Porandubas Políticas

Porandubas nº 249

20/10/2010

Proibindo eclipses

O Coronel Zé Azul, chefe político de São Gonçalo do Abaeté, em Minas, era candidato a prefeito pela UDN, às vésperas de um eclipse do sol que a imprensa vinha prevendo para começo do ano seguinte, como o mais forte já visto no Brasil. O medo generalizou-se. Espraiavam-se relatos de crianças que iam nascer defeituosas, galinhas que deixariam de pôr ovos, cabritos que não mais berrariam e a cachaça que ficaria envenenada. No dia 1º de outubro, o coronel Zé Azul fez o último comício da campanha e acabou com um juramento sagrado :

- Pode ser que, na prefeitura, a partir de janeiro, eu não consiga fazer tudo que pretendo por esta terra. Mas juro para vocês que meu primeiro decreto será proibir definitivamente eclipses em São Gonçalo do Abaeté.

Ganhou a campanha. No Brasil, candidatos continuam a prometer mundos e fundos.

Quem pode decidir ?

Esta é a recorrente pergunta. Quem pode decidir o segundo turno ? Darei algumas pistas. A primeira chave da porta de sucesso se chama Minas Gerais. Esse Estado é a síntese do Brasil. E quem pode abri-la é Aécio Neves. O recém eleito senador tem a força para convocar a prefeitada de Minas - Estado com o maior número de municípios - e colocar o governador eleito Antonio Anastasia testa a testa com eles. Prefeitos querem verbas. E Anastasia poderá prometer pagar a conta. Aécio diz que dará o sangue para eleger Serra. No primeiro turno, acomodou-se. Não queria prejudicar seu candidato ao governo. MG registrou o voto Dilmasia. Mais uma informação : desde a redemocratização, todos os presidentes eleitos ganharam a eleição em Minas.

E se Serra for derrotado ?

Mas há uma pergunta que também se faz : e se Serra for derrotado, quem será a maior liderança do PSDB ? Isso mesmo, todos vocês acertaram a resposta : Aécio Neves. Será, então, que ele vai arregaçar a manga da camisa ? Respondo : pelo menos vai mostrar serviço. Ele apareceu na capa da Veja, deu entrevistas para todos os lados, acenando com a vitória de Serra. Não poderá, portanto, fazer feio. Acredito que Aécio poderá tirar parte da vantagem que Dilma conseguiu sobre Serra no segundo maior colégio eleitoral do país.

O triângulo das bermudas

Ao lado de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro completam o triângulo das bermudas. São os 3 maiores colégios eleitorais do país. Em São Paulo, Geraldo Alckmin se posta na mesma posição de Aécio : transforma-se no comandante do tucanato paulista. Sua meta : aumentar expressivamente a votação de Serra em SP. E, no Rio de Janeiro, Sérgio Cabral deveria fazer o mesmo papel. Mas Cabral, tão logo foi eleito, despachou-se para as praças centrais do mundo. Foi a Paris curtir a ressaca cívica. Os generais tucanos estão mais motivados que os generais dilmistas. É o que parece.

"Não admira que os néscios se julguem muitos sabedores, eles têm a vantagem de desconhecer que ignoram." (Marquês de Maricá)

Alckmin, 2 milhões a mais

Geraldo Alckmin teve 2 milhões de votos a mais que Serra em São Paulo. O governador eleito luta para jogar essa votação no colo do seu companheiro tucano. Conseguirá ?

Abstenção, segundo fator

A resposta à pergunta acima mostra que o fator abstenção poderá ser fatal para a derrota ou vitória dos candidatos. Vejamos. No nordeste, a abstenção foi muito alta, ultrapassando, na média, a casa dos 20%. No Maranhão, ultrapassou os 24%. Em alguns municípios da região, a abstenção chegou a 30%. A causa ? O medo de errar a votação em 6 nomes. Agora, com apenas dois nomes (ou 1 em Estados que já decidiram a eleição para governador), a votação será mais fácil. Por esse argumento, pode-se inferir uma abstenção menor. Porém...

Porém...

O porém é esta dúvida : quem arrasta o povão, principalmente das áreas rurais, para as urnas é geralmente o candidato a deputado. Ora, os deputados estaduais e federais já foram eleitos. Terão disposição para, novamente, arrebanhar os contingentes e levá-los à boca da urna ? Pode ser que a prefeitada colabore com essa missão. Mas se a abstenção continuar alta no nordeste, Dilma será a mais prejudicada.

Feriadão

Há outra barreira no caminho do voto. Trata-se do feriado de finados, dia 2 de novembro. E também há o dia do funcionário público. Dia 28. O governador de São Paulo, Alberto Goldman, antecipou a data para 11/10. Em alguns Estados, também haverá alteração para 1/11. Muita gente vai viajar antes do dia 31 de outubro, esticando, como sói acontecer, o tempo de lazer. Outros votarão pela manhã e pegarão a estrada. Mas eleitores da classe média, os mais endinheirados das regiões sudeste e sul, tendem a passar ao lado do exercício cívico. E se isso ocorrer, o mais prejudicado será o candidato José Serra.

E os verdes de Marina ?

Outra questão é : para onde irão os votos de Marina ? O voto preponderante de Marina é urbano, com origem na classe média e de jovens. Trata-se de um voto mais independente e crítico. Segundo as pesquisas, 51% do eleitorado de Marina migrará para Serra. Dilma pegaria uns 30%. Os outros ainda não têm definição. Minha análise sobre os indecisos é : os mais endinheirados e urbanos irão para Serra e os mais pobres e das margens sociais correrão para Dilma.

E as pesquisas, hein ?

As pesquisas, como se viu, erraram bastante, apesar das mil explicações dadas pelos diretores dos Institutos. A essa altura, o que dá para afirmar, sem grandes riscos, é que Dilma continua com mais chances de ser eleita. Numa régua de 0 a 100, ela pontuaria 65. A última pesquisa Datafolha lhe deu 6 pontos de vantagem, e, logo a seguir, a pesquisa Sensus/CNT mostrou um empate técnico, com Dilma tendo uns 3 pontos a mais que Serra. E a pesquisa Vox Populi de ontem, terça-feira, mostra Dilma com 51% e Serra com 39%: 12 pontos de diferença.

O tira-teima

Se os dados do Vox forem confirmados pelo Ibope e Datafolha desta semana, Dilma aumenta suas chances para 80 na régua de 0 a 100 deste consultor. Portanto, vamos aguardar por aferições mais recentes, que sinalizarão a tendência dos últimos dias. Deve-se ter muito cuidado. Há uma senhora chamada abstenção, que somada aos votos nulos e brancos, poderá causar muitas surpresas e aborrecimentos.

Linhas de ataque

Em minha análise, as abordagens de ataque, encampadas pelas duas campanhas, não geram resultados impactantes. Como os tiros são recíprocos, acabam se anulando. Ademais, o eleitor não reage de maneira positiva a ataques virulentos. Os primeiros ataques até causam impacto. Mas, depois de muitos tiros, perdem sua função sinalizadora e motivadora. Envolvem-se no "efeito banalização". Tornando-se comuns não penetram mais no sistema cognitivo dos eleitores. Depois de uma artilharia pesada e intensa, de ambos os lados, o eleitor tende a proclamar : "essa gente é tudo farinha do mesmo saco".

Debates insossos

Os debates, por sua vez, esgotaram os estoques de novidades. Refrãos, mantras e bordões são recitados para ilustrar as áreas da saúde, segurança, educação, habitação, transportes. Até as alfinetadas são previsíveis. Os candidatos dão curvas nas perguntas e respondem apenas o que lhes interessa. As audiências são pequenas, coisa de 3%, 4%, no máximo 5%. Exceção feita à Rede Globo, que registra um pouco mais. Para que servem, então, os debates ? Para animar as alas e exércitos das candidaturas. Consolidam visões dos militantes. Mas não agregam votos.

O lobo ferido e a ovelha

Um lobo, tendo sido mordido por cães, estava passando mal, estendido por terra, sem poder procurar alimento para si. A certa altura avistou uma ovelha e pediu-lhe que lhe trouxesse água do rio próximo : "Realmente, se tu me deres de beber, eu mesmo acharei o que comer." Então a ovelha respondeu : "Mas se eu te der de beber, logo tu me usarás como refeição." Esta fábula de Esopo é adequada ao indivíduo perverso que prepara ciladas hipócritas. Em clima de guerra eleitoral, os lobos se espalham por todos os cantos.

Internet negativa

Nunca as campanhas eleitorais exibiram uma agenda tão negativa como a deste ano. E o meio usado para a veiculação dos ataques é a internet. As redes sociais disparam campanhas violentas contra os candidatos. Histórias inventadas, versões estapafúrdias, relatos burlescos, bobagens e piadas de extremo mau gosto invadem a rede eletrônica. E assim muitos incautos compram gato por lebre.

Aborto e privatização

O aborto no Brasil é uma questão de saúde pública. A cada dois dias, morre uma mulher vítima de aborto inseguro. 187 mil mulheres tiveram sérios problemas, em 2009, por conta do aborto. Portanto, é sob esse pano de fundo que a questão deve ser abordada. Não se trata de ser a favor da mortandade de criancinhas, como se procura impingir nos intestinos da campanha. Da mesma forma, não se pode demonizar o conceito de privatização. O programa de privatização das telecomunicações, levado a cabo pelo governo FHC, foi um sucesso. Há no país 187 milhões de linhas de celular. Esses são dois temas mal tratados por candidatos e campanhas.

Maior derrota

Quem foi o maior derrotado nesta eleição ? Uma das maiores surpresas do pleito foi a derrota do senador Tasso Jereissati, do PSDB do Ceará. Causou mais impacto que a derrota de Arthur Virgílio (PSDB/AM) ou Marco Maciel (DEM/PE).

Kassab vitorioso

O prefeito Gilberto Kassab continua fazendo boa política. Elegeu seis deputados federais, mas sua cota pode chegar a 8, com a esperada nomeação de parlamentares para o secretariado de Geraldo Alckmin e elevação dos suplentes Walter Ihoshi e Eleuses Paiva.

"Eu só trago amor"

Chego, enfim, à minha terra. Trago, nas vestes a poeira das longas caminhadas; nos ouvidos, a ressonância da voz dos oprimidos e, nos olhos, a visão panorâmica da Pátria. Venho fatigado do esforço e das emoções. Mas trago o coração limpo de ódios, de malquerenças ou queixas. Nem ressentimentos tenho. Quem os tiver que com eles se alimente. Eu só trago amor. Vitorioso ou vencido, cumpri o meu dever para com o povo brasileiro. E chego à minha terra como um peregrino ao pórtico do tempo. Sacudo o pó das minhas sandálias e me persigno como um penitente. Que a paz seja convosco, meus irmãos. (Mensagem de Getúlio Vagas dirigida ao povo brasileiro, ao encerrar sua campanha para a presidência da República, em São Borja, em 30/9/1950).

Conselho aos candidatos

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos ministros do TSE e do STF. Hoje, volta sua atenção aos candidatos à presidência da República :

1. Procurem pautar seu discurso, nos últimos dias de campanha, sob a inspiração das grandes temáticas nacionais.

2. Teremos uma reforma política ? Continuaremos a ter uma alta carga tributária ? Sairemos do engessamento das relações do trabalho por meio de uma reforma trabalhista em profundidade ? E a reforma previdenciária continuará a ser uma utopia ?

3. Evitem a artilharia de ataques recíprocos. A agenda negativa não agrega interesses e demandas dos eleitores.

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.