Porandubas Políticas

Porandubas nº 362

Diante das manifestações no país, o colunista aborda questões mais amplas e analisa algumas vertentes.

19/6/2013

Abro a Coluna com historinhas que o mineiro José Flávio Abelha narra em Mineirice.

Conta o ilustre mestre José Olímpio de Castro Filho em seu "Prática Forense", esta pérola da sagacidade de Pedro Aleixo : "Conta-se que em processo por crime de sedução, em que testemunha-chave sustentava quase ter presenciado o defloramento, violento, contra a vontade da vítima, que teria ocorrido num sótão, situado na parte superior de certo cômodo, o professor Pedro Aleixo, notável criminalista e político brasileiro, liquidou tal depoimento simplesmente indagando da testemunha :

- Quem subiu primeiro a escada ?...

- A moça, ou o réu ?"

Política e brinquedo de moço

Dizia Tancredo Neves que, em Minas, política é brinquedo de moço e vício de velho. Tancredo sabia das coisas. Na política mineira não há axioma mais correto. Em três oportunidades, das mais palpitantes, essa mineirice axiomática aflorou de tal forma que ninguém jamais conseguirá desfigurá-la ou retirá-la das páginas políticas de Minas. Em 1966, o governador Magalhães Pinto apresenta como candidato à sua sucessão o jovem Roberto Rezende. A oposição lança o velho Israel Pinheiro. Durante um comício o jovem Roberto Rezende insinua ser o candidato Israel Pinheiro, velho para governar Minas. Israel, nada sutil, responde com a aspereza de costume : - Minas não precisa de um reprodutor. Minas precisa é de um administrador. Nas eleições, é eleito o velho Israel. O vento dá seu giro. Vem 82, com o jovem Elizeu Rezende e o velho Tancredo Neves. O candidato Elizeu, empolgado com as manifestações em torno da sua candidatura, diz que Tancredo está velho para governar Minas. A resposta de Tancredo é mais sutil : - Churchill, Adenauer e De Gaule, já em idade provecta, reconstruíram a Europa.

Inverno à brasileira

Dia 22 de junho começa oficialmente o inverno. Mas esses dias efervescentes de final de outono mostram que o início do nosso inverno nunca foi tão quente na vida social. Depois das grandes manifestações de rua da era Collor, o país reencontra as multidões. Segunda-feira entrará no calendário nacional como um dia atípico : as massas acorreram às ruas de grandes capitais, a partir das duas maiores metrópoles, SP e Rio. O que queriam ? A liga entre os movimentos em 11 capitais - reunindo entre 250 mil a 300 mil pessoas, dependendo do olhar das mídias - foi o preço das passagens de ônibus. Mas é evidente que questões mais amplas que o precário sistema de mobilidade urbana estão em jogo. Analisemos algumas vertentes.

A velha política

Os movimentos expressam clara indignação contra as práticas da velha política. Anos e anos a fio de velhas práticas e costumes, denúncias em série envolvendo atores políticos mancomunados com máfias, grupos privados e funcionários públicos, escândalos que nunca chegam ao fim - essa é a primeira camada da argamassa que explica a insatisfação social. As multidões querem dizer que o copo está transbordando. Que o país clama por reformas de métodos, de práticas e mudança de atores. A esfera política - representantes no Congresso, Assembleias, Câmaras de vereadores, governantes de todas as instâncias - recebe um puxão de orelhas.

Serviços precários

O segundo pacote de recados embala os precários serviços públicos. A saúde está na UTI ; a educação é um caos ; a segurança pública é uma barbárie ; o sistema de transportes urbanos é uma vergonha. O crescimento das cidades não é acompanhado do crescimento - quantitativo e qualitativo - dos serviços. As filas se tornam quilométricas ; os sistemas estão estrangulados ; as aflições cotidianas se acumulam. Em SP, um trabalhador passa uma média de 4 horas (alguns até mais) para ir e voltar do trabalho. A saturação dos serviços públicos expande o clamor das turbas.

A faísca

A massa mostrou, ainda, que, em nossos tempos de comunicação eletrônica pelos sistemas montados na internet, não há mais necessidade de grandes líderes para fazer a chamada geral. Esta é feita por uma pessoa, por duas ou dez, usando as redes sociais. Os grupinhos promovem intercomunicação, que se propaga, gerando núcleos em série. Acende-se, assim, uma faísca que se irradia rapidamente pelas redes, pegando as fogueiras armadas - os grupamentos organizados - por todo o território.

Abertura da locução

As manifestações traduzem, ainda, a vontade social de expandir sua locução. Há muitos gritos presos nas gargantas. Há demandas reprimidas. A metáfora é a da panela de pressão : se não houver uma válvula que permita soltar o vapor, a panela explode. As manifestações funcionam como válvula de pressão. Ao ganhar as praças, a galera vai de encontro ao respiro social.

Democracia participativa

Sob outro prisma, enxerga-se na mobilização da massa um sinal de que a democracia participativa encontra espaço para se manifestar. E qual a razão ? A crise que assola a democracia representativa. Norberto Bobbio já avisara : a democracia não tem cumprido seus clássicos compromissos : o acesso à Justiça ; combate ao poder invisível ; educação para a cidadania ; transparência dos governos, etc. As representações políticas em todas as instâncias frustram expectativas. Os políticos são execrados. Cria-se um imenso vácuo na sociedade. Que é ocupado por uma miríade de entidades. A democracia participativa - direta - surge nesse bojo, resgatando a forma original - as reivindicações do povo na Ágora, a praça central de Atenas.

E o futuro ?

O que poderá ocorrer doravante ? A chama esta acesa nos altares da pátria. Pronta a ser usada em caso de demandas reprimidas. Do ponto de vista imediato, os Poderes terão de dar algumas respostas, algumas de caráter pontual, como a tarifa zero para as passagens de ônibus ; outras, de forma mais global, como políticas efetivas nas áreas de segurança e saúde, por exemplo. Se a economia entrar em parafuso, afetando a equação BO+BA+CO+CA, a panela tende a deixar escapar muito vapor. Como se recorda BO (bolso) cheio (geladeira cheia) resulta em BA (barriga) satisfeita, CO (coração) agradecido e CA (cabeça) disposta a agradecer e a votar no formulador da equação. A recíproca é verdadeira. Imagine-se a panela estourando nas margens das eleições.

Partidos, tchau !

Partidos políticos até podem desfraldar suas bandeiras nas passeatas. Mas há muitas placas levantadas com os dizeres : nenhum partido me representa. Há uma clara mensagem de aversão aos partidos políticos. PSOL, PCO e PSTU são as três siglas que tentaram exibir suas bandeiras. E a velha UNE também está fora do circuito das massas.

Inércia da ANAC

Em audiência com a diretoria do Sindicato das Empresas de Turismo do Estado de São Paulo (Sindetur-SP), em Brasília, o ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, prometeu resolver com rapidez alguns dos principais problemas do setor, entre eles o cancelamento ou adiamento de voos sem aviso prévio e a cobrança de taxas absurdas dos passageiros, tudo feito com a complacência da ANAC. "São inúmeros os problemas causados aos consumidores pelas práticas comerciais e contratuais abusivas das empresas áreas, enquanto a ANAC toma apenas providências inócuas e tardiamente", argumenta Eduardo Nascimento, presidente do Sindetur-SP. As agências de turismo representam 70% do volume total de vendas de passagens aéreas no Brasil.

De olho no imposto

Está em vigor a lei 12.741/12, conhecida como "De Olho no Imposto", que obriga as empresas a listar nos documentos fiscais o valor aproximado de sete tributos embutidos no preço final de produtos e serviços : ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS/PASEP, COFINS e Cide, além dos valores referentes ao imposto de importação, quando for o caso. O Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e de Assessoramento no Estado de São Paulo (Sescon-SP) participou ativamente desde o início da campanha pela criação da lei, oriunda da iniciativa popular e que contou com o apoio de diversas entidades. Foram mais de 1,5 milhão de assinaturas em favor da discriminação dos tributos. "A nova lei é um marco, pois abre espaço à consciência tributária do cidadão para exigir o retorno efetivo desta arrecadação", explica Sérgio Approbato Machado Júnior, presidente do Sescon-SP.

Campanha do agasalho

Por mais um ano consecutivo, o Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e de Assessoramento no Estado de São Paulo (Sescon-SP) apoia a Campanha do Agasalho, uma iniciativa do Fundo Social de Solidariedade e Desenvolvimento Social e Cultural do Estado de São Paulo. "A ação faz parte do Programa Sescon Solidário e o engajamento de todos nesta campanha evidencia a nossa preocupação em ajudar o próximo", comenta Sérgio Approbato Machado Júnior, presidente do Sescon-SP. Doações serão recebidas até 26/7 na sede da entidade, na Avenida Tiradentes, 960, próximo ao metrô Armênia, na Capital ou nas regionais instaladas no interior de SP.

Dilma

As vaias à presidente Dilma no estádio Mané Garrincha se inserem no bojo das manifestações da massa contra a esfera político-governamental. Quem fosse o político a falar em um estádio de futebol - Lula, por exemplo - passaria pelo mesmo vexame. A galera não suporta ouvir fala política na abertura de um importante evento esportivo. E se Dilma tivesse vestido uma camisa da seleção brasileira ? Teria recebido o mesmo tratamento ? Ouvi a pergunta de um menino, Renzo, de 7 anos. Sobre as manifestações da segunda, a presidente foi taxativa : "O Brasil acordou mais forte na terça".

Campos

O governador Eduardo Campos, na onda das reivindicações, foi o primeiro a baixar a passagem de ônibus em PE.

Alckmin

Geraldo Alckmin, governador de SP, acusou o golpe : ordenou que a PM não usasse balas de borracha na manifestação da segunda-feira. Sua polícia saiu chamuscada da passeata da semana anterior.

A trama

"Para que seu horror seja perfeito, César, acossado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais de seus amigos, descobre entre os rostos e os aços o de Marco Júnior Bruto, seu protegido, talvez seu filho, e já não se defende, exclamando : "Até tu, meu filho !". Shakespeare e Quevedo recolhem o patético grito. Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezenove séculos depois, no sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e lhe diz com mansa reprovação e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas) : "Pero, Che !". Matam-no e ele não sabe que morre para que se repita uma cena". (Jorge Luis Borges)

Conselho aos governantes

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado à presidente Dilma Rousseff. Hoje, volta sua atenção aos políticos e governantes :

1. Atentem para a nova ordem social que se desenvolve no país, a partir das manifestações em série do povo.

2. Busquem formas - grupos de trabalho, comissões, etc. - para administrar as tensões e produzir políticas públicas e ações voltadas para atendimento das demandas mais urgentes e prementes das comunidades.

3. Entendam que os ecos das ruas expressam a necessidade de mudanças, avanços e uma nova ordem político-governamental.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.