Porandubas Políticas

Porandubas nº 444

No cenário social, este analista sente que o movimento pelo impeachment perde força e fôlego.

20/5/2015

Duas historinhas para abrir o apetite de leitura da Coluna :

Juca Peba

Desconfiado e matreiro, o coronel Juca Peba não era de muita conversa. Tinha dinheiro, e muito, guardado sob o travesseiro. Até o dia em que inauguraram a Agência do Banco do Brasil, em Cajazeiras. A gerente foi procurar o coronel Juca Peba com o argumento :

– Coronel, bote o dinheiro no banco. Vai ser guardado, bem guardado, e vai render juros.

Depois de muita conversa, e muitos cafés no varandão da casa, o coronel, ainda desconfiado, foi ao banco. Com 100 contos numa bolsa de couro. Tirou devagar o pacote. Contou. Uma, duas, três vezes. Depositou. Matreiro, ficou na espreita, na calçada, olhando, espiando o movimento do banco. Para ver se aquele troço não era tramóia. A desconfiança aumentou. Entrou no banco. Foi ao Caixa. Ordenou :

– Quero os 100 contos que eu botei aqui. Já.

Aflito, o bancário foi buscar o dinheiro. O coronel pegou o maço. Conferiu. Uma, duas, três vezes. E devolveu, sob a expressão juramentada :

– Eu só queria mesmo conferir. Pode guardar.

Quando não tem burro ?

Era uma vez.... Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada :

– Esta estrada vai até onde ?

– Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras.

– Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição ?

– Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando.

– E quando não tem burro ?

– Aí não tem jeito, doutor ; nós chama um engenheiro mesmo.

O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia.

Cenário político

A paisagem é de cor cinza. O ambiente continua tumultuado, sob a expectativa de que os depoimentos na operação Lava Jato acirrarão as tensões na frente política. Há muitas dúvidas a respeito da delação premiada do presidente da UTC, Ricardo Pessoa. Teria provas de envolvimento de nomes mais pesados do que aqueles conhecidos até o momento ? Que provas seriam essas ? Valores depositados em contas pessoais ? Em contas de partidos, as provas são abundantes, mas estes alegam que foram doações que obedeceram aos trâmites legais. Pessoa deixou de fazer a delação em Curitiba para acertar os ponteiros com as autoridades de Brasília. Qual a razão ?

Cenário econômico

O cenário econômico também não é animador. O desemprego continua se expandindo, principalmente na indústria automobilística, na construção civil e em muitos segmentos de serviços. A perspectiva aponta para a aprovação do pacote econômico do Governo pelo Congresso, porém com reajustes que diminuirão as receitas previstas. A par das MPs 664 e 665, com debate aprofundado sobre o fator previdenciário, o próximo pacote será sobre a desoneração da folha. O governo defende a extinção das desonerações para os setores contemplados. O que significará aumento de impostos. O relator deste assunto, o líder do PMDB, Leonardo Picciani, poderá apresentar proposta alternativa de escalonamento na aplicação dos índices de aumento.

Cenário social

As movimentações de rua estão em stand by, significando que, a qualquer momento, possam ocupar as ruas. Há um grupo de caminhantes que se dirige a Brasília. Vai pedir o impeachment da presidente Dilma. O PSDB quer fazer um pedido oficial nesse sentido no dia em que os figurantes da caminhada chegarem à Brasília. Os tucanos querem se ancorar num parecer de um jurista de peso para dar seguimento à estratégia. Este analista sente que o movimento pelo impeachment perde força e fôlego.

Cenário da gestão

A gestão governamental está praticamente patinando. Verbas cortadas, recursos contingenciados ou em vias de contingenciamento, programas aguardando liberação de verbas, corpos administrativos dolentes e em compasso de espera – esses são alguns traços da paisagem no campo da administração pública. Nessa teia esgarçada, a imagem de gerente, que cobria o perfil da presidente Dilma, se desfaz. Por enquanto, o esforço maior é emprestado pelo articulador político, o vice-presidente Michel Temer, que tenta contornar as pressões e contrapressões.

Cenário da lama

No centro dos lamaçais que são desvendados -corrupção no entorno da Petrobras e noutras esferas - remanesce questão central, aflorada por Norberto Bobbio, no seu clássico "O Futuro da Democracia" : o poder invisível, cuja eliminação constitui promessa não cumprida da democracia. O poder invisível consiste nas ações incontroláveis de grupos que agem nas entranhas da administração pública, dando formato a um duplo sistema de poder, chegando, em certos momentos, a "peitar" a estrutura formal de mando.

O poder invisível

Há, portanto, uma máfia que age nas sombras da administração, difícil de ser completamente mapeada. Sua origem se localiza nos Estados absolutos, quando as decisões eram tomadas pelos arcana imperii, autoridades ocultas que se amparavam no direito de avocar as grandes decisões políticas, evitando a transparência do poder. Um dos princípios basilares da democracia é o jogo aberto das ideias, o debate, a publicização dos atos governamentais, como forma de controle dos limites do poder estatuído. No absolutismo, o princípio consistia na tese de que é lícito ao Estado o que não é lícito aos cidadãos. As democracias modernas, ditas representativas, conservam mazelas do autoritarismo, entre as quais a capacidade de confundir o interesse geral com o interesse individual ou de grupos, a preservação de oligarquias e a conseqüente extensão de redes invisíveis de poder.

Cenário da descrença

A descrença nos governantes e nos atores políticos, de modo geral, dá o tom maior do presente. Pesquisas que não chegaram à mídia, do conhecimento deste analista, dão conta de que nunca foi tão alto o desprestigio da área política. Nenhum político conseguiu ultrapassar o índice de 30% na régua da credibilidade. Os números são ruins.

GPP

Cesar Maia, vereador e ex-prefeito do Rio de Janeiro, sempre nos brinda com dados de pesquisa. Veja esse panorama colhido pelo Instituto GPP na cidade do Rio de Janeiro, com 1200 entrevistados, entre 9 e 10 de maio : a avaliação geral de Dilma : ótimo+bom 7,6%, e ruim+péssimo 71,6% ; quando é feito o cruzamento com a Percepção da Inflação os resultados mudam. Os que acham que a inflação anual é superior a 10% dão a Dilma 4,8% de ótimo + bom e 78% de ruim+péssimo. Os que acham que a inflação está perto de 10% dão a Dilma 6,5% do ótimo+bom e 72,2% de ruim+péssimo.

30% menos

Porém, os que acham que a inflação está em 5% ou menos dão a Dilma 23% de ótimo+bom e 46% de ruim+péssimo. Arremata César Maia : "elas por elas, a inflação no Rio está tirando uns 30 pontos da avaliação de Dilma. Na intenção de voto para presidente, Aécio tem 26,8%, Marina 24,9% e Lula 19,4%. Da mesma forma cruzando a percepção da inflação com intenção de voto para presidente entre os que acham que a inflação é maior que 10% Aécio tem 27,9%, Marina 26,5% e Lula despenca para 13,5%. Entre os que acham a inflação está próxima de 10%, Aécio tem 33,9%, Marina 26,5% e Lula 15,6%. Mas entre os que acham que a inflação está em 5% ou menos, Aécio tem 18,1%, Marina 17,1% e Lula dispara, tem 41,4%. De forma geral, o crescimento da inflação tem impactado negativamente em Dilma e Lula. Ou seja, a inflação é um componente significativo da impopularidade de Dilma e Lula".

Teori Zavascki

Esse é o nome que receberá os holofotes mais fortes nas próximas semanas. Teori vai abrir ou fechar caminhos ; amolecer ou endurecer corações ; ser aplaudido ou execrado. Ou este escriba está lendo errado ?

Janot convocado ?

Esse escriba não acredita na hipótese de depoimento do procurador da República, Rodrigo Janot, na CPI da Petrobras. Janot tem prerrogativas que o desobrigam dessa convocação.

Terceirização

Nunca se viu tanta desinformação sobre um projeto legislativo quanto se constata, nesse momento, sobre o PL 4.330/04, que trata da terceirização. Líderes do governo e de alguns partidos dão provas explícitas de que não leram o projeto. Segundo se depreende, os senadores têm uma visão conservadora a respeito do tema. O Brasil do passado puxará a locomotiva para as bordas da Revolução Industrial. P. S. Nenhum país avançado faz distinção entre atividade-fim e atividade-meio.

Refresco

A China e o Brasil acabam de fazer uma parceria no entorno de grandes investimentos. Serão R$ 53 bilhões para obras de infraestrutura, incluindo a ferrovia para o Pacífico.

A corrosão do caráter

O cenário nacional está sendo celeremente contaminado pela crise da corrosão do caráter, terrível doença estudada por Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova Iorque, que aponta o ambiente de trabalho do mundo moderno como obstáculo para a formação do caráter e construção do ideal de vida. A degradação do caráter é uma metástase que se propaga em função do acúmulo de mazelas da vida política e institucional do país. Se a crise é de caráter, o é, também, de credibilidade. A crença desmorona porque as instituições e os agentes públicos são pouco críveis.

O negócio da política

A política é um dos maiores e melhores negócios da Federação. O empreendimento é a conquista do mandato ; o produto político é a intermediação ; e o mercado cobre um território com 27 Estados (com o DF) e nichos de interesses distribuídos em três esferas : federal, estadual e municipal. O negócio da política mexe com cerca de 145 milhões de consumidores, que formam o contingente eleitoral. Para chegar até eles, um candidato gasta, em média, R$ 15 reais por eleitor, quantia que pode ser três a quatro vezes maior, caso o político seja iniciante e rico.

Custos

Uma campanha para deputado Federal em São Paulo custou, em 2014, entre R$ 2 milhões (custo menor) e R$ 6 milhões (custo médio). Alguns (raros) conseguem chegar ao Parlamento com somas pequenas. A maioria gasta bem mais que a soma dos salários em quatro anos de mandato. A questão é : se a campanha política no Brasil é tão dispendiosa e se os candidatos gastam acima do que ganham, por que se empenham tanto em assumir a espinhosa e sacrificada missão de servir ao povo ? Será que há muito desvio entre o espírito cívico de servir e o sentido prático de se servir ?

Tomando o ônibus

Fecho a Coluna com muito orgulho de mim mesmo...

"Gostaria de dividir minha experiência com você que bebe e mesmo assim dirige. No último sábado à noite bebi não sei quantas taças de vinho. Bebi tanto que fiz uma coisa que nunca havia feito antes : deixei meu carro no estacionamento e peguei um ônibus. Resultado : cheguei em casa são e salvo, sem nenhum incidente. Fiquei muito orgulhoso de mim mesmo, sobretudo porque nunca antes na minha vida tinha dirigido um ônibus". (Enviado pelo amigo Álvaro Lopes)

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.