Terça-feira, 19 de maio de 2009 - nº 52
Apesar dos justificados temores de que as mudanças no rendimento da caderneta de poupança pudessem provocar turbulência e desconfiança no mercado financeiro, o governo conseguiu executar uma eficiente alteração na forma de cálculo dos rendimentos. A utilização da tributação como forma de compatibilizar a rentabilidade da poupança comparativamente às outras aplicações nos parece adequada. Haverá quem prefira uma mudança na lei da caderneta de poupança, mas a estratégia do governo permite maior flexibilidade na execução da política monetária, embora prioritariamente tenha o governo buscado uma solução que não provocasse maior desgaste político. A flexibilidade em termos de política monetária se deve ao fato de que o BC e o governo poderão balizar as taxas de juros da caderneta de poupança e dos outros títulos públicos de forma a que se possa rolar a dívida pública em melhores condições que anteriormente quando o maior (e mais seguro) rendimento da poupança poderia atrair volumosos recursos do sistema financeiro dificultando o refinanciamento ("rolagem") da dívida pública. Ademais, o governo atingiu a nosso ver dois outros objetivos : (i) protegeu o pequeno poupador (91% do total de aplicadores) e (ii) fez uma mudança com tempo para ser percebida pelo público e, desta forma, evitar atropelos.
E os dividendos políticos ?
Não dá para saber, ainda, se o governo colherá frutos ou sofrerá desgastes políticos e eleitorais com a mudança na caderneta de poupança. É óbvio que o governo não foi mais fundo, com alguma alteração estrutural, porque temia – e teme – as consequências eleitorais. Assim, cercou-se de cuidados ao dizer que uma ínfima parte dos aplicadores serão atingidos. Não dá para saber porque as regras ainda não foram escritas, ou seja, não se sabe de fato como será a taxação da poupança, se haverá exceções, etc. Não se sabe também como será a redução dos impostos para os aplicadores em fundos de investimento. Vai ser uma batalha de comunicação. E o governo parece já estar perdendo o primeiro round quando a mídia já traz comentários do tipo : o governo taxa a poupança e reduz impostos dos bancos e dos grandes aplicadores. Há indicações que parte da base aliada do governo já pensa desse modo.
Casa própria, uma incógnita
Uma questão, a nosso ver mais vital e importante para o crescimento, diz respeito à casa própria. Nesta questão é que reside a problemática maior do processo de vez que a concessão do crédito imobiliário ainda é morosa e a recuperação dos créditos inadimplentes ainda mais crítico. Tudo isto dependeria de mudanças pontuais e bem estudadas no sistema. Também ajudaria a dar visibilidade maior para a consecução do projeto de "um milhão de casas" proposto pelo governo. Parece-nos improvável que a redução no rendimento da poupança em função da queda da taxa de juros e das alterações que serão introduzidas a partir do ano que vem possam implicar numa substancial queda no custo financeiro do crédito imobiliário. Para que isto acontecesse o spread bancário teria de cair mais abruptamente. Todavia, isto requer medidas de desburocratização para facilitar o crédito (sem estimular a concessão irresponsável de crédito), mudanças tributárias e, principalmente, uma legislação que puna o mau pagador e a instituição financeira que concede crédito sem as devidas garantias e verificações. Para que as mudanças na caderneta de poupança não sejam apenas uma necessidade "financeira" o governo tem de estimular e propor mudanças mais profundas no sistema. Aí temos um campo no qual a oposição teria espaço para exercer responsavelmente o seu papel.
Parada técnica ?
A recuperação das cotações dos ativos negociados no mercado financeiro mundial foi vigorosa nos últimos dois meses. Alguns exemplos : o rendimento do Índice Bovespa em dólares subiu aproximadamente 58% desde o ponto mais baixo ao final de fevereiro. O índice S&P500, das ações das 500 maiores empresas norte-americanas, subiu 29%. O índice NASDAQ, na maior parte composto por empresas de tecnologia também subiu 29%. Na última semana, os mais importantes índices de preços de ativos de renda fixa e variável apresentaram quedas. De uma forma geral a maioria dos investidores e analistas se tornou mais otimista. Há duas idéias genéricas, mas importantes, por detrás deste maior otimismo : (i) o pior já teria passado e, portanto, a recuperação econômica estaria sendo iniciada e (ii) os fluxos de capital estão menos estrangulados pela severa crise financeira mundial. Note-se o caso da Bovespa na qual o ingresso de recursos estrangeiros tem sido vigoroso nos últimos dois meses. Sempre é difícil confirmar expectativas dos investidores considerando-se a rapidez com que os mercados agem. Alguns indicadores de desempenho da economia européia e norte-americana mostraram que o consumo ainda está muito débil, apesar da melhoria na percepção dos consumidores – a intenção de compra destes vem melhorando seguidamente há três meses tanto na Europa como nos EUA e, até mesmo, no Japão. Estamos numa encruzilhada entre "expectativas" e "fatos". A nossa visão é de que os principais mercados mundiais e o brasileiro passarão por um ajuste, desta feita para baixo, no curto prazo - digamos, um mês. Todos estão à espera de mais indicadores que informem os agentes se as expectativas que têm se formado no mercado são justificadas. De toda a forma, uma última mensagem : se ainda não existem evidências de que a recuperação começou, também não dá para afirmar que a recessão vai se propagar ainda mais. A balança pende mais para um cenário mais otimista, mas a cautela vai prevalecer no curto prazo.
Relembrando
Na semana passada esta coluna fez várias notas sobre o desempenho estrutural e de curto prazo do mercado. Vale a pena lê-las, pois de muitas formas as nossas percepções sobre o mercado financeiro foram confirmadas durante a semana passada e os aspectos mais significativos apontados nas notas estão mantidos e refletidos no Radar "NA REAL".
Radar "NA REAL"
15/5/9 |
(1) – Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) – Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável
Índia deve ser destaque entre emergentes
O Primeiro-Ministro indiano Manmohan Singh ganhou um decisivo mandato para implementar políticas ainda mais sólidas e pró-mercado. A vitória nas eleições para o Parlamento indiano do Partido do Congresso foi expressiva e solidifica a aliança política governamental para implementar mais reformas econômicas, manter a inflação sob controle e abrir o mercado indiano para o investimento estrangeiro. Note-se que a Índia deve ser um dos únicos países emergentes, juntamente com a China, a apresentar crescimento econômico num cenário internacional em que todas as economias centrais estarão apresentando quedas substantivas na atividade econômica. Além disso, o país tem forte posição de reservas e não apresenta nenhum problema substantivo em seu sistema financeiro. Este ano a bolsa de valores indiana já subiu 38% e mais de 100% desde o ponto mais baixo no início de março. As apostas são de que a Índia pode ser a preferida dentre os investidores nos próximos doze meses, superando inclusive a China.
CPI da Petrobras : a questão econômica
Não resta dúvida de que um dos papéis mais significativos do Poder Legislativo é o de fiscalizar o Executivo. Este deveria ser um papel permanente e não ocasional. Uma CPI é uma formação excepcional para a execução deste papel legislativo e deve ser embasada em objetivos concretos. Do ponto de vista econômico, não somente a Petrobras, mas toda a questão energética merece atenção por parte dos legisladores. Afinal de contas, se trata de um dos maiores custos para a sociedade e seria muito importante, a bem do interesse público, saber, por exemplo, se a formação dos preços dos combustíveis atende às melhores práticas econômicas e sociais. Da mesma forma, é estratégico o conhecimento sobre a gestão da estatal do petróleo no que tange aos seus investimentos de curto, médio e longo prazo. A questão do pré-sal é vital neste tema. Há mais a ser analisado : os custos de prospecção, os acordos e contratos de longo prazo e a gestão das despesas de pessoal, além das políticas "culturais" e de publicidade da gigante estatal. Todavia, se é cristalina a necessidade de verificação, também é relevante saber se a formação da CPI das Petrobras atende aos melhores interesses da sociedade brasileira. Isto dependerá dos interesses políticos que sustentam esta investigação.
CPI da Petrobras : a questão das contas
Em que pesem as restrições expostas acima, há razões objetivas e pontuais para uma investigação sobre o modo de atuar (?) da Petrobras, algumas já listadas no requerimento da CPI : a manobra contábil para pagar menos impostos, a suspeita (levantada pelo TCU) de superfaturamento na refinaria Abreu de Lima, no Recife, os patrocínios culturais para as festas de São João, no Nordeste, especialmente na Bahia, terra do presidente José Sergio Gabrielli, e outros mais. A verdade é que, desde e sempre, com algumas exceções, sempre faltou transparência nos negócios da empresa. O que não quer dizer, necessariamente, corrupção. Mas pelo menos, muito jogo político e às vezes também eleitoral. Quando, há alguns poucos meses, de forma inusitada e quase reservada, a Petrobras pegou dinheiro na CEF para, alegadamente, pagar impostos, muita gente viu nisso problemas de administração financeira na companhia. Ela reagiu, naturalmente negando, mas o empréstimo foi ampliado e renovado. Agora, quando ela usa artifícios fiscais, considerados pela Receita Federal, em nota, irregulares, para recolher ao Fisco menos tributo, uma das alegações é a de que a empresa precisava fazer caixa para investir. O senador Aloizio Mercadante alegou que era melhor isso do que a Petrobras ser financiada pelo Tesouro. Ora, quando ela deixa de pagar impostos, está sendo financiada pelo Tesouro, embora não possa parecer. Há sim o que investigar. Deve-se evitar apenas o barulho político-eleitoral.
CPI da Petrobrás : a questão política
Um mero olhar superficial diria que o PSDB foi o grande ganhador do embate pela instalação das investigações na Petrobras (abrangendo também a ANP). De fato, os tucanos passaram a perna no governo, instalando uma CPI que a situação não quer ver nem pintada de cor de rosa. E expondo o temor do DEM de levar as investigações adiante para não afrontar certos parceiros. Há tempos o ex-PFL tem sido muito mais atilado que o PSDB em seu oposicionismo. No caso da Petrobras teve uma recaída ainda explicada. Mas o grande beneficiário de tudo, funcione a CPI integralmente, seja ela boicotada, será o PMDB. Não foi à toa que seus principais líderes no Senado – José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá (este no papel de líder do próprio governo na Casa) - não se movimentaram para barrar a CPI. Ou se omitiram fingidamente ou, como Sarney, deixaram o tucano Marconi Perillo instalar a comissão. No momento, na sexta-feira, em que Perillo, como vice, presidia a sessão do Senado, Sarney estava confortavelmente instalado em outro local em Brasília. Agora, o PMDB tem Lula e o PT de novo como reféns. Só o PMDB pode ditar o ritmo das investigações, até onde elas vão até onde não devem chegar. E a fatura não será pequena. Há ainda a vergonhosa revolta de peemedebistas com a demissão de apadrinhados políticos na Infraero. Há que compensá-los. O partido não se conforma em ficar de fora do Conselho Político do governo. Há que agraciá-lo. O PMDB quer que o PT seja mais generoso nas negociações das alianças estaduais. Há que atendê-lo. E o pior é que, nada disso garante qualquer sombra de fidelidade do PMDB. Nem nas votações no Congresso nem na aliança em torno de Dilma Roussef em 2010. O governo vai pagar sem saber se recebe toda a mercadoria prometida.
Política social made in Petrobras
Segundo um levantamento do jornal a "Folha de S.Paulo" com um analista de um grande banco, desde o início do governo Lula, a Petrobras acumulou um déficit na "conta gasolina" de R$ 6,3 bilhões e um superávit de também R$ 6,3 bilhões na "conta diesel". O cálculo é feito tomando o preço de gasolina e do diesel no mercado do Golfo do México sobre os volumes negociados pela estatal brasileira. É o que se pode chamar de política social ao avesso, ou melhor, política social à moda Petrobras : o diesel, energia essencial para o movimento da economia, e que pesa fortemente nos custos dos transportes coletivos e nos custos das cargas de mercadorias, alimentos inclusos, está bancando a gasolina, usada, basicamente, pelo grupo de veículos leves, de transporte individual e de quem tem mais dinheiro para comprar um carro.
Fed será reestruturado
Depois de constatada a dramática recessão que se instalou na economia mundial, bem como o papel exercido pelo Fed nos últimos anos, o Congresso ianque começa a discutir mudanças estruturais na gestão do banco central do país. A independência, real ou aparente, será analisada, bem como a estrutura de "bancos centrais regionais". Além disto, a crise bancária deixou largas evidências de que a capacidade regulatória não foi suficiente para evitar os problemas de crédito, dos derivativos e da exagerada alavancagem financeira dos ativos que provocou o colapso de várias instituições financeiras norte-americanas. Também a concessão de crédito para suportar a iliquidez do mercado será outra questão visitada pelos legisladores. Tais alterações vão provocar mudanças não somente nos EUA, mas provavelmente em todo o mundo. Uma coisa parece muito provável : não serão mudanças superficiais. Uma pergunta : os legisladores brasileiros se interessariam pelo tema aqui no Brasil ?
Os recuos de Obama
Parece sina maquiavélica, mas a verdade é que no exercício do poder todos se tornam diferentes. No caso de Obama está evidente que ele já partiu para a linha do "esqueça o que escrevi e falei". Os dois recuos do presidente norte-americano na semana passada – a questão da divulgação das fotos das torturas da "guerra do terrorismo" e a continuidade dos tribunais militares de Guantánamo – são provas inequívocas de que uma coisa é eleição, outra é governo. Mesmo em sociedades mais organizadas. Uma pergunta : como Obama poderá criticar Cuba e suas prisões políticas quando logo ali na Ilha tem uma base norte-americana que sedia tribunais de exceção ? Aparentemente, Obama caiu no Bush shit.
Qualquer semelhança...
...pode não ser mera coincidência. Junho é o mês em que o IBGE anunciará o PIB brasileiro do primeiro trimestre de 2009. E como admite até o ministro Guido Mantega, um craque em errar previsões positivas, ele será negativo. O que já está levando o mesmo Mantega a aceitar que o crescimento da economia nacional vai estar mais próximo do zero que dos 2% positivos até aqui inscritos no Orçamento. Por acaso, o presidente Lula mandou apressar os estudos para o novo marco regulatório do petróleo, para anunciar, também em junho, as regras para o pré-sal, com solenidade, com direito a discurso da ministra Dilma Roussef e tais. Pode ser na mesma ocasião do PIB, para contrabalançar o apelo negativo.
Quem tem medo do TCU
Por detrás das críticas (corretas, no caso) de gente do governo (a mais recente, do ministro Paulo Bernardo, na semana passada) e do Congresso à demora do TCU em liberar obras que ele mandou suspender por indícios de irregularidades, esconde-se outra manobra menos confessada : o plano de conter as ações do tribunal. A verdade é que o TCU (e alguns TCEs), muito mais ativos e vigilantes do que no passado, estão incomodando com suas novas exigências. Será um escândalo se, a pretexto de não deixar obras prioritárias atrasarem, colocarem algemas nos ministros. Parece que muitos estão com saudades dos tempos em que os tribunais de contas eram meros cabides de empregos e existiam apenas para avalizar o que o Executivo fazia.
O brasileiro e suas instituições
A revista "Conjuntura Econômica" da FGV de abril traz, comentada pelo professor Joaquim Falcão, os resultados de uma interessante pesquisa organizada pelo Centro de Justiça e Sociedade da Instituição, com revelações sobre o modo como o cidadão brasileiro vê suas instituições e alguns seus profissionais. O levantamento foi feito em todo o território nacional no mês de fevereiro e tinha o objetivo de perscrutar mais profundamente sobre a imagem do Judiciário. Vale ver alguns detalhes :
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Confiança nas instituições - saldo de confiança (resultado operação entre os que confiam e não confiam) :
1) Forças Armadas – 70
2) Escola – 68
3) Polícia Federal – 50
4) Igreja Católica - 37
5) Ministério Público - 34
6) Imprensa - 25
7) Sindicato dos Trabalhadores - 25
8) Governo Federal - 24
9) Poder Judiciário - 18
10) Igreja Evangélica - 12
11) Assembleia Legislativa - (21)
12) Senado - (33)
13) Câmara dos Vereadores - (40)
14) Câmara dos Deputados - (44)
15) Partidos Políticos - (59)
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Confiança nos profissionais :
1) Professores - 82
2) Policiais Federais - 49
3) Promotores de Justiça - 49
4) Presidente da República - 45
5) Juízes - 42
6) Jornalistas - 40
7) Militares - 40
8) Prefeito de sua cidade - 21
9) Padres - 19
10) Governador de seu Estado - 17
11) Senadores - (34)
12) Deputados Estaduais - (34)
13) Deputados Federais - (35)
14) Vereadores - (38)
15) Políticos em geral - (63)