Porandubas Políticas

Porandubas nº 425

2014 parece interminável devido a bateria de escândalos que correu durante todo o ano.

10/12/2014

A prisão ? Ora, coisa suave !

Abro a coluna com uma impagável historinha de José Maria Alkmin, ex-ministro da Fazenda de Kubitschek, considerado uma das maiores raposas políticas de MG.

José Maria Alkmin foi advogado de um crime bárbaro. No júri, conseguiu oito anos para o réu. Recorreu. Novo júri, 30 anos. O réu ficou desesperado :

- A culpa foi do senhor, dr. Alkmin. Eu pedi para não recorrer. Agora vou passar 30 anos na cadeia.

- Calma, meu filho, não é bem assim. Nada é como a gente pensa da primeira vez. Primeiro, não são 30, são 15. Se você se comportar bem, cumpre só 15. Depois, esses 15 são feitos de dias e noites. Quando a gente está dormindo tanto faz estar solto como preso. Então, não são 15 anos, são sete e meio. E, por último, meu filho, você não vai cumprir esses 7 anos e meio de uma vez só. Vai ser dia a dia, dia a dia. Suavemente.

Ano que nunca termina

2014 parece um ano interminável. A sensação decorre da bateria de escândalos que correu durante todo o ano. O petrolão, a cada dia, exibe nova faceta. A esfera política foi alvo de tiroteio. O primeiro mandato da presidente Dilma acaba com manchas nos costados. O PT sai na frente dos partidos mais bombardeados. O status quo da política e da gestão pública mostra imensa corrosão. O STF apresenta um saldo positivo. O MP e a PF aparecem bem na foto como entidades que cumprem sua missão republicana.

A imagem do Executivo

O Poder Executivo sai com a imagem borrada. Apesar da boa avaliação que o governo Dilma continua a manter perante os brasileiros - situação periodicamente detectada por pesquisas - a impressão é a de que o Executivo foi leniente em relação ao escândalo que devastou a imagem da principal empresa brasileira. A presidente Dilma perdeu pontos como gestora, perfil que acalentou por muito tempo. Poderia ter colhido bons resultados nessa área, caso o Brasil não ostentasse índice tão pífio de crescimento, que não chegará a nem 1% do PIB. Emerge a imagem de uma pessoa arredia aos políticos, autoritária, birrenta, sem jogo de cintura para administrar as pressões e contrapressões da sociedade organizada e da esfera política.

A imagem do Legislativo

As cúpulas do Congresso Nacional terminam o ano com a imagem de que, apesar dos surtos de independência demonstrados em matérias de interesse do Executivo, continuam a dar vazão ao axioma : quem é dono da flauta dá o tom. A caneta do Palácio do Planalto funciona como guia condutor das decisões parlamentares. Mas a força do Executivo, neste apagar de luzes, não mostra tanta intensidade quanto nos tempos iniciais da presidente. Tem se esgarçado. O Legislativo também empurra de barriga casos que envolvem seus parlamentares, bastando ver as curvas que o deputado André Vargas tem dado para se livrar da cassação.

A imagem do Judiciário

A imagem do Poder Judiciário se assemelha a uma paisagem onde, de um lado contempla-se um céu de brigadeiro e, de outro, um céu coberto de nuvens plúmbeas. Juízes de primeira instância, aqui e acolá, são flagrados cometendo abusos de autoridade ; as Cortes Superiores passaram a ganhar maior visibilidade com suas decisões, algumas entrando no terreno legislativo (como o TST, que não perde a mania de querer legislar) ; e o STF chega a momentos de glória e independência, a partir das decisões sobre a AP 470, conhecida como mensalão. As críticas e observações ácidas feitas a um e a outro ministro - principalmente pelo fato de terem sido nomeados no ciclo lulo-petista - não esmaeceram a imagem da mais alta Corte. Sob o reconhecimento de que a estrela do Supremo foi encarnada pelo ex-presidente da Casa, o hoje advogado Carlos Ayres Britto.

A imagem dos governadores

Os governadores fecham um ciclo administrativo sob o peso de imensas dificuldades. De forma geral, cumpriram suas obrigações administrativas, sem performances ou resultados que possam chamar a atenção pelo brilhou ou criatividade. Os reeleitos, como o governador Geraldo Alckmin, em SP, devem seus feitos às circunstâncias locais. Basta ver que SP atravessa a maior crise hídrica de sua história e este fato não teve impacto na campanha vitoriosa do tucano. Os governadores passaram boa parte do mandato de pires na mão, solicitando ajuda dos cofres Federais e oferecendo um parco feijão com arroz na mesa da gestão. Alguns governadores saem com a imagem entre boa e razoável, na média, e outros com a imagem entre as categorias razoável e ruim.

A raposa Churchill

Para amenizar a Coluna, pinceladas de Churchill.

Churchill fazia um discurso mordaz quando um aparteador, saltando do lugar para protestar, só conseguiu emitir sons abafados. Churchill observou :

- Vossa Excelência não devia deixar crescer uma indignação maior do que a que pode suportar.

Em outra ocasião, estava sentado, sacudindo a cabeça de maneira tão vigorosa e perturbadora que o orador gritou, afinal, exasperado :

- Quero lembrar ao nobre colega que estou apenas exprimindo minha própria opinião.

Ao que Churchill respondeu :

- E eu quero lembrar ao nobre orador que estou apenas abanando a minha própria cabeça.

A imagem dos prefeitos

Sobra a pior imagem para os prefeitos, que formam banda fraca do arco administrativo. Sem recursos e com as folhas de pagamento locupletadas, a prefeitada não tem alternativa que a de oferecer um pão duro aos munícipes, enquanto esperam a tão ambicionada reforma tributária. Alguns tomam decisões amargas, como aumento de tarifas e impostos. É o caso do prefeito Fernando Haddad. Que prefere ter um dinheirinho ao final da gestão do que realizar uma gestão populista, sem nenhum recurso. Haddad, aliás, começa a resgatar a imagem, habilitando-se a fazer uma boa administração nos dois últimos anos.

As classes médias

Estamos vivendo no país o fenômeno dos círculos concêntricos : a pedra jogada no meio da lagoa faz círculos concêntricos, os quais, em movimentos compassados, chegam até às margens. São os círculos formados pelo clamor das classes médias. Que começam a sentir o bolso menos cheio ou, se quiserem, mais vazio. As classes médias se dividem em três patamares : A, B e C. Esta última é também chamada de classe média emergente : os milhões que ascenderam da classe D, mas não dispõem dos serviços que suas vizinhas, B e A, conseguem ter. Gritam, esperneiam, integram movimentos. O Brasil de 2014 deu maior organicidade às classes médias.

As periferias

As margens sociais chegam ao final do ano com um grito que, vez ou outra, sai de sua garganta : "não aguentamos mais o abandono a que somos relegadas ; queremos mais saúde, educação, transportes, segurança". Vemos margens sociais engajadas no processo de participação, mais críticas às gestões. Daí podermos dizer que as periferias estão descobrindo sua força. Não por acaso, multiplicam-se as entidades de intermediação social, a partir dos movimentos que engajam as periferias urbanas. Novos polos de poder se espraiam, multiplicando as forças centrípetas do território.

Um par de chifres

No velório de Jânio (1992), apareceu um homem aos prantos. Jurava que, muitos anos antes, estava no alto de um prédio disposto a se matar quando Jânio, então um jovem vereador, gritou : "não faça bobagem". Ele explicou que ia pular porque a esposa o traíra. Jânio dissuadiu o suicida : "o que tua mulher te arrumou foi um par de chifres, não um par de asas. Desça daí já!". Salvou o homem.

Os profissionais liberais

Constituem os profissionais liberais o núcleo mais denso do pensamento nacional. Formado por amplas categorias, organizado em torno de suas entidades de cunho corporativo, estes profissionais são o contingente que acompanha mais de perto a política e as ações institucionais. De uns tempos para cá, estes núcleos passaram a ensaiar um discurso ácido e de contrariedade aos atores políticos e governamentais. Participam de redes sociais, fazem crítica aberta, fogem da velha política e muitos até mostram interesse em dar uma contribuição efetiva pela mudança de costumes. Nunca esta categoria esteve tão atenta. Levantará o facho da locução social em 2015.

Núcleos de trabalhadores

As entidades voltadas para defesa de trabalhadores - Centrais Sindicais, Sindicatos, Federações e Confederações - terminam o ano com uma agenda pronta para ser replicada nos próximos meses : reajuste do salário mínimo ; fator previdenciário ; reajuste da Tabela do IR ; desemprego ; terceirização de serviços ; contribuições compulsórias e recursos para programas de treinamento. Estarão prontas para fazer grandes movimentações nas capitais e em Brasília.

Núcleos de empresários

As entidades patronais não têm no país o nível de organização dos núcleos de trabalhadores. Agem de maneira fragmentada. A divisão ocorre em função de políticas de promoção pessoa e/ou disputa de poder. A CNI é um aglomerado de Federações de Indústria, cada qual com visões repartidas sobre os setores produtivos. A CNC é muito questionada, principalmente pelo setor de Serviços, para o qual pouco faz. Sindicatos têm força limitada ; no âmbito Federal, carecem do apoio de Federações e Confederações. O setor de Serviços é o mais prejudicado. Não recebe do governo a contrapartida à grande contribuição que gera para a economia nacional.

Interpelando ato vil

Fecho a coluna com uma historinha conhecida, que merece repeteco.

Rui Barbosa, o Águia de Haia, chegava em casa, à noitinha, quando ouviu um barulho vindo do quintal. Chegando lá, viu um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o, ao tentar pular o muro com seus amados patos, passou-lhe um pito :

- Oh, bucéfalo anacrônico ! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo ; mas se é para zombares de minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da sua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.

E o ladrão, perplexo e confuso, com um fio de voz, perguntou :

- Doutor, eu levo ou deixo os patos ?

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.