Francisco Petros*
Além da elevação dos juros
De modo intuitivo (ou mesmo científico) poderíamos concluir que o primeiro modo é superior aos demais. Entretanto, temos de reconhecer que há tantas variáveis envolvidas que as conclusões podem ser bastante duvidosas. Já no segundo caso (o da “observação das partes”) há um enorme avanço no método – uma vez que o campo de observação e pesquisa é mais nítido e, portanto, preciso -, mas não se pode inferir com razoável grau de certeza que o estudo das “partes” indica como se dá o comportamento do “todo”. E se observarmos apenas o “todo”, as conclusões podem ser imperfeitas, em maior ou menor grau, em relação “às partes”.
Ora, como podemos constatar pelos parágrafos acima, há um claro e explícito problema metodológico para se analisar uma economia, um processo ou uma questão específica relacionados com ela. Note-se que mesmo com o extraordinário avanço da tecnologia que permite uma coleta e análise dos fatos mais aperfeiçoada, este problema metodológico é difícil superação, pois não é possível afirmar que a dinâmica dos fatos reais de uma economia é percebida adequadamente pelos modelos de análise. Talvez por esta razão é que os economistas tenham a fama de errar muito nas suas previsões.
Apesar da constatação das imperfeições metodológicas constantes do dia-a-dia do processo de análise econômica, é preciso reconhecer que a tarefa dos economistas e, principalmente daqueles que têm responsabilidade social e governamental, é essencial. Decifrar a “esfinge do processo econômico” é a única forma de se buscar a perfeição, mesmo que seja quase impossível atingi-la. De outro lado, não podemos cair na sedução de que os modelos são guias totalmente eficientes para o estabelecimento de uma política econômica.
A Economia é uma ciência humana, uma ciência política que exige uma combinação inteligente entre técnica e arte. Também é por esta razão que se faz necessário que exista, no caso específico da execução de uma política econômica, um sistema de checks and balances para se evitar que se cometam erros grosseiros cujos prejuízos são, em última instância, atentados contra o progresso econômico e social.
Na semana passada, o Comitê de Política Econômica (COPOM) do Banco Central do Brasil (BC), mais uma vez, aumentou a taxa básica de juros de 16,25% para 16,75% ao ano. É inocente imaginar que esta elevação dos juros será neutra para a economia brasileira. Seus efeitos já estão acontecendo na chamada “curva de juros” (taxas de juros dos títulos ou contratos conforme o seus respectivos prazos), no sistema de crédito e, sobretudo, nas decisões de consumo e investimento.
Nos últimos anos, houve uma significativa melhoria no provimento de informações por parte do BC que aumentaram a transparência de suas políticas. Entretanto, apesar deste avanço, ainda não resolvemos um assunto extremamente importante: a “governança” da autoridade monetária. Infelizmente, a questão da independência do BC é tratada como um assunto de pouco interesse social. Todavia, a política monetária tem efeitos diretos sobre a vida de toda a sociedade, especialmente sobre as classes sociais menos favorecidas que dependem de um estado saudável da economia para exercer a coisa mais importante em termos econômicos para um ser humano: a possibilidade de trabalhar, empreender e receber um rendimento, além de proteção social.
A forma atual de execução da política monetária no Brasil é extremamente danosa para o desenvolvimento do país. O BC de facto é autônomo, mas não o é de direito. Não existe um sistema de checks and balances que permita supervisionar as suas decisões. Há uma pressuposição de que há uma “sabedoria superior” em suas decisões sobre a política monetária. Adotou-se um modelo de metas de inflação sem que se tenha aprofundado em larga medida a discussão sobre os seus efeitos e defeitos. A relação da autoridade monetária com uma “parte” da economia, comumente denominada “mercado” precisa ser regulamentada e fiscalizada. Enfim, é preciso que se revise todo o processo e se constitua um modelo institucional que não coloque em risco o desenvolvimento do país.
Do meu ponto de vista, enquanto isto não ocorrer a cada decisão do BC se gerarão dúvidas sobre a eficiência de sua atuação no fito de manter e estabelecer a estabilidade da moeda nacional. Especialmente quando sabemos que não há “processos dedutivos” quando tratamos de uma ciência que exige uma dose substancial de talento, sabedoria e arte quando aplicada ao mundo real.
O Banco Central de um país tem de servir à vontade e ao interesse público. Temos de ter garantias de que isso ocorre no caso do Brasil. Independente de quem seja o Presidente e a diretoria da instituição. Trata-se de uma questão de Estado.
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