Momento de transição
O cenário que o Brasil e os principais países industrializados estão a vivenciar neste momento combina, de um lado, uma incipiente recuperação da atividade econômica e, de outro, as crescentes preocupações sobre "como vamos sair desta crise do ponto de vista fiscal". Neste contexto, é hora de refletirmos sobre o médio prazo. Assim, citamos a seguir três dos principais aspectos que hão de influir nas decisões de consumo, investimento e de finanças aqui no Brasil.
Gastos fiscais
É inegável a preocupação com os gastos do setor público brasileiro. O Brasil vem adotando uma política fiscal de gastos crescentes que não está voltada na essência para o financiamento do investimento e do consumo (como está sendo feito na maioria dos países centrais). O Brasil gasta mal e gasta no aumento permanente de despesas do setor público. No futuro, esta será uma restrição severa para a redução estrutural da taxa de juros e do aumento do investimento do setor público.
Crise política
Embora a imprensa registre há muito tempo a crise política do Congresso, há que se notar que o que mais nos preocupa é que esta crise é estrutural. Há uma crise de representatividade pela qual a população não crê na capacidade da classe política (via partidos políticos) em representá-la e também há obstáculos crescentes na funcionalidade do funcionamento dos poderes do Estado, sobretudo no caso do Legislativo. O governo "manda" no Congresso e a oposição não cumpre o seu papel de alternativa de poder e fiscalização. Este aspecto há de pesar no desenvolvimento a médio prazo.
A geopolítica brasileira
O Brasil está a proceder, desde o início da administração de Lula, uma alteração do eixo de sua diplomacia, do centro para a periferia, com ênfase no relacionamento junto aos países da América do Sul e os emergentes. As consequências desta estratégia é que os ganhos políticos e econômicos (atuais e futuros) obtidos de países como a Venezuela, Bolívia e, até mesmo, Argentina, são bem mais incertos, e a China comunista não tem por prioridade o relacionamento com o Brasil (e sim os EUA). Este cenário propicia um moderado crescimento do setor externo brasileiro e cria instabilidades em setores estratégicos como é o caso do setor energético (Itaipu, investimentos da Petrobras na Venezuela, etc). Não tenhamos ilusões : todos os aspectos acima mencionados não devem mudar o curso de recuperação da economia no curto prazo, mas serão vitais para o Brasil depois das eleições de 2010.
Sarney não fica pagão
Ao gosto do governo, tem se espalhado desde Brasília que Sarney, pressionado pela família, desgostoso, cansado, deprimido, estaria disposto a renunciar ao cargo. Até o provável substituto já estaria escolhido : o senador fluminense, Francisco Dornelles (PP), com trânsito fácil em todos os partidos. Pelos gestos emitidos pelo PMDB de Sarney e sua tropa de choque, a renúncia, se for mesmo para valer, não virá de chofre. Nem Sarney nem seus aliados sairão do palco sem a garantia de que não serão massacrados. E o que eles temem não é propriamente a oposição. É o PT. Muita negociação ainda terá de passar pelas pontes que ligam o Plano Piloto às residências do Lago Sul, antes de o Senado começar a entrar nos eixos. Quem tem CPI da Petrobras e os maiores minutos no horário eleitoral obrigatório no rádio e na televisão não morre pagão. O desafio é saber como compensar todos, inclusive a oposição (interessada em não deixar a crise ir muito mais longe).
Abraço de afogado
O PMDB que não é de Sarney e Renan, ou seja, aquela parte da legenda que habita a Câmara e que segue a orientação de Temer, tentou se fingir de morto na crise. Não deu para continuar fazendo cara de paisagem e todos acabaram sendo arrastados para o meio do furacão. Parte do destino político de todos está atrelado ao que vier do Senado. Era ilusão mesmo acreditar que um lado não contaminasse o outro. Para o eleitor não existe o PMDB do Senado e o PMDB da Câmara, o PMDB do Sarney e o PMDB do Temer. O desgaste é geral.
Lições para Lula
A rebeldia de parte da bancada do PT do Senado contra ordem unida presidencial de blindagem de Sarney, ainda que tímida, sussurrada ente dentes, deve servir de alerta a Lula e seus operadores eleitorais. Há momentos em que um poder mais alto se alevanta – a urna. Também a romaria de partidos aliados a BH deve despertar alguma atenção de Lula e seus estrategistas. PSB e PDT deram sinais diretos que uma candidatura de Aécio poderia balançar o coração governista. Em parte, pode ser uma manobra para tentar manter o PSDB dividido. Mas é também um recado para o presidente : Lula é uma coisa, a candidatura de Dilma, outra. Por isso, estão sendo aguardadas com ansiedade nunca vista numa ocasião como esta as próximas pesquisas de intenção de voto. Se não houver contratempo, a partir desta semana teremos novas pesquisas. As últimas conhecidas são as de maio e a maior parte delas tem periodicidade mensal.
Lição para Aécio
Aécio, que é mineiro, não nasceu ontem e ainda por cima é neto da Tancredo. Finge que acredita nas juras de amor do PSB (por intermédio de Ciro Gomes) e do PDT (por intermédio de Paulinho Pereira da Silva). Estas manifestações servem a seus propósitos na luta interna no PSDB. Ele sabe que nem Ciro e muito menos Paulinho vão abandonar o barco de Lula e a candidatura da ministra Dilma Roussef se tudo correr como Lula espera que corra na sua sucessão. Mas se o barco oficial começar a fazer água... Se tal ocorrer, outros também mudarão de embarcação. A começar pelo velho PMDB.
Radar NA REAL
O Ibovespa atingiu o mesmo patamar anterior ao auge da crise em setembro do ano passado. Subiu cerca de 45% desde setembro do ano passado. A crise foi menor que o esperado pelos analistas de plantão. Se não foi uma "marolinha", não foi o "tsunami" anunciado por muitos. Neste período, a taxa de juros básica caiu de forma substancial e o câmbio fez o show de sempre : subiu até R$ 2,60 e, muito rapidamente, voltou ao patamar atual (abaixo de R$ 1,90). O mercado financeiro mundial é um conjunto de vasos comunicantes. A melhoria do Brasil não é única. Os principais mercados emergentes (China e Índia) melhoraram igualmente ou ainda mais que o Brasil. Além disto, nas últimas semanas, os principais mercados financeiros mundiais fizeram o seu verão e subiram fortemente, sobretudo os índices do mercado acionário norte-americano. Daqui para frente esperamos melhorias mais moderadas e cautelosas do mercado local (e de lá de fora). Chamamos a atenção para o Ibovespa que, a nosso ver, registra as melhores expectativas para o futuro próximo e de médio prazo. Talvez tenha exagerado neste processo.
1º/8/9 |
(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável
Giro médio da Bovespa
O número médio de negócios na Bovespa em julho foi 4,9% menor em relação ao mês anterior e o giro financeiro caiu 9% neste período. O valor de mercado das 388 empresas negociadas na Bovespa subiu 6,1% totalizando R$ 1,897 trilhão. Duas observações : (ii) merece atenção acompanhar estes números a partir de agora. Pode sugerir uma alteração na tendência de ingressos de recursos na bolsa brasileira. De outro lado, (ii) vale registrar que em julho foi batido o recorde de maior número de negócios num único dia (15/7).
A produção industrial de recupera
Dois dados que corroboram que a crise mundial que repercutiu no Brasil não foi nem marolinha e nem tsunami : a produção industrial no primeiro semestre caiu 13,4% em comparação ao mesmo período do ano passado. De janeiro a junho, a atividade industrial subiu 7,9%. Ficamos no meio do caminho. O principal setor que motivou esta recuperação foi o de bens de consumo duráveis, principalmente automóveis e eletrodomésticos. Tudo com isenção fiscal e disponibilidade de crédito do setor público. Ainda estamos dependentes destes estímulos. Provavelmente até meados do ano que vem...
A volatilidade do câmbio
Há justificativas sérias para a defesa do sistema de câmbio flutuante adotado no Brasil. Todavia, se olharmos os últimos dez anos (1999-2009) foi trágica para o setor de comércio exterior. A cada dois ou três anos o intervalo da taxa cambial varia muito. Alguém acredita que isto dá segurança aos investimentos necessários ao setor ? Por exemplo, como alguém pode acreditar que setores estratégicos como o de semicondutores possam se instalar com mais segurança no Brasil ? Essa volatilidade mereceria maiores reflexões dos economistas de dentro e fora do governo, bem como uma investigação do Legislativo. Contudo, a justeza da matéria não deve motivar nada de nenhum lado. O Brasil segue a trilha de temer discutir qualquer coisa que mexa com o "financismo" que comanda a política econômica do país.
Passos de jurista I
Durante mais de cinco anos, o advogado paulista Marcio Thomas Bastos comandou o Ministério da Justiça. Durante esse período, ele e o governo ao qual servia se jactavam da eficiência da Polícia Federal e de sua isenção. Algo assim como "o nunca antes neste país" de seu chefe, era como Bastos classificava o trabalho da PF sob seu comando. "Republicano", como diria o "jurista dos pampas" que veio a substituir o paulista. Agora, do outro lado do balcão, o ex-ministro, retomada a sua cada vez mais procurada banca de advocacia criminal, está sustentando uma petição na Justiça que pede a rejeição de uma denúncia criminal contra executivos e funcionários da Camargo Corrêa investigados na "Operação Castelo de Areia" da PF. Bastos e seus companheiros de patrocínio da ação da empreiteira pedem a absolvição sumária dos acusados argumentando "inépcia da denúncia". Como se perguntava Machado de Assis em célebre soneto : "Mudaria o Natal ou mudei eu ?".
Passos de jurista II
Nos intervalos de suas ações político-partidárias, cevando sua candidatura ao governo do Rio Grande do Sul e tentando ampliar os espaços de sua facção dentro do PT nacional, o ministro da Justiça, Tarso Genro, decretou na semana passada "o fim do segredo de justiça". É mais uma preciosa colaboração do "jurista dos pampas" às luzes jurídicas nacionais. Maior que isso somente a sua contribuição ao pensamento da nova esquerda brasileira, em memoráveis e torturados textos na imprensa burguesa nacional.
Passos de jurista III
Além de suas contribuições para o funcionamento da Justiça, Tarso Genro, o "jurista dos pampas" também meteu sua colher na reforma política e sugeriu o fim do Senado e a adoção de um sistema unicameral no Legislativo. Bem, neste item pode até ter razão, mas quem há de segui-lo ?
Lupi, ladino e astuto
No latim, o plural de lupus (lobo, um animal astuto para ninguém botar defeito) é lupi. Nós também temos um "certo lupi", assim no plural, tais a suas mil astúcias políticas. Nosso Lupi, sábio como só, não é de desperdícios : costuma ancorar seu modo ladino de ser próximo aos cofres públicos. Perigosamente, diga-se. Em manobra sibilina, ele acaba de empalmar o FAT, um patrimônio público com R$ 150 bilhões e com R$ 43 bilhões de orçamento para 2010. É o velho peleguismo, aquele cujo combate foi uma das razões de ser de Lula e da CUT, de volta, arreado pela Força Sindical e o PDT.
Agências em débito
Circulam, de fontes não identificadas, informações dando conta de que a ANATEL teria ficado constrangida com a ação impetrada na Justiça pelo DPDC (Departamento de Defesa do Consumidor), do MJ, contra a Oi e a Claro, cobrando R$ 300 milhões cada por danos morais coletivos, por conta dos altos índices de reclamação dos consumidores. Doeu mais na ANATEL a parte do documento que destaca, oficialmente, que ela não está sendo eficaz na fiscalização do atendimento ao consumidor. Deveria estar não apenas constrangida. Deveria estar envergonhada. A ANATEL tem instrumentos legais para forçar as companhias de telefonias a prestarem melhores serviços ao consumidor. Mas a ótica dela não é esta, e o consumidor é sua mais baixa prioridade. A agência acha que por ter instalado um serviço para quem se sentir prejudicado reclamar e por resolver essas reclamações rapidamente, cumpre seu papel. Não cumpre. Ela tem é de evitar que os problemas ocorram e não agir para remendar.
PS – Este não é um mal que atinge apenas a ANATEL. É das agências reguladoras de um modo geral.
Palanque de Tarso
Em princípio deve-se aplaudir a decisão do MJ, anunciada com estardalhaço pelo candidato a governador do RS, no momento dando expediente na Esplanada dos Ministérios, Tarso Genro, de multar a Oi e a Claro por causa das falhas no SAC. Porém, é preciso perguntar : por que somente essas duas companhias ? Basta consultar as estatísticas dos PROCONS para ver que há muito mais gente e de muitos setores que também não está andando na linha. Ou os órgãos competentes do Ministério de Tarso agem de modo generalizado ou validam a suspeita de que nada melhor do que uma eleição para provocar milagres midiáticos. Em tempo : na mesma semana, o PROCON de SP multou 22 empresas pela mesma razão, de diversos segmentos econômicos.
Na dúvida...
...quem quiser sofrer pra valer basta tentar falar por telefone, e-mail, ou mesmo via o sítio das empresas concessionárias de serviços públicos. Encontrará mais problemas que soluções. A lista de empresas é imensa tanto quanto as filas dos balcões de atendimento aos consumidores destas concessionárias. A privatização pode ter sido um bom processo para aumentar os investimentos em infra-estrutura do país. Em matéria de atendimento ao consumidor é um desastre.
Responsabilidade social
Muitas empresas brasileiras andam empenhadíssimas em patrocínios culturais, um dos ramos de seus programas de responsabilidade social. Têm amparo da Lei Rouanet. Mas nem sempre se utilizam dessa renúncia fiscal. Fábio Barreto, de uma família de fazedores de cinema com amparo oficial, na preparação e filmagem de "Lula, o Filho do Brasil", conseguiu arrecadar de R$ 10 milhões com Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Oi, Volkswagen, Nestlé, AmBev, Embraer e GDF Suez sem utilizar a Lei. Os Barretos ficaram "constrangidos" em usar o benefício fiscal, pois poderia parecer favorecimento uma vez que o personagem principal também é presidente da República. Como o orçamento do filme ainda exige outros R$ 7 milhões para finalização, comercialização e mídia externa, eles abriram também a lista de adesões. Já tiveram a primeira contribuição, da italiana Nouvelle, do setor de cosméticos. Enquanto isso, conforme relato da coluna de Lauro Jardim, "José Padilha, diretor de 'Tropa de Elite', tem um roteiro pronto para dirigir um filme sobre corrupção na política, baseado no mensalão. Só que ele está às voltas com um pequeno problema : não consegue captar um centavo. Ainda não encontrou uma empresa que queira meter o dedo nessa cumbuca".