Tudo é nada
Abro a coluna com uma parábola.
"Há pessoas que não conseguem perceber o que se passa ao seu redor. Não vêem que não vêem, não sabem que não sabem".
Eis o conto. Zé caiu em um poço e está a 10 metros de profundidade. Olhava para os céus e não viu o buraco. Desesperado, começou a escalar as paredes. Sobe um centímetro e escorrega. Passou o dia fazendo tentativas. As energias começaram a faltar. No dia seguinte, alguém que passava pelo lugar ouviu um barulho. Olhou para o fundo do poço. Enxergou o vulto de Zé. Correu e pegou uma corda. Lançou-a no buraco. Concentrado em seu trabalho, esbaforido, cansado, Zé não ouve o grito da pessoa : "pegue a corda, pegue a corda". Surdo, sem perceber a realidade, Zé continua a tarefa de escalar, sem sucesso, as paredes. O homem na beira do posso joga uma pedra. Zé sente a dor e olha para cima, irritado, sem compreender nada. Grita furioso :
- O que você quer ? Não vê que estou ocupado ?
O desconhecido se surpreende e volta a aconselhar :
- Aí tem a corda, pegue-a, que eu puxo.
Zé, mais irritado ainda, responde sem olhar para cima :
- Não vê que estou ocupado, ó cara. Não tenho tempo para me preocupar com sua corda.
E recomeça seu trabalho. Parábola : "Zé não vê que não vê, não sabe que não sabe". Reflita. O mundo está povoado por este tipo de Zé.
Campanha morna
A campanha ainda está morna. Os candidatos se mexem, tateando, caminhando aqui e ali nas ruas, mostrando receio de não serem bem recebidos. SP tem sido o território mais procurado por abrigar as maiores densidades eleitorais do país e a maior tuba de ressonância. Aécio Neves e Eduardo estão nas ruas. A presidente Dilma não tem o mesmo ritmo em função da liturgia de poder que tem de cumprir, ou seja, a agenda governamental. Mas, logo, logo, estará nas ruas acompanhada de Lula, como se espera.
Fumaça no PT
Ao que parece, as bandas de Lula e de Dilma ainda não se afinaram. Cada qual desejando ter mais força e poder na estrutura de campanha. Esse é mais um probleminha a ser vencido. O que se pode ver é uma divisão com teor de contundência maior que em campanhas passadas. Se a presidente exibisse índices mais fortes nas pesquisas, certamente o clima seria outro. As querelas internas no PT e entre o PT e partidos aliados podem prejudicar não apenas a candidata, mas os candidatos petistas nos Estados. A conferir.
Padilha
Quem mais sofre com essas querelas é Alexandre Padilha, que espera a vinda de Lula e Dilma para sua campanha. O candidato está ainda acanhado. Não se vêem grandes caminhadas, movimentação de rua, panfletagem, enfim, o barulho que se ouvia em campanhas passadas. O ritmo é lento. Padilha vai subir, claro, pois o eleitorado petista de carteirinha tem quatro ou cinco vezes mais votos que os atuais 4% que as pesquisas lhe dão. Este consultor chega admitir que ele terá cerca de 20% dos votos, mais adiante. A conferir.
Alckmin, o favorito
Geraldo Alckmin continua sendo o franco favorito para ser o vitorioso na Batalha de SP. Vamos à leitura : não se trata de um perfil carismático, denso, aliciador de votos. Trata-se de uma pessoa suave, sorridente, diplomata, educado. Isso é suficiente ? Não. Mas Alckmin tem o perfil que polariza com o PT, partido que sofre muito desgaste em SP. Quem quer votar contra o PT escolhe Alckmin ou uma terceira via, no caso, Paulo Skaf. Donde se conclui que as opções a estes candidatos ocorrem na esteira de uma rejeição ao PT. Urge lembrar que o PSDB sofre também o processo de corrosão de material.
Skaf tem chances
Paulo Skaf é um perfil aguerrido, determinado, lutador. Pode se beneficiar da rejeição ao PT e ao desgaste da floresta tucana em SP. Claro, precisa se fazer mais conhecido e gastar sola de sapato. Ou seja, descobrir o caminho das ruas. Terá o maior tempo de TV na programação eleitoral. Mas um bom programa de TV, sozinho, não ganha campanha. Ele pode ser a vitamina que o eleitorado procura contra a mesmice do PT e do PSDB, que sofrem a corrosão material.
A banca banca as campanhas
Essa do Santander de fazer cenários mostrando que eventual vitória da presidente Dilma implicaria refluxo na economia e temor dos investidores foi a maior bola fora desse início de jornada eleitoral. Ora, é sabido que a banca – expressão que se usa para abrigar o complexo bancário – tem bancado (com doações) as campanhas eleitorais. E, também ao que se sabe, um analista de um banco não emite interpretação para uso externo sem autorização de seus superiores. O espanhol Santander ensaia um escanteio.
Rejeição tem cura ?
A presidente Dilma tem cerca de 35% de rejeição. Trata-se de um índice na marca do pênalti. A pergunta : é possível diminuir essa mancha no perfil ? Resposta : sim. Como ? Usando de maneira mais intensa os eixos do marketing : a articulação com a sociedade organizada ; a mobilização das massas nas ruas, o que exige presença forte da candidata nas ruas ; comunicação intensa sobre feitos e ações do governo ; e visibilidade para certos valores : a modéstia (contra a arrogância), a simplicidade, a humildade, gestos simples. A campanha deste ano impregna-se do cheiro das ruas.
Tipologia eleitoral
Que tipos são os mais comuns em uma campanha ?
1. O continuísta - Candidato à reeleição, máquina a serviço da candidatura, cabos eleitorais multiplicados, esse tipo tem grandes vantagens sobre outros. Particularmente se construiu forte identidade junto à comunidade. Pontos fortes : ações e obras a mostrar. Pontos fracos : mesmice e eventuais denúncias de uso da máquina, etc.
2. O oposicionista - Deve encarnar situação de mudança, troca de peças velhas na máquina administrativa. Para ter sucesso, precisa captar espírito da comunidade, auscultar demandas, fazer um corpo a corpo, deixar-se mostrar, ganhar confiança do eleitor. Pontos fortes : alternativa à velha ordem ; encarnação do espírito do novo. Se for um perfil já conhecido, impregná-lo com o verniz da renovação. Pontos fracos : pouca visibilidade ; estruturas de apoio mais tênues.
3. A terceira via - O candidato da terceira via apresenta-se como perfil para quebrar a polarização entre situação e oposição. Para angariar apoio de todos os lados, carece organizar um discurso adequado às circunstâncias, ouvindo todos os segmentos, buscando uma linha intermediária. Precisa demonstrar que tem melhor programa do que os dois candidatos. Pontos fortes : bom senso, alternativa à polarização acirrada entre grupos, inovação. Pontos fracos : falta de apoios das estruturas.
O aeroporto de Claudio
A construção do aeroporto na cidade de Claudio, próximo à fazenda de Aécio Neves, não caiu bem em sua imagem. Mesmo com todas as explicações – construção de aeroportos no eixo de 80 km das cidades – o impacto tem sido forte na campanha tucana. A versão que se dá – de uso indébito de recursos públicos – acaba ganhando ênfase. E quanto mais polêmica se forma, mais fumaça se expande nos ares. O aeroporto de Cuba, com financiamento brasileiro, teria agora seu contraponto.
Ingratidão
"Ingratidão na política é um dos vícios mais degradantes. Os que a praticam podem, até, tentar justificá-la perante os injustiçados. Mas serão, inapelavelmente, jogados no lamaçal onde se escondem os piores elementos da espécie humana". (Barão do Rio Branco)
E a água em SP, hein ?
O MPF em SP recomendou que o governo de SP apresente urgente projeto de racionamento de águas nas áreas atendidas pelo Sistema Cantareira. Objetivo : evitar um colapso do sistema que abastece 45% da região.
Pérolas do Enem
-A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos.
- Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia.
- O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas.
- A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva.
- O ateísmo é uma religião anônima.
- A respiração anaeróbica é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos.
- O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo.
- Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.
- Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais.
Grandes páginas da história
De Gaulle tinha exata noção de que ao político, como ao artista, é necessário o dom moldado pelo ofício. Cercava-se de cuidados com a expressão, ensinando : "os maiores medem cuidadosamente as suas intervenções. Fazem delas uma arte". Tempos grandiosos aqueles em que as plateias se encantavam com a arte dos grandes mestres da palavra. As sentenças continham boas lições e o poder de mobilizar e atrair a atenção das massas. "Não tenho nada a oferecer-vos senão sangue, sacrifício, suor e lágrimas", declamava Churchill para ingleses inebriados com o fervor que o primeiro ministro imprimia à convocação de guerra. "Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país", proclamava o presidente John Kennedy em seu discurso de posse, elevando o orgulho norte-americano.
Pobres páginas da história
Pouco a pouco, a névoa do tempo tornou esquecidas as mais belas páginas da história. A cortina desceu sobre os palcos do esplendor e a era dos tribunos foi fechando portas, sob o eco da locução de Nietzsche no cume do penhasco nos Alpes de Engadine : "vejo subir a preamar do niilismo". A política apequenou-se. Os atores despiram-se dos mantos litúrgicos que os cobriam de reverência. E assim, os mais altos ideais, torpedeados pelas emboscadas da modernidade política, foram suplantados por interesses mercantilistas.
A baixaria toma conta
A baixeza se expandiu. Governantes de Nações do primeiro mundo vêem suas imagens embaladas em escândalos e, pasmem, sob acusações de envolvimento em casos sexuais com menores e garotas de programa. É o que se viu com o ex-primeiro ministro Berlusconi, da Itália. Correspondências devassadas pelo WikiLeaks mostram como as potências consideram parceiros e adversários. A uma pauta de preconceitos somam-se digressões sobre o caráter (criticado) de figuras públicas. Por aqui, a corrosão também é intensa. O nosso sistema político, no fluxo da crise que fere a democracia representativa em todo o mundo, é balizado por um conjunto de elementos negativos : fragmentação partidária, desmotivação das bases, pasteurização ideológica, perda de força das casas congressuais e supervalorização dos Executivos. O campo da expressão mostra o esburacado estado da arte política.
Frases dos nossos políticos
O ex-governador Sérgio Cabral chegou a dizer em tempos idos : "Quem aqui não teve uma namoradinha que precisou abortar ?". Foi numa peroração para cerca de 400 empresários. Lula, em momento de descontração, chamou Pelotas/ES, de "exportadora de veado" ; Maluf, que nunca se livrou do indefectível "estupra, mas não mata" ; Marta Suplicy, quando ministra do turismo, não se conteve e, ante o caos aéreo, saiu-se com o "relaxa e goza" ; e o ex-ministro Ciro Gomes é recordista de frases de péssimo gosto : "Fortaleza virou um puteiro a céu aberto" (criticando a administração petista em 2008).
Lições para as campanhas
Hoje, a coluna substitui o conselho aos políticos por pequenas lições de marketing. Questão recorrente nos questionamentos de campanha. Que fatores a influenciam ? Eis alguns :
- dinheiro – quando o bolso está vazio, a propensão é votar em candidato da oposição ; a recíproca é verdadeira ;
- mobilização nas ruas – o candidato precisa se deixar ver, conhecer, tomar um banho de rua ;
- maneira de apresentação dos candidatos – estética – alta prioridade. O primeiro sinal percebido pela cognição é a imagem que o candidato transmite. Sério, alegre, improvisado, informal, formal, artificial, desleixado, mal vestido, empetecado, cara de verdadeiro, cara de mentiroso, falso, atraente, simpático, nervoso, calmo, etc.
- programas de governo – propostas viáveis/inviáveis, impactantes ou óbvias – alta prioridade ;
- patrocinadores/lideranças políticas – dependendo da região, a influência poderá ser muito alta ou tênue ;
- casos escabrosos descobertos no meio da campanha – desastrosos, podem queimar as possibilidades de um candidato ;
- organizações da sociedade civil – importantes laços com grupos e comunidades ;
- identificação com esportes/futebol – influência relativa ; torcidas a favor podem receber o contraponto de torcidas contrárias ;
- apoio de artistas/celebridades – depende do artista e da região. Influência junto ao eleitorado mais inculto.