Porandubas Políticas

Porandubas nº 428

O colunista elenca cinco retratos que mostram os horizontes do país nos próximos meses.

14/1/2015

Vieram e não me encontraram

Abro a coluna com deliciosa historinha do matreiro Mangabeira.

Otávio Mangabeira foi governador da Bahia, ministro de Relações Exteriores e um sábio da velha política. Tinha um amor todo especial à língua. E cuidava do português a todo preço. Chega uma comissão de professoras ao palácio, Mangabeira as recebe no salão.

– Governador, nós viemos aqui conversar com V. Excelência sobre a situação do ensino na Bahia. (Deviam, claro, ter dito "vimos", que é o presente. "Viemos" é o passado).

Mangabeira respondeu apenas :

– Que pena, senhoras professoras, vieram e não me encontraram. E voltou para o gabinete.

Molduras de 2015

Cinco retratos mostram os horizontes do país nos próximos meses : um cobertor político esburacado ; uma tela de duas cores avermelhadas separando alas do PT ; o céu da economia totalmente coberto por nuvens pesadas ; a paisagem urbana nas metrópoles retocada pela agitação de grupos ; e, arrematando o cenário, a máquina governativa sendo puxada por ministros que sofrem para avançar no terreno íngreme da administração, esbarrando nos obstáculos da contenção de despesas e em cortes nos orçamentos.

Os buracos políticos

Os buracos no cobertor político foram feitos pela tesoura presidencial, que aparou espaços de partidos na colcha ministerial, como foi o caso do PMDB. O maior parceiro do PT na aliança governista ganhou um ministério a mais, mas perdeu poder. Das seis Pastas que ganhou (um a mais que no mandato anterior), três são secretarias de nível ministerial - Pesca, Portos e Aviação civil -, enquanto a Pasta da Agricultura foi destinada a uma senadora recém chegada ao PMDB, Kátia Abreu, não considerada indicação da ala peemedebista do Senado. O partido tentará resgatar parte da força perdida com cargos no segundo escalão, já sabendo que a estratégia em desenvolvimento, sob inspiração da presidente Dilma, visa a diminuir sua influência e, por conseguinte, a parcela de mando no tabuleiro do poder.

Adensamento no meio

O governo expressa tal intenção reforçando os partidos médios - PSD, PDT, PTB, PC do B, PR e outras siglas menores - que, juntas, somam votos suficientes para derrotar os oposicionistas, mesmo que estes possam vir a contar eventualmente com o rolo compressor do PMDB. A estratégia é arriscada tendo em vista a possibilidade de o PMDB voltar a comandar as duas casas congressuais. Já se sabe que os dois candidatos do partido - Renan Calheiros e Eduardo Cunha - deverão passar ao largo do petrolão. Para acirrar a disputa, o PT lança o deputado Arlindo Chinaglia à presidência da Câmara, pretendendo contar com o apoio dos partidos da base governista. Caso Cunha seja candidato e vitorioso, o PMDB aparecerá como independente. Caso perca, o líder do partido na Câmara deverá se esforçar para jogar o PMDB na oposição.

PT em chamas

O PT está em chamas. Um grupo de aranhas da teia lulista sente-se longe do ninho principal. Dilma chamou para perto de si companheiros com os quais conviveu na administração pública (formando um gauchutério), não pertencentes à ala CNB - Construindo o Novo Brasil - onde se abrigam os lulistas. Juntar os fios da malha é tarefa difícil, mesmo para Aloizio Mercadante, que age como primeiro-ministro e potencial candidato à sucessão de Dilma em caso de inviabilidade do nome de Lula. A entrevista da senadora Marta Suplicy no Estadão de domingo acendeu a fogueira. Ela disse que Mercadante não gosta de Lula, que queria ser candidato no lugar de Dilma em 2014. E que Rui Falcão, que já foi seu braço direito, é traidor do partido.

Economia sob ajustes

A moldura econômica estará esfumaçada neste ano. Grande sombra cobrirá a inflação, com perspectiva de ultrapassar 6,5%, o teto da meta. As águas dos preços represados encontrarão as comportas arrombadas, prevendo-se estouro do bolso do consumidor com os aumentos da gasolina, energia, transportes e alimentos. A Petrobras continuará a escurecer a conjuntura com suas ações caindo ao fundo do poço e ameaçando a viabilidade econômica do pré-sal. De primeira empresa brasileira, baixou para a quinta colocação. Já o petróleo cai de preço a cada semana.

Cinto apertado - I

O brasileiro que se prepare para apertar ainda mais o cinto ao longo deste novo ano, pois vamos cair no "realismo tarifário" do ministro Joaquim Levy. A começar pela conta de energia elétrica, que vai subir até 30% para recompor a defasagem no setor. Dilma mandou reduzir essa conta no começo de seu primeiro mandato – uma medida demagógica, pois não levou em conta a realidade brasileira. Agora o consumidor paga a conta. E o aumento deve estourar o teto da inflação de 6,5%. O ministro acha que recupera depois. Paciência, algum ovo vai ser quebrado.  

Cinto apertado – II

Outra medida em gestação : para Levy, as pessoas que trabalham como PJ (Pessoa Jurídica) recolhem pouco de imposto e quer elevar suas taxas. Esses PJs são enquadrados no Simples Nacional, criado para incentivar as micro e pequenas empresas do País, uma das bandeiras de Lula e Dilma. Todo o programa do PT vai cair assim, como peças de dominó ?

Clamor das ruas

Os bolsos vazios atingirão o estômago. Categorias profissionais e movimentos organizados já começaram a mobilização de grupos que abrem o clamor das ruas. O Movimento do Passe Livre já fez suas primeiras aparições. Os metalúrgicos do ABC fazem greve. A ameaça de desemprego agita as Centrais Sindicais. Todo esse barulho chegará aos corredores do Congresso Nacional.

Petrolão

O início de fevereiro será conturbado, também pela repercussão causada pela divulgação dos nomes de políticos envolvidos no petrolão. Será um bafafá. O ministro Teori Zavascki deverá anunciar os nomes. O mesmo deverá ser feito pelo procurador-Geral, Rodrigo Janot.

Programas sociais

Veremos poucos avanços nos programas sociais. O dinheiro será curto para cobrir todas as demandas. Cortes em orçamentos deixarão ministros a ver navios. Teremos um Ano de Vacas Magras.

Cenário municipal

Marta Suplicy, com sua polêmica entrevista ao Estadão, prepara o clima para se afastar do PT. Alguns partidos já lhe acenaram guarida. Marta quer, primeiro, arrumar uma justificativa para sair. Teme que seu mandato seja reivindicado pelo PT, caso saia sem demonstrar incompatibilidade entre ela e o partido. De acordo com o TSE, são três as hipóteses que autorizam o mandatário a sair do partido sem sofrer a perda do cargo : se o partido sofrer fusão ou for incorporado por outro ; se houver mudança substancial ou desvio do programa partidário ; ou ainda, ocorrer grave discriminação pessoal do mandatário. Nestes casos, a troca de partido é aceita por estar devidamente justificada.

Novo partido não é motivo

O TSE rejeita a hipótese de criação de novo partido como justa causa para o desligamento. Quem já se desfiliou ou pretende desfiliar-se, pode pedir a declaração de existência de justa causa, fazendo citar o partido. Os processos que tratam de fidelidade partidária terão preferência na pauta de julgamento, tanto do TSE quanto dos Tribunais Regionais Eleitorais, e deverão ser encerrados no prazo de 60 dias. Por isso, Kassab pensa em recriar o PL e fundi-lo com o PSD.

Candidatos em SP

Começam as movimentações em torno da campanha de 2016. O prefeito Haddad se volta na direção do PMDB, visando a uma aliança ; Marta Suplicy sairia por uma frente partidária ; e Celso Russomano, mais uma vez, se lançará no páreo. Mas o jogo ainda está longe de ser armado. Tudo vai depender de cenários mais amplos.

Fecho a coluna com : Coisinhas do Jânio

Historinhas selecionadas pelo jornalista e escritor Nelson Valente. Primeira : o prefeito Jânio Quadros, em 1987, dava entrevistas para os jornalistas sobre a sua administração (na época, havia uma polêmica a respeito dos homossexuais no Teatro Municipal), quando uma jovem jornalista o interrompeu para perguntar :

– Você é contra os homossexuais ? Você vai exonerá-los ?

O ex-presidente não gostou de ser tratado de "você" e deu o troco :

– Intimidade gera aborrecimentos e filhos. Com a senhora não quero ter aborrecimentos e, muito menos, filhos. Portanto, exijo que a senhora me respeite.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.