Porandubas Políticas

Porandubas nº 474

A pressão popular, segundo o colunista, será o termômetro que tem condições de afastar a presidente Dilma.

16/12/2015

Abro a coluna com uma historinha de Caruaru, PE.

Uma infelicidade

Em Caruaru/PE, o coronel João Guilherme, senador estadual e chefe político, lá pelos anos 30, comprou a um matuto um cavalo de sela. Cavalo bonito, mas com a pálpebra caída. Cego de uma das vistas. Ao descobrir o logro, o coronel ficou indignado. Fez vir à sua presença o espertalhão. Ameaçou-o de cadeia.

- Você teve a coragem de me vender um cavalo cego dum olho ! Isso é uma falta de seriedade ! Você fez negócio com um homem e não com um tratante da sua laia ! Por que você não teve a franqueza de me dizer que o cavalo tinha esse defeito ?

- Mas, seu coroné, vamincê me desculpe que eu lhe diga : o cavalo que eu lhe vendi não tem defeito, não !

- Não tem defeito ? Não tem defeito ? Então, você acha que um cavalo cego dum olho não tem defeito ?

- Seu coroné, vamincê me desculpe, mas eu acho que não tem não ! Ser cego não é defeito : ser cego é uma infelicidade...

(Historinha de Leonardo Mota em Sertão Alegre)

Catilinária

Quousque tandem abutere, Catilina, patienta nostra ? Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência ? Parece claro que o recado é para Eduardo Cunha. O procurador Janot pediu e Teori Zavascki endossou a operação Catilinária, cujo alvo principal é seguramente o PMDB. As ações de busca e apreensão bateram nas casas de peemedebistas de alto coturno : Eduardo Cunha, presidente da Câmara, (na casa oficial em Brasília e em seu endereço no Rio) ; Renan Calheiros, presidente do Senado, no escritório do PMDB, em AL, que dirige ; dois ministros do PMDB, Henrique Alves, do Turismo, e Celso Pansera, da Ciência e Tecnologia ; e Edison Lobão, senador. Por enquanto, são investigados, ainda não indiciados. O que isso pode significar ?

Consequências

O caso de Eduardo Cunha vem rolando há tempos, podendo-se dizer que essa ação da PF era bastante previsível. O PGR tem contra ele denso arsenal e quis dizer : estamos com a paciência esgotada. Mais cedo ou mais tarde, deverá deixar o comando da Câmara. Mas o tiroteio sobre quadros do PMDB gera, de imediato, uma tensão insuportável no partido, agitando as alas contrárias e favoráveis ao impeachment. Sobra a impressão de que o grupo contrário ao governo pode querer antecipar a convenção partidária para janeiro, tendo como pauta, entre outras, o afastamento do PMDB do governo Dilma. A operação Catilinária não foi de todo digerida. Os dirigentes trocam impressões.

Bombas pré-natalinas

Segunda, no programa Roda Viva, cheguei a antecipar : vem bomba pré-natalina. Só não sabia que a bomba seria lançada no dia seguinte. Correm versões sobre a aceleração das operações da Lava Jato como modelagem para se fechar o circuito. Donde é possível aduzir que mais bombas poderão explodir às vésperas do Natal. O fato é que o juiz Sérgio Moro é rápido no gatilho e o procurador-Geral, Janot, dá mostras de que quer correr contra o relógio.

Roda viva

Um amplo debate no último programa Roda Viva, da TV Cultura, percorreu as trilhas do impeachment. A advogada Janaina Paschoal, autora do pedido de impeachment, ao lado de Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, mostrou que o Senado não pode recusar o acolhimento do pedido de impeachment, devendo mesmo votá-lo, sob pena de se criar uma regra nova, rompendo a lei de 1950 e a disposição constitucional. Alerta contra a criação de um tribunal de exceção. O professor Heleno Torres, do alto de seus conhecimentos técnicos, demonstrou que o país vive situação de ilegalidade, sob o prisma de pedaladas fiscais praticadas por quase todos os Estados. Os deputados José Américo, estadual, (PT) e Carlos Sampaio, Federal, líder do PSDB, defenderam as visões de seus partidos. E este consultor jogou a decisão sobre impeachment sobre as ruas. A pressão popular será o termômetro da febre que tem condições de afastar a presidente.

O refluxo das ruas

Era previsível o refluxo das manifestações de rua, como se viu no domingo passado. Alguns fatores têm contribuído para o arrefecimento do fenômeno : a. sensação de coisa já vista, portanto, a banalização. Tornaram-se comuns a ponto de gerar a seguinte locução : já fui a duas, me motivei a ir a uma terceira, mas acho que será tudo do mesmo jeito ; b. a fragmentação dos movimentos, provocada pela divisão dos grupos e entidades promotoras, cada qual desejando ser a mais importante no processo. Isso leva a visões múltiplas, discursos divergentes e acusações recíprocas ; c. a época - vale lembrar que duas semanas antes do Natal começa a prevalecer o espírito natalino de confraternização. O momento, portanto, não ajudou ; d. inutilidade - as pessoas pensam : de que adiantou ter ido às manifestações ? Mudou alguma coisa ?

Momento

Para este consultor, as massas estão no aguardo do momento propício, quando a economia chegar ao fundo do poço - meados do próximo semestre -, quando a situação política também pode se mostrar mais complicada, com o envolvimento de mais protagonistas importantes identificados pela operação Lava Jato.

Impeachment sobe

Apesar do refluxo das ruas, não se pode aferir que tenha havido refluxo na ideia de impeachment. A sensação é a de que o afastamento da presidente Dilma ganha mais adeptos e conquista maior adesão a cada mês. A razão ? O estado de recessão em que se encontra o país, a inflação e o desemprego ultrapassando a casa dos dois dígitos, as delações premiadas que se aproximam da família Lula, os apoiadores das campanhas começando a confirmar propinas, etc. Em suma, o Produto Nacional Bruto da Infelicidade - PNBInf - emerge como pano de fundo das pressões pelo impeachment.

Recesso

Se o STF adiar para fevereiro decisão sobre impeachment não teria sentido quebrar o recesso em janeiro. Hoje, saberemos isso. É mais provável que feche hoje a decisão sobre o rito. Mas a decisão da Câmara deverá ser na nova legislatura, quando os ânimos aparecerão em Brasília balizados pela vontade das ruas, pelo pulso das bases. A hipótese continua valendo : quanto pior a situação econômica, mais quente será a fervura social ; e o caldeirão da política tende a explodir com a fogueira acesa pelas massas.

Janelinha de saída

A janela que permitirá a migração partidária por determinado tempo deve ser aprovada em fevereiro. Há muita expectativa. A migração será maior ou menor a depender da aprovação do impeachment da presidente Dilma. Se for aprovada, PT saudações. A tendência será a de saída de uma grande leva de parlamentares petistas. A recíproca é verdadeira. Mas outros partidos da base passarão por intenso movimento de chegada e entrada.

Judicialização da política

É inevitável a participação mais ativa do STF no campo da política. Afinal, ele é o órgão - o único - que pode dar a palavra final em matéria de leitura e interpretação da Constituição. É claro que os partidos políticos querem puxar a brasa para a sua sardinha, defendendo teses que os favorecem na arena da política. Daí as conversas que os partidos procuram fazer com ministros da Corte. Muita polêmica se estabelece. Por que o rito aplicado na época de Collor não pode ser o mesmo de hoje ? Pode haver tanta divergência entre o hoje e o ontem se as regras não mudaram ? A regra do impeachment é a de uma lei de 1950, mas a CF de 1988 também contém disposições claras. A dúvida : afinal, o Senado deve necessariamente julgar o que foi decidido pela Câmara ou tem a prerrogativa de negar o acolhimento do pedido de impeachment desde o início ? Esta é a real queda de braço. Decisão que se espera para hoje.

Caindo no ranking

Brasil cai no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU, composto por 188 países. Incrível : fomos ultrapassados pelo Sri Lanka, uma ilha ao sul da Índia. Ficamos no 75º lugar. Os seis primeiros são : Noruega, Austrália, Suíça, Dinamarca, Holanda e Alemanha. Daqui a pouco, poderemos cair mais ainda na classificação da agência Moodys, que seria um balde de água fria no ânimo dos investidores internacionais.

A gazela e o leão

Historinha de guerra. "Toda manhã, na África, uma gazela desperta. Sabe que deverá correr mais depressa do que o leão para não ser devorada. Toda manhã, na África, um leão desperta. Sabe que deverá correr mais que a gazela para não morrer de fome. Quando o sol surge, não importa se você é um leão ou uma gazela : é melhor que comece a correr". Esse lembrete ainda é exibido em ambientes de trabalho como profissão de fé de executivos e dirigentes empresariais. À primeira vista, parece um bom conselho para quem quer vencer na vida. Trata-se, porém, de uma exaltação à barbárie.

Arena dos humanos

Pela hipótese, "leões humanos" (aspas nossas) são autorizados a agarrar "gazelas humanas" (aspas nossas), que, apavoradas, devem se desdobrar para realizar suas tarefas ou a se esconder para fugir das intempéries do trabalho (ou dos ataques dos leões). É evidente a estimulação ao instinto da violência, ao cultivo dos perfis agressivos, às lutas por espaço e poder, às táticas aéticas e aos golpes traiçoeiros, tudo justificado pela necessidade da competitividade. Nessa arena de "leões e gazelas", a alternativa que se apresenta é única : correr ou golpear. Isso é o que se vê nos ambientes de trabalho competitivos, no chão das fábricas, nos palácios públicos e nas ruas.

Apartheid

O Brasil continua muito dividido. A guerra de palavras é acirrada nas redes sociais e nas manifestações de rua. Uns contrários (a maioria) ao governo, outros grupos a favor. A agressividade é galopante. Mas uma constatação se faz necessária : Lula foi o primeiro organizador do gigantesco apartheid que separa a sociedade. Foi ele que insistiu (e ainda insiste) no surrado refrão : "nós e eles". Nós éramos os petistas, éticos, morais, dignos e cívicos ; eles, as elites endinheiradas e corruptas. O mensalão e o petrolão desconstruíram o discurso lulista. A corrupção se espraiou no petismo.

Doria, candidato de Alckmin

O governador Geraldo Alckmin é um bom leitor de pesquisas. Olhou algumas e escolheu seu candidato : João Doria, que percorre a periferia de SP, já tendo feito incursões em mais de 70. Conversa com membros do Diretório municipal do PSDB, abre papo com moradores, ouve demandas. Corajoso, determinado, João fez uma imersão na cidade de SP. Trata-se de um perfil asséptico, bom de fluência, sobe nas pesquisas. Grande potencial de crescimento em uma campanha.

Marta, a candidata

A essa altura, Marta Suplicy, senadora eleita pelo PT, deverá ser a candidata do PMDB à prefeitura de SP, que já esteve sob seu comando. Recém-chegada ao PMDB, parece já ter conquistado o Diretório municipal. Mesmo que este continue sob o comando de Gabriel Chalita. Este gostaria de ver uma parceria entre PMDB e PT em torno do prefeito Fernando Haddad. Sem chances. Chalita até pensa em abandonar o partido.

Marketing : os cinco eixos

O marketing eleitoral comporta cinco eixos : pesquisa ; discurso (propostas) ; comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos) ; articulação política e social ; e mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão meros blá blá blás. Para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.