Francisco Petros*
O novo acordo com o FMI
Segundo informado pela imprensa ao longo dos últimos dias, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu assinar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta informação foi posteriormente negada pelo governo que diz que apenas decidirá sobre o assunto em fevereiro do ano que vem. Caso venha a assiná-lo, este seria o primeiro acordo a ser firmado pelo atual governo de vez que o anterior foi assinado na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar de ter recebido o apoio explícito de Lula.
Dois aspectos que merecem comentários em relação ao assunto. O primeiro se refere à constatação de que, ao discutir o assunto abertamente, a atual administração confirma o abandono definitivo da ideologia que marcou a sua trajetória política. Fica evidente que se tratava apenas de um jogo eleitoral o antigo proselitismo cujo lema era “fora o FMI” e quando tais acordos eram denunciados como sendo “pagos com a fome do povo”. O abandono do antigo jargão eleitoral deve ser saudado. É claro que, do ponto de vista do jogo democrático, é lamentável que tenha existido uma distância “sideral” entre a pregação dos discursos em tempos de eleição e os princípios e a forma pela qual o governo executa na prática as suas políticas e tarefas. Também é uma pena que nenhuma alternativa consistente e factível foi construída para tornar tais acordos com o FMI desnecessários e quiçá obsoletos.
O segundo aspecto que merece observação num eventual trato com o FMI diz respeito às razões objetivas que justificariam este acordo. Se de um lado, é a virtude da “prudência” que guia o governo na direção ao acordo com o Fundo, de outro é preciso que nos lembremos que o volume de reservas brasileiras - ao redor de US$ 25 bilhões, exclusive o volume contratado junto ao FMI e outros organismos multilaterais – é muito baixo, considerando-se o volume do passivo externo líquido (PEL) do país – ao redor de US$ 250 bilhões. O PEL é a soma de todos os investimentos e empréstimos de um país detidos por estrangeiros. Portanto, nossas reservas líquidas atingem apenas o nível de 10% do PEL, enquanto a média dos países emergentes esta relação é o dobro da brasileira. Assim sendo, a “virtude da prudência” manifestada pelo governo para justificar um novo acordo com o FMI é fruto do “pecado do excesso de dívidas” do país. Houve um significativo progresso no que diz respeito à redução da dívida indexada ao dólar (títulos e contratos de swaps cambiais), mas o endividamento consolidado do setor público brasileiro (76% do PIB em termos brutos (sem descontar as reservas) e 54% em termos líquidos) é ainda muito alto e demorará muitos anos para ser um risco menor. Desta dívida resulta o volume astronômico de juros pagos pela sociedade e que requerem a manutenção de um superávit primário da ordem de 4,5% do PIB o qual é insuficiente para pagar tais juros e, ao mesmo tempo, financiar os investimentos em infra-estrutura, tão necessários ao “crescimento sustentado” da economia brasileira.
O governo sinaliza que o FMI aceitaria que uma parcela destes investimentos seja “descontada” do superávit primário acordado com o organismo internacional. Tal “acerto” merece um esclarecimento: o importante, em termos de risco do país, é que a dívida do setor público decresça ao longo dos próximos anos. Se o governo descontar um volume muito significativo de investimentos do cálculo do superávit primário, a relação dívida pública/PIB não cai e pode até subir. Se assim for, os investidores considerarão que o risco-país está mais alto. Com efeito, o custo de capital subirá e as novas emissões soberanas e privadas do país custarão mais caras e os títulos externos e domésticos se desvalorizarão. Ou seja, a exclusão dos investimentos públicos do cálculo do superávit primário é apenas um “jogo de cena” do governo e do FMI. Na realidade, a disciplina fiscal prometida no acordo é a essência da política econômica. O resto é discurso.
Por fim, um possível acordo entre o Brasil e o FMI resume as preocupações do governo com o cenário futuro no mercado internacional. Como pode ser visto na tabela abaixo, o crescimento brasileiro não é exceção ao que ocorre com os outros países emergentes e é resultado do excepcional cenário externo que combina (1) excesso (irresponsável) de liquidez internacional motivada pela (irresponsável) política econômica dos EUA, (2) o enorme crescimento da China e (3) que teve um substancial efeito sobre os preços das commodities que permitiu um ótimo resultado da balança comercial. É possível e até mesmo provável que em 2005 o crescimento seja menor e os riscos que são atualmente sublimados pelos investidores se tornem mais presentes. Neste sentido, um acordo do governo brasileiro com o FMI seria muito saudável, pois pode evitar ajustes bruscos no crescimento e no risco-país (atualmente ao redor de 390-400 pontos-base).
O Ministro Antônio Palocci e o Presidente do Banco Central Henrique Meirelles não devem ter grande alegria ao assinar o novo acordo com o FMI, mas as circunstâncias da realidade brasileira recomendam que isso seja feito.
País Variação do PIB (*)
China +9,1%
Índia +7,2%
Coréia do Sul +4,6%
Argentina +7,0%
Chile +6,8%
México +4,4%
Venezuela +15,4%
Turquia +15,8%
Rússia +7,4%
Brasil +6,2%
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(*) Variação do 3º trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior.
Fonte: FMI
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petros@migalhas.com.br
* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC – Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo).
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