Vazio político preocupante : uma democracia capenga
Os parlamentos na sua forma mais primitiva surgiram para fiscalizar as despesas dos soberanos, sobretudo com as guerras. Pouco a pouco, ganharam contornos crescentes nas suas funções de fazedores do orçamento e das leis que regem as relações políticas, sociais e econômicas. Uma das formas mais primárias para se aferir o grau de desenvolvimento de um país, à luz da idéia da democracia ocidental, é observar o andamento das Câmaras de Representantes da sociedade e da Federação (quando é o caso). Estas sempre estiveram metidas em crises éticas e morais ao redor do mundo, sobretudo na fase contemporânea, quando os órgãos de fiscalização do Poder (sem distinção) se multiplicaram. A imprensa livre, no caso, passou a ser uma das principais fiscalizadoras das atividades dos poderes nacionais. A relação entre todas estas entidades, poderes do Estado e órgãos da sociedade, permitem, em menor ou maior grau, que as correções no andamento das coisas políticas, econômicas e sociais possam ocorrer. Um jogo democrático legítimo e que, ao longo do tempo, melhora a eficiência do funcionamento do aparelho estatal e dos poderes dele derivados. A crise atual do parlamento brasileiro é de natureza estrutural e é gravíssima. Não é apenas o horizonte escandaloso que se vislumbra. Trata-se de algo muito além da emissão de passagens aéreas de uso duvidoso, ou das verbas que afrontam a ética e a responsabilidade que se chamava de republicana. O país está - de muitas formas - à deriva da falta de funcionalidade do Legislativo. Suas funções fiscalizadoras e provedoras de Leis que satisfaçam à ansiedade da sociedade brasileira por progresso estão esquecidas e submetidas a uma perigosa descrença social e política. Nada, ou quase nada, se preferirem, de conjuntural e estruturalmente relevante está nas cercanias do parlamento brasileiro. Há mais : o Executivo legisla, o Judiciário opina e, desta forma, caminha a República. Perigosamente. Se não há nada, digamos "formal", conspirando contra o Estado Democrático, seja um golpe militar ou uma conspiração civil, temos de reconhecer verdadeiramente a fragilidade do Legislativo nesta hora. Tudo está sendo visto sob a ótica dos efeitos políticos imediatos, sobretudo do ponto de vista do processo eleitoral que se aproxima. O conchavo oportunista não é apenas ocasional. É a política de fato. O que estamos a observar, ou melhor, viver, é a desmoralização perigosa do principal Poder da República. Aquele que deve nos proteger, hoje nos envergonha. Com o pouco douto patrocínio do Governo e, em muitos sentidos, da própria sociedade que silencia diante desta tragédia. Este cenário não é novo, mas sua magnitude é assombrosa. Haverá um preço a pagar por tudo isto, um custo político, social e econômico. Note-se : trata-se de um custo crescente em relação ao que já vimos.
O recado de Obama - I
Obama deu o tom das preocupações em relação à economia na reunião do G-8. Basicamente o que disse o presidente é que a economia norte-americana (que representa 1/4 da economia mundial) vai se recuperar em um patamar de consumo inferior àquele ocorrido nesta última década. Aconselhou os países emergentes a aumentarem a taxa de consumo doméstica. O recado tinha, tem e terá endereço certo : a China, que reluta em aumentar seu consumo interno em detrimento do modelo exportador que adota há pelo menos três décadas. O Brasil é parte integrante deste "pedido", mas está longe de ser o mais importante. Afinal de contas, nosso país não é partícipe relevante no comércio mundial e a abertura de sua economia é muito menor do que a média dos emergentes e dos países ricos.
O recado de Obama - II
No que se refere ao Brasil, a expansão do consumo doméstico é possível e desejável, porém tem limites claros. Ao contrário da China, o Brasil tem uma taxa de investimento muito baixa. A China investe cerca de 35% do PIB e o Brasil não alcança sequer metade desta taxa. Há outro limite relevante no caso do Brasil : a recente expansão dos gastos correntes criou uma demanda adicional que não poderá se somar à futura expansão da demanda privada sem que a política monetária seja colocada em cheque. Ou seja, se a demanda privada crescer, a taxa de juros deve subir para que a inflação não suba. Note-se que a taxa de investimento pública, o famoso PAC, é baixa por conta da baixa eficiência na sua realização. Portanto, esperemos que Lula não se sinta demasiadamente estimulado pelas palavras de Obama sobre o aumento do consumo doméstico. Os limites do país estão dados pelo excesso de gastos aprovados pelo próprio presidente e pela ausência de reformas estruturais patrocinadas pelo governo (que não as propõe) e pelo Congresso (que não as discute).
Em baixa
Por falar em política monetária, as relações entre a Fazenda e o BC estão em forte baixa. Talvez a maior baixa dos últimos tempos.
Fed explica
Prestem atenção. Na próxima semana o presidente do Fed, Ben Bernanke, fará sua exposição semi-anual no Congresso. Espera-se que ele explique como será a saída da volumosa injeção de recursos (US$ 1 bi) que a autoridade monetária promove neste ano. Há crescentes preocupações - mundiais, no caso, pois os EUA não são os únicos do "clube da injeção dos recursos públicos" – sobre se estamos caminhando para um cenário de inflação elevada em função dos elevados déficits públicos. Uma coisa é certa : enquanto o "mercado" continua sinalizando preocupações de médio prazo em relação à inflação, os indicadores de emprego e consumo nos EUA, e na maioria dos países do G-7, continuam sofríveis para não dizer trágicos. Em breve, a taxa de 9,5% - recentemente alcançada - será superada nos EUA.
Pergunta inocente
Enquanto nos EUA Ben Bernanke se explica ao Congresso, perguntamos : eticamente é compatível a atividade do presidente do BC com a de candidato declarado ao governo de um Estado e já filiado a algum partido político ? Pois bem : são cada vez mais evidentes (como anunciamos nesta coluna há mais de três meses) que o ex-tucano Henrique Meirelles vai filiar-se a um partido governista até setembro para concorrer ao governo de seu Estado natal, Goiás, ano que vem. E que, de comum acordo com Lula, só se desincompatibilizará em abril.
Bancos nos EUA
Preparemos os nossos corações e bolsos : nesta semana a maioria dos bancos mais importantes dos EUA informará seus resultados semestrais. A saúde dos bancos norte-americanos dará o tom do mercado financeiro mundial nesta e, quiçá, na próxima semana.
Ações dos emergentes estão caras
Dados extraídos do índice MSCI Emerging Markets mostram que as ações dos países emergentes estão nos patamares mais altos desde 2007. Antes da crise, portanto. A relação entre os preços das ações e os respectivos lucros por ação projetados (denominado de índice P/L) para este ano é de 15,4 enquanto entre as ações do índice norte-americano S&P500 é de 14. (Quanto mais alto o índice mais caras são as ações). Os investidores pagam mais pelas ações dos emergentes por causa do Brasil, da China e da Índia, países nos quais os investidores depositam expressivas esperanças que o crescimento mundial seja puxado por eles.
Chineses no Brasil
As viagens de burocratas chineses ao Brasil estão cada vez mais frequentes e intensas. O crescimento do fluxo estrangeiro proveniente da China vai crescer muito nos próximos meses (e anos). Além disto, as operações societárias envolvendo os comunistas chineses e empresas brasileiras serão cada vez mais sofisticadas. O Brasil é alvo para a China. Há conversas adiantadas com empresas dos setores básicos (metalurgia, siderurgia, mineração, etc.), mas há também muita conversa andando com setores de tecnologia e produtos de consumo.
Radar "NA REAL"
Dias tensos à frente. É o que deveremos ter no mercado financeiro e de capital. Como dissemos nas notas acima, os resultados semestrais do setor financeiro dos EUA e as discussões sobre o andamento da política monetária e acerca da recuperação do emprego e consumo aqui e no mundo darão o tom do mercado. Rigorosamente não há "novidades" no que tange à economia e finanças. O que há são novos fatos. As "novidades" virão das análises destes fatos. De toda forma, o nosso radar, que está mais cauteloso nas últimas semanas, assim permanece. Se tivéssemos que dar um único destaque, chamamos a atenção dos nossos leitores para a estabilidade do dólar num patamar próximo a R$ 2 / por US$ 1. Trata-se de um fato considerável. A redução da volatilidade é muito positiva e mostra de outro lado que, apesar do Brasil se encontrar no alto das preferências dos investidores mundiais, o fluxo financeiro não está desequilibrando o fluxo total cambial. O mercado acionário deve continuar "andando de lado" como se diz no jargão do mercado. No mercado de juros, tudo calmo. Como já reiteramos por diversas vezes nesta coluna, acreditamos que os investidores estão a subestimar os riscos fiscais no médio prazo. O governo gasta muito e gasta mal. Isto não está refletido nas taxas de juros a partir de 2010.
10/7/9 |
(1) – Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) – Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável
Conversa pra bovino adormecer
Fontes "fidedignas" de Brasília asseguram que está em estudo uma proposta para limitar legalmente os aumentos das despesas do governo com a folha salarial. Esta só poderia, segundo essa versão, crescer anualmente 3% acima da inflação. Coisa para engambelar incautos. Uma proposta idêntica foi apresentada ao Congresso junto com o PAC, com um limitador de 1,5%. Está devidamente engavetada. Além do mais, os aumentos já contratados para 2010 seguramente ultrapassam o limitador.
Tem mutreta ?
A Lei de Diretrizes Orçamentárias inclui um dispositivo que é o sonho dos burocratas tocadores e obras e dos políticos plantadores de projetos : afasta o TCU da fiscalização de obras do governo. É primo-irmão de outro projeto em gestação nos terrenos baldios brasilienses : a reformulação das funções do TCU, inspirado numa queixa do presidente Lula, para quem o Brasil tem fiscalização demais e execução de menos.
Se a política interfere, dá nisso
Quando Mantega decidiu trocar o então secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, egresso da equipe de Antonio Palocci e ligado ao ex-secretário Everardo Maciel, por Lina Vieira, não faltaram alertas de que ele estava introduzindo uma perigosa cunha política e sindical num órgão eminentemente técnico. E que, do ponto de vista do governo, do ente arrecadador, demonstrara nos últimos anos extraordinária eficiência. Para usar metáforas caras ao chefe de Mantega, ele estava mexendo num time vencedor. Onze meses depois, Mantega purga seus pecados. Foi obrigado a afastar Lina, para desgaste próprio. Alegou-se que a arrecadação está caindo. É fato. Mas não se deve a culpa apenas a ela e ao esquema que montou na SRF. De fato, Lina destruiu uma estrutura que funcionava bem desde Osires Silva, ainda no governo Itamar Franco. Entregou postos-chaves a sindicalistas e petistas ligados a Unafisco. Ninguém protestou ou notou, até recentemente. A queda da receita se deve à redução da atividade econômica e aos incentivos fiscais concedidos para ajudar a combater a crise. Cairia com qualquer um. O azar de Lina Vieira foi trombar com a Petrobras. Foi deixar sair no site da Receita uma nota técnica dizendo que era irregular a manobra contábil adotada pela estatal para pagar menos impostos. Menos R$ 4 bilhões em 2008. A verdade é que a Receita Federal está desorganizada, sindicalizada, politizada e sem liderança. Ponto para Mantega.
Continuou caindo
Amanhã a Receita vai anunciar os resultados da arrecadação federal de junho com mais uma queda no recolhimento de impostos. Vai ainda para a conta da gestão Lina Vieira. Vamos ver qual a desculpa daqui para frente se a tendência não se reverter rapidamente.
O problema é outro
As dificuldades que o governo começa a enfrentar na gestão das finanças públicas não estão do lado das receitas. Não apenas. O maior buraco está na coluna das despesas, que têm crescido exponencialmente, e vai continuar crescendo. Mas nisso não se pode tocar, segundo ordens expressas de Lula e Dilma.
Acender uma vela...
...para ver se não dá tempo de o Senado votar a proposta de mudanças eleitorais aprovada na Câmara a tempo de valerem para o ano que vem. O que se salva é tão pouco que é melhor deixar como está. É porta escancarada para mais corrupção, abuso do poder econômico, continuísmo...
A sucessão no limbo
Têm surgido, aqui e acolá, informações que Serra estaria reconsiderando a possibilidade de disputar a presidência em 2010. Ele preferia ficar em SP onde teria uma reeleição tranquila e não teria de medir forças, ainda que indiretamente, com um Lula com popularidade acima dos 80%. Não dá para saber o quanto isto é fato, o quanto é torcida, o quanto é especulação, e o quanto é manobra do próprio Serra. A verdade é que isso congelou um pouco a corrida sucessória para os públicos externos. Se for fato, forçará naturalmente a revisão das estratégias eleitorais tanto na oposição quanto na situação. Principalmente no governo. Uma coisa é armar um esquema para disputar com o governador paulista, outra para disputar com o "tinhoso" mineiro Aécio Neves. Uma chama mais ao combate, ao confronto. Outro, às negaças chaplianianas, ao estilo Garrincha. Dilma e Serra, guardadas as devidas proporções, são muito parecidos em estilo e normas. Aécio é o avesso. Se der Dilma e Serra na cabeça, a eleição dificilmente deixará de ser plebiscitária, com apenas os dois candidatos disputando a maioria do eleitorado. Com Aécio, quem não garante que Ciro Gomes não retome seu projeto presidencial ? Com Aécio, quem pode assegurar que o PMDB não se disponha, depois de algum tempo, de ter um candidato próprio ? Serra pode não ter arquitetado essa história de que pode desistir de tentar substituir Lula. Mas é o grande beneficiário dela até agora.
Queremos o nosso
Lula tem duas disputas entre seus aliados para arbitrar. Dessas de gerar duelos em praça pública entre o PT e o PMDB. Uma é a substituição do ministro Mangabeira Unger. A outra, o novo titular da vaga de José Mucio, de saída para o TCU, no ministério das Relações Institucionais. Listas já pululam em Brasília. Boa parte, de auto-candidatos.
Insatisfações sindicais
Está nascendo uma nova organização de trabalhadores para agregar o pessoal que trabalha na Petrobras. É decisão tomada no encerramento do 3º Congresso da Frente Nacional dos Petroleiros. O monopólio dessa representação sempre foi a Federação Única dos Petroleiros, ligada à CUT. Juntamente com a Associação dos Engenheiros da Petrobras, a FUP sempre foi responsável pelos grandes movimentos reivindicatórios na empresa – greves e coisas tais – até anos recentes. Com a ascensão do PT ao poder e a grande influência que os sindicalistas passaram a ter no comando da empresa, FUP e AEPET perderam subitamente a combatividade de outrora. Aliás, um fenômeno que toma conta de todo o movimento sindical brasileiro depois que as centrais ganharam reconhecimento legal e foram agraciadas com uma fatia de 10% anuais do imposto sindical. A proposta da FNP é voltar aos velhos tempos.
Da série : a Petrobras e a responsabilidade social
A empresa que gasta alguns milhões para publicar um balanço somente para mostrar "olha, como somos socialmente responsáveis" acaba de ser multada em R$ 30 milhões pela 69ª vara do Trabalho do RJ. A razão : manter em seus quadros mão-de-obra terceirizada em desobediência às normas de concursos públicos.
O BC inova
A entidade dirigida por Meirelles colocou, em consulta pública, um estudo sobre os cartões de crédito no Brasil. A intenção era recolher subsídios para criar uma política de regulação do setor. O prazo para a apresentação de sugestões encerrou-se na semana passada. Porém, somente no mês que vem é que o BC deixará disponível em seu site as idéias apresentadas. É, certamente, o primeiro caso de "consulta pública secreta" do qual se tem conhecimento no mundo.