Abro a primeira coluna de 2016 com um pouco de graça para contrastar com a cara feia do ano que se inicia.
Com minha fé e....
Em tempos de preparo eleitoral, cai bem essa historinha. Parece absurda, mas é verdadeira. Deixamos de dar os nomes para evitar constrangimentos às famílias. Um ex-prefeito de Aracati, cidade litorânea do Ceará, em comício animado, gritou no palanque :
"Meu povo e minha pova. Vou ser reeleito prefeito de Aracati com minha fé e as fezes de vocês."
Farta feição
José Aparecido chegou à sua Conceição do Mato Dentro/MG, começou a romaria dos amigos. Entrou um coronel, mansos passos e chapéu na mão :
– Bom dia, doutor. Boa viagem ?
– Boa. Como vão as coisas ?
– Tudo correndo como de costume. Novidade aqui nunca tem e lá pra fora não sei, porque minha televisão está defeituada.
– O que é que aconteceu com ela ?
– Não sei não. Às vez farta prosa, às vez farta feição.
(José Aparecido foi deputado Federal, ministro da Cultura, governador de Brasília e embaixador em Portugal. Excepcional figura.)
Abrem-se as cortinas
As cortinas do palco começam a ser abertas. Os movimentos ainda são cautelosos, com os atores temendo entrar em cena antes do tempo. A peça estará pronta para ser exibida em início de fevereiro. Até lá, estaremos vendo alguns atores ensaiando a performance. Dilma, Lula, Jaques Wagner, do lado do PT ; Michel, Renan, Picciani, a bancada mineira, do lado do PMDB ; os atores do Judiciário, sem folga, ouvem depoimentos, fechando o círculo das delações ; a esfera econômica, com Nelson Barbosa na frente da ala, margeando as expectativas ; e as ruas, em compasso de espera.
Dilma
Vemos uma presidente mais alegre, solta, sorridente, embalada pelo sono do anjo, o segundo neto Guilherme. Dilma tenta transmitir confiança no futuro. Parece convencida de que o fantasma do impeachment foi afastado e que a economia dará sinais de recuperação antes mesmo do segundo semestre, o que, convenhamos, é excesso de confiança. O impeachment realmente refluiu na esteira da diástole provocada pelo final de ano. Dilma sente recuperar poder junto à base aliada. Divide para somar com a atração que provoca no PMDB mineiro, ao oferecer a Secretaria da Aviação Civil, com status de Ministério, ao deputado Mauro Lopes.
Lula
O ex-presidente tem se prontificado a atender aos chamados da PF para depor. Mas não esconde a irritação com as suspeitas que envolvem seu filho Luís Cláudio. E Nestor Cerveró acaba de alimentar suspeitas sobre ele, Lula, ao dizer que foi indicado para a Diretoria Financeira da Petrobras por "reconhecimento da ajuda" na contratação da Schain para operar o navio-sonda Vitória em troca da quitação de um empréstimo do PT junto ao banco Schain. Lula aguarda, com expectativas, os próximos acontecimentos.
Wagner
O homem forte do governo Dilma é Jaques Wagner, ex-governador da Bahia. Na Casa Civil, age como o articulador político e o filtrador de programas do governo. Entrou no jogo, a partir das conversas divulgadas entre ele e o executivo da OAS, Leo Pinheiro. JW responde não temer a situação.
FHC
O mesmo Cerveró afirma ter havido uma "propinagem" de R$ 100 milhões ao governo FHC por conta da venda da petrolífera Pérez Companc, argentina, em 2002. A empresa foi comprada pela Petrobras por R$ 1 bilhão. Fernando Henrique diz não ter a menor ideia dessa matéria e alega que o então presidente da empresa na época, Francisco Gros, falecido, tinha "reputação ilibada".
Canibalização
A teia de denúncias que atingem os atores políticos de todos os naipes mostra uma coisa : os vazamentos não selecionam grupos e partidos e os efeitos se repartem por todos, gerando canibalização recíproca. Todos são devorados pela boca do Mal. Esse fenômeno expande o descrédito na área política e afasta a sociedade de partidos. Mesmo assim, o impacto mais negativo ainda se projeta sobre o PT, que comanda o país.
Michel e Renan
O vice-presidente Michel Temer tem um objetivo pela frente : unir as alas do PMDB, sob a convicção de que o partido, repartido em divisões regionais, acaba se unindo nos momentos de maior tensão e crise. Teria, hoje, a oposição de Renan Calheiros, que comanda com força o espaço dos senadores. O vice-presidente vai correr o país com o discurso do Municipalismo – tema central no ano das eleições para as prefeituras – e, ainda, conclamando os grupos à unidade.
Renan, apoio ao governo
O presidente do Senado mostra-se um intransigente defensor do governo Dilma, fazendo contraponto ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Irá até o final no papel de pilastra de sustentação de Dilma ? Difícil. O alagoano é pragmático. Pode sair do barco se perceber que será afundado pela borrasca. Renan mostra-se disposto a bancar uma candidatura senatorial à presidência do PMDB. Terá, porém, condições de liderar esse processo ? Vai depender do envolvimento de seu nome na Operação Lava Jato. Cordato, Michel vai esperar que as querelas entre alas sejam atenuadas e a unidade surja. Não se aposte na ruptura entre deputados e senadores. O Congresso do PMDB será em março. Momento em que o partido decidirá sobre candidatura própria em 2018 à presidência da República.
Picciani, líder
Leonardo Picciani está ultimando as negociações para continuar a ser líder do PMDB. Deve conseguir. A bancada mineira aceitaria o acordo que ele propõe e que consiste na ideia do deputado Newton Cardoso Junior assumir a liderança após Picciani. Claro, todas essas negociações têm como pano de fundo a locomotiva que puxa o trem da política, a economia. Se degringolar de vez, babau. Os acordos feitos não resistirão ao tempo. A bancada mineira é a segunda maior do PMDB, abaixo da carioca, a primeira.
Judiciário, a jato ?
O Judiciário será cobrado a agilizar a Operação Lava Jato, coisa que vem fazendo na primeira instância do juiz Sérgio Moro. Mas o processo de delação premiada deverá ser fechado para que sejam ultimados os casos envolvendo empresários e políticos. Reina sobre os juízes a dúvida sobre a permanência prolongada de pessoas sem condenação. A alegação de que, soltos, poderiam atrapalhar as investigações, parece frouxa. O fato é que a Lava Jato ainda vai demorar bom tempo e dará o tom da política nos próximos meses, chegando às margens eleitorais. Veremos um pleito sob a orquestra da Justiça buzinando nos ouvidos do eleitor.
Economia em frangalhos
Nelson Barbosa pode ser um bom economista, mas não se espere que seja capaz de operar milagres. Ele promete continuar o ajuste nas contas do governo. A recessão se escancara. O desemprego se alastra. A inflação ultrapassa a casa dos dois dígitos. Promete também adoçar a boca amarga de pequenas e médias empresas com o adoçante do BNDES. Não se sabe ainda como será essa receita. Mas o fundo de poço, em março/abril, poderá pegar Barbosa no contraponto das promessas. A verdade do arrocho ameaçará a versão de que as coisas caminharão bem.
Ruas em compasso de espera
As galeras arregimentadas pelas entidades de intermediação social estão esperando para começarem a esquentar o pirão das ruas. Voltarão com seus movimentos de protesto e reivindicação. E voltarão furiosas, como acabamos de ver no final de semana passado, quando os Black-Blocs fizeram o primeiro aceno de violência do ano. Se a economia chegar mesmo ao fundo do poço, a movimentação de rua será mais quente.
Tipos de candidatos
Teremos uma campanha mais enxuta, menos extravagante, objetiva, parca de recursos. Campanha de 45 dias, rádio e TV com 35 dias, candidatos sendo controlados e sob um olhar exigente e crítico dos eleitores. Iremos eleger 5.568 prefeitos e cerca de 60 mil vereadores. Quem serão eleitos ? Uma mistura de tipos. Eis alguns :
O asséptico
Perfis não comprometidos com a velha política, que podem desfraldar a bandeira : passado limpo, vida decente. Idade entre 30 a 50 anos. Respeitados na comunidade.
O braço social
Perfis conhecidos por seu desempenho na área social, seja por meio de entidades de intermediação, seja por meio de uma vida profissional dedicada à assistência a comunidades carentes.
O tradicional
Perfis que ainda fazem a política tradicional, manobram currais eleitorais e são extensões dos braços do populismo. Infelizmente, continuarão a ser eleitos, porque a mudança política não ocorre de maneira abrupta.
Visão empresarial
Perfis de visão empresarial que, em função de circunstâncias e situações criadas pela erosão política, serão chamados pelas comunidades para ingressar na esfera executiva municipal.
Religiosidade e fé
Perfis saídos das fileiras religiosas – igrejas, credos e evangelhos –, ancorados pelas respectivas entidades. São perfis que podem não ter o apoio de toda a comunidade, mas certamente fecharão densos núcleos em torno de suas candidaturas.
Demagogos e populistas
Perfis conhecidos pelas promessas mirabolantes. Serão poucos os eleitos, mas uma parcela ainda terá chances no caleidoscópio político.
Profissionais liberais
Médicos, engenheiros, arquitetos, advogados, professores, perfis respeitados na comunidade, que, por seus méritos, serão chamados a compor chapas.
Mulheres
A batalha dos gêneros ganhará evidência em função da crise que solapa a esfera da representação política. A mulher é vista como alguém que pode cuidar melhor da casa, da família, da educação dos filhos. Essa simbologia se transfere também à política, embora saibamos que há muita corrupção envolvendo o gênero feminino.
Esportistas e stars
As estrelas do mundo esportivo e as estrelas do Estado-Espetáculo, pela visibilidade alcançada nos campos, palcos e palanques também serão uma atrativa opção, principalmente junto aos bolsões menos desenvolvidos cultural e politicamente.
Oposicionistas
Perfis que marcarão suas candidaturas por um discurso meramente oposicionista : contra o atual prefeito, contra os atuais governantes. A linguagem de contundência oposicionista é muito ouvida e aplaudida em tempos de vacas magras. Ser contra é maneira de atrair todos os indignados.
OAB-SP em ação I
A OAB-SP vai propor a criação de uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo para investigar atrasos nos repasses da Defensoria Pública paulista para os advogados que atuam na defesa jurídica de pessoas de baixa renda. A Defensoria atrasou repasses a advogados relativos a pagamentos devidos a partir do início de dezembro e de janeiro. Conta a instituição com 719 defensores públicos, insuficiente para atender à demanda no Estado. Parte desse trabalho é feito por cerca de 38 mil advogados que atuam segundo as regras de um convênio assinado entre a OAB-SP e a Defensoria. A Defensoria atrasou as transferências para os advogados, mas pagou gratificações ilegais para os defensores públicos de seu quadro, e isso deve ser investigado pela CPI, de acordo com o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa.
OAB-SP em ação II
Marcos da Costa enviou ao Congresso projeto que pretende criar um critério objetivo para a definição de carente, evitando a subjetividade adotada pela Defensoria Pública. Somente aqueles que estejam no cadastro de programas sociais do governo Federal devem ter direito à advocacia gratuita. Ou seja, o nivelamento será de acordo com a lei 6.135/2007, que assim define o carente : aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ; ou a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos. Hoje, há pessoas que não se enquadram em critérios de hipossuficiência e acabam usufruindo do sistema. O projeto foi entregue ao deputado Arnaldo Faria de Sá, presidente da frente parlamentar da advocacia.