É também de Bobbio a crítica de que a democracia não tem cumprido suas promessas, entre elas, a educação para a cidadania, a Justiça para todos e a segurança social. Não sem razão, a democracia representativa atravessa tempos continuados de crise, com o desvanecimento de partidos e doutrina, o arrefecimento das bases, o declínio dos Parlamentos. Hoje, a sociedade dá as costas para a política. E a democracia direta revigora-se com o clamor das ruas.

Viu meu pedido ?

Fecho a coluna com mais um "causo" mineiro.

Murilo Badaró, senador, descobriu um bom emprego na Açominas, arrumou um candidato, foi ao governador Ozanam Coelho pedir o lugar para o seu protegido. Ozanam prometeu estudar o caso. Na semana seguinte daria a resposta. Murilo voltou :

- Como é, Ozanam, viu meu pedido para a Açominas ?

- Mas o rapaz é outro. Vai ser o Saulo, meu filho.

- Como, Ozanam ? Descubro o lugar, trago-lhe o pedido e você nomeia seu filho ?

- Ora Murilo, eu estava entre dois pedidos. Entre o pedido do senador, que é você, e do governador do Estado, que sou eu. Achei que o pedido do governador era mais forte.

E nomeou o filho. (Historinha enviada por Carla Elias)

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.